Lula e Zema antecipam disputa com foco em Minas Gerais
Minas vê a campanha pelo Planalto se iniciar precocemente com agendas intensificadas por Lula e críticas agressivas de Zema ao governo federal
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Siga noNo coração do Brasil, Minas Gerais reúne territorial e eleitoralmente as características que a tornam um termômetro dos pleitos pela Presidência da República. De quatro em quatro anos, as urnas confirmam uma das poucas constantes na disputa pelo Palácio do Planalto: quem vence entre os mineiros, vence no país.
Com 2026 se apresentando no horizonte, o estado já vive em clima de disputa precoce. De um lado, Romeu Zema (Novo) solta o verbo e tenta se valer da influência e popularidade local e se cacifar como cabo eleitoral incontornável e alçar voos federais. Do outro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforça sua agenda e a de seus ministros em solo mineiro para fortalecer o palanque decisivo e retomar a influência em áreas onde o petismo esmaeceu.
A cerca de um ano e meio das eleições de 2026, não se sabe se Lula tentará emplacar um quarto mandato no Planalto. Menos ainda se Zema conseguirá apoios partidários para herdar o espólio bolsonarista e concorrer à Presidência. A despeito da imprevisibilidade, os dois lados já iniciaram seus esforços para garantir competitividade em Minas Gerais.
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Lula demorou mais de um ano para visitar Minas Gerais pela primeira vez após tomar posse em seu terceiro mandato. Só em fevereiro de 2024 o petista retornou a Belo Horizonte para uma cerimônia de anúncio de investimentos do governo federal no estado que lhe rendeu uma apertada vitória sobre Jair Bolsonaro (PL) em 2022. A postura mudou em 2025, com a reeleição em cheque e sob a inédita situação de estar com a rejeição superior à aprovação.
Em menos de uma semana, o presidente veio a Minas Gerais para visitas em três cidades e agendas absolutamente distintas. Lula desembarcou no Sul do estado em 7 de março para um evento de entrega de propriedades a famílias de 24 estados brasileiros em cerimônia simbolicamente realizada em Campo do Meio. Lula discursou junto a sua base mais alinhada ideologicamente no Quilombo Campo Grande, um dos mais antigos e populosos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do país.
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Na ocasião, vários quadros petistas mineiros acompanharam o presidente e destacaram a importância do presidente reforçar suas alianças com movimentos como o MST e, especialmente, com Minas Gerais. O deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia (PT), destacou o evento como um reencontro de Lula com o programa que o elegeu.
“Em um momento desse (de queda na popularidade) ficar afastados do nosso programa, o presidente sabe disso. É bom fazer uma aliança, aliança com outros partidos mais ao centro, mas o programa com que ganhamos as eleições e a reforma agrária nunca foi escondida. Acho que o presidente faz sim o movimento agora para mostrar que esse programa será cumprido”, destacou.
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Apenas quatro dias depois, Lula voltou a Minas, desta vez para duas agendas em indústrias na Grande BH. A primeira parada aconteceu em Betim para a inauguração de uma planta industrial na Stellantis. Horas depois, ele desembarcou em Ouro Branco para visitar obras de expansão na Gerdau.
Nas duas cidades, o petista caminhou pelas instalações fabris, onde abraçou os operários em cenário de ovação. Na sequência, dividiu palco com Zema, onde ambos discursaram sempre trocando farpas mutuamente. A ocasião serviu para deixar claro o tom de disputa que antes só se dava via discursos e redes sociais com o governador e o presidente separados por centenas de quilômetros.
Depois da passagem marcada pela reaproximação com o MST e pelo embate escancarado com o governador mineiro, Lula já planeja seu próximo desembarque no estado para Montes Claros, Norte de Minas. A visita está prevista para 7 de abril, na fábrica da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk.
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Ministros a postos
As agendas do governo federal no estado não se limitam a Lula. As passagens para Minas Gerais também foram distribuídas pela Esplanada dos Ministérios. Desde a última semana, um périplo ministerial desembarcou em 22 territórios para anunciar informações sobre o Novo Acordo do Rio Doce para os atingidos pela Tragédia de Mariana, a maior parte deles em solo mineiro.
