Crimes contra a população LGBTQIAPN+ disparam no governo Zema
Para ativista e presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, a falta de verba orçamentária dedicada à questão é principal causa do aumento
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Minas Gerais enfrenta, desde o primeiro mandato do governo Romeu Zema (Novo), uma escalada da violência contra a população LGBTQIAPN+. O cenário contrasta com uma baixa execução orçamentária e ausência de políticas públicas estruturantes para enfrentar o problema vivenciado pela comunidade.
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Dados obtidos pelo Estado de Minas via Lei de Acesso à Informação (LAI) revelam que, enquanto os registros oficiais de crimes motivados por preconceito cresceram 53% desde o início da atual gestão, políticas de proteção seguem sem orçamento próprio e ações voltadas ao grupo são classificadas como “pontuais”.
O Painel LGBTQIA+Fobia, plataforma administrada pelo próprio governo para mensurar crimes contra o grupo, expõe a curva ascendente. Antes de Zema assumir, o estado registrou 356 casos do tipo em 2018. Foram 363 ocorrências em 2019, no primeiro ano da atual gestão, ainda em seu mandato inicial; 567 em 2023, o maior número da série histórica, justamente no primeiro ano após a reeleição; e 546 registros contabilizados em 2024.
Em 2025, até outubro, o painel contabilizava 543 registros de causas presumidas de LGBTQIAPN+fobia, superior ao computado no mesmo período do ano passado, quando 467 casos estavam contabilizados. O ritmo indica que esse volume tende a superar o total do ano passado, sobretudo porque ainda restam dois meses para serem incorporados às estatísticas.
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Apesar da curva ascendente da violência, os dados obtidos pelo Estado de Minas revelam um vácuo estrutural de políticas públicas no mesmo período em que os ataques se intensificaram. Um dos exemplos mais emblemáticos é o “Plano de Enfrentamento à Transfobia no Sistema Socioeducativo”, anunciado em 2021 e que, quase quatro anos depois, permanece classificado como “em andamento” e “para consulta pública”, sem previsão de implementação.
A reportagem procurou o Governo de Minas para questionar se há alguma estimativa para o lançamento do programa, mas não foi informado uma data.
Políticas públicas
Embora a Secretaria de Desenvolvimento Social apresente, ano a ano, uma lista de iniciativas e programas voltados à população LGBTQIAPN+, sendo duas ações em 2019, cinco em 2020, outras cinco em 2021, quatro em 2022, seis em 2023, quatro em 2024 e mais quatro previstas para 2025, a maior parte delas se concentra em capacitações, campanhas e medidas administrativas. São projetos que, apesar de contribuírem para qualificar servidores e organizar trabalhos internos, permanecem restritos ao bastidor e pouco chegam à ponta, onde estão as pessoas mais vulneráveis.
A maioria das ações se resume à criação de comitês, resoluções, grupos de trabalho, planos ainda em discussão e cursos oferecidos em plataforma on-line. Quase nada, porém, se traduz em serviços diretos de proteção, amparo ou acompanhamento a vítimas.
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Apesar das fragilidades, no conjunto das iniciativas apresentadas pelo governo, algumas ações têm impacto mais direto na vida da população LGBTQIA+. A conversão do Presídio Jason Soares Albergaria em uma unidade exclusiva para gays, travestis e transexuais é uma das medidas mais concretas. Também se destaca a inclusão de nome social, identidade de gênero e orientação sexual nos registros de ocorrência.
Na área formativa, o governo destaca a oferta recorrente do curso “Formação em Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e Identidade de Gênero”, que certificou 3.214 participantes entre 2016 e 2023. Outra frente é o curso “População LGBT: Direitos e Garantias”, desenvolvido em parceria com a Polícia Civil, com três mil vagas oferecidas em 2023 e outras três mil previstas para 2024, somando seis mil alunos capacitados.
Ao Estado de Minas, o presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG), Maicon Chaves, classifica as atuais medidas do governo Zema como insuficientes diante da escalada da violência.
“Cursos e campanhas, isoladamente, não protegem ninguém. Minas precisa assumir responsabilidade política e orçamentária, algo que não tem feito. Enquanto o Estado insistir em respostas tímidas, sem recursos e desconectadas da realidade dos territórios, Minas continuará sendo um lugar onde pessoas LGBTQIA+ continuarão vulnerabilizadas”, diz.
Para Chaves, o governo precisa investir em centros de referência regionais, atendimento psicossocial e protocolos obrigatórios na segurança pública.
“A insistência em capacitações e campanhas, sem criar redes de acolhimento, apoio jurídico, atendimento psicossocial e proteção territorial, nos mantém presos a um ciclo de violência e abandono. É uma política que educa agentes públicos, mas deixa as pessoas LGBTQIA+ sem portas para bater quando sofrem violência”, afirma.
Fora do