A caravana é comandada por Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência e contará com a presença e conta com representantes das pastas de Minas e Energia (MME); Casa Civil; Secretaria de Relações Internacionais; Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Pesca e Aquicultura (MPA); Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA); Saúde (MS); Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Educação (MEC); Agricultura e Pecuária (Mapa); Igualdade Racial (MIR); e Povos Indígenas (MPI).
As visitas reforçam a estratégia petista de fortalecer o palanque em estados onde o Executivo é comandado por opositores ao governo Lula. Além disso, geograficamente, as agendas acontecem em regiões tradicionalmente dominadas pelo PT e onde a legenda perdeu forças nas últimas eleições. A própria passagem de Lula por Montes Claros, cidade pólo do Norte do estado e que, em 2022, votou majoritariamente em Bolsonaro.
Das 11 cidades mineiras visitadas pela caravana ministerial, apenas Rio Doce é governada por um prefeito petista. No cenário das votações presidenciais, os municípios ilustram a perda de espaço das candidaturas do partido ao longo dos anos. Em 2006, ano da reeleição de Lula, além de Rio Doce, Acaiaca, Barra Longa, Timóteo, Caratinga, Belo Oriente, Governador Valadares, Tumiritinga, Resplendor, Itueta e Aimorés, todos os municípios por onde passaram os representantes do ministérios, deram vitória ao PT.
O cenário foi alterado gradativamente nas 11 cidades e, em 2010, Dilma Rousseff (PT) perdeu em dois municípios. No pleito seguinte, o mesmo cenário se repetiu com a presidente em busca de reeleição. Já em 2018, Timóteo, Caratinga, Belo Oriente, Governador Valadares, Resplendor, Itueta e Aimorés, mais da metade delas, deram vitória a Jair Bolsonaro, então no PSL, sobre Fernando Haddad (PT). Com exceção de Belo Oriente, todas as demais cidades seguiram imprimindo derrotas ao PT em 2022.
Ontem, o ex-ministro da Secretaria de Relações Institucionais e atual chefe da pasta de Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP) passou pela grande BH completando a agenda recente dos integrantes do governo federal pelo estado.
A presença massiva do governo federal em Minas acontece em meio ao fortalecimento de um palanque local ainda sem uma estrela para a disputa do governo estadual. O senador Rodrigo Pacheco (PSD) é o favorito de Lula para a disputa e conta com o apoio do PT, mas uma ala do partido já demonstra impaciência com a falta de um posicionamento explícito do parlamentar em relação ao aceite do apoio do presidente com um embarque real no clima de campanha antecipada.
Zema se esforça para ser o anti Lula
O alinhamento de Zema ao bolsonarismo e sua aversão quase congênita ao PT não são exatamente novidades. O governador coordenou o braço mineiro da campanha de Jair Bolsonaro no segundo turno de 2022. Além disso, suas duas empreitadas pelo Executivo Estadual foram marcadas por um discurso carregado de críticas ao seu antecessor Fernando Pimentel (PT).
Em 2025, porém, o alvo de Zema dentro do PT migrou de Pimentel para Lula e alçou sua antipatia com o partido para a instância federal. Os embates começaram com temas localizados, como os vetos presidenciais ao Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag), assunto de suma importância para o mineiro, já que Minas deve cerca de R$ 165 bilhões à União.
Zema se articulou para liderar entre os estados devedores, especialmente Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Goiás, uma frente de deputados suficiente para derrubar o veto do presidente. O tema já o colocou em destaque nacional, mas em um tema técnico demais para que o governador assumisse protagonismo como um opositor ferrenho a Lula.
Desde então, o governador mineiro passou a comentar publicamente os assuntos em que a comunicação de Lula patinava. Zema usou as redes sociais para se posicionar de forma crítica e com um tom ligeiramente agressivo em relação aos temas de segurança pública, o aumento da taxa básica de juros e, notadamente, sobre o preço dos alimentos.
Em meados de fevereiro, Lula sugeriu que, se um alimento estivesse caro demais, o consumidor optasse por uma alternativa até que os valores diminuíssem como uma resposta à queda na demanda. A ideia do presidente caiu como uma luva para seus opositores e Zema subiu o tom.
O governador publicou um vídeo em suas redes sociais em que dizia ter consultado uma nutricionista para saber se poderia comer casca de banana e ouviu uma resposta positiva da especialista. “Dá para encarar nesses tempos em que os preços dispararam. Fica aí uma sugestão que pode funcionar”, disse o governador logo antes de devorar a fruta com casca e tudo para criticar o petista.
Na escalada federal do antipetismo, Zema não só direcionou sua artilharia na direção de Lula, como tenta angariar o apoio bolsonarista. O governador se manifestou duas vezes em defesa de Débora Rodrigues, a cabeleireira que pichou a estátua em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF) e se tornou símbolo das campanhas pela anistia aos presos pelos atos do 8 de janeiro.
Mais do que abraçar as causas do ex-presidente, o mineiro lhe acena diretamente. Logo que o STF tornou o antigo ocupante do Palácio do Planalto réu por tentativa de Golpe de Estado, Zema publicou em seu perfil no X: “O maior líder da oposição ao governo do PT é Jair Bolsonaro. Espero que a justiça seja feita e que ele recupere seus direitos políticos”.
A escalada no tom do governador se deu concomitantemente à contratação de uma nova equipe de marketing político no Partido Novo. Renato Pereira, o marqueteiro carioca notabilizado por seus trabalhos com os ex-governadores fluminense Sérgio Cabral (MDB) e o mineiro Aécio Neves (PSDB), desembarcou na legenda tendo a promoção nacional de Zema como uma de suas missões.
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Estratégia é uma resposta
À reportagem, integrantes da comunicação do Novo argumentam que a mudança de postura de Zema não se deu por uma iniciativa própria do governador mais do que por uma resposta ao que foi visto como uma afronta de Lula em Minas Gerais.
Na agenda presidencial em Ouro Branco, em 11 de março, Lula disse que só Getúlio Vargas fez mais pelos pobres brasileiros do que ele mesmo. De acordo com as fontes ouvidas pela reportagem, a fala incomodou Zema. Dois dias depois, o governador comentou a declaração do petista.
“Eu estive com o presidente Lula ontem e fiquei assustado. Parece que ele está em modo avião desconectado da realidade. Ele veio aqui em Minas de certa maneira se posar como pai dos pobres e dizer que só ele e Getúlio [Vargas] é que trabalharam pelos mais necessitados. Esse filme nós brasileiros já vimos e não gostamos”, disse o governador à época.
A análise de quem cuida da comunicação de Zema também avalia que a repercussão das falas do mineiro têm aumentado não necessariamente por uma mudança de postura, mas pelas crises sucessivas enfrentadas pelo governo federal.
Na avaliação do time de comunicação do governador, a queda na popularidade de Lula fez com que a imprensa, os políticos e o meio empresarial passassem a enxergar com mais nitidez a hipótese de derrota do petista em 2026. A partir daí, o aumento na repercussão das falas de Zema se deu de forma natural e não necessariamente por uma estratégia mais agressiva do membro do Partido Novo.
No horizonte do Novo, ainda que seu único governador não seja o candidato à presidência ou embarque como vice na chapa de outro nome da direita como seus pares Ronaldo Caiado (União Brasil) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) em Goiás e São Paulo, respectivamente, o mineiro pode se tornar um incontornável cabo eleitoral. Qualquer que seja o nome a disputar contra o PT em 2026, precisa de uma vitória em Minas, e, neste sentido, Zema se cacifa como um aliado necessário por sua popularidade local.
Simões rejeita estratégia
Sucessor natural de Zema, o vice-governador Mateus Simões (Novo) não embarcou na nova empreitada de comentarista ácido do governo federal abraçada pelo chefe. Ao contrário, em eventos com membros do governo federal, como o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB-AL) em Uberaba no dia de 20 de março, ele tem apostado em uma relação mais republicana com o Executivo Federal.
Simões deve apostar em uma postura mais atrelada ao tradicional político mineiro conciliador. Conforme apurou o colunista do EM, Orion Teixeira, o vice-governador reprova o caminho tomado por Zema e negocia a contratação de um marqueteiro próprio para trabalhar em sua campanha.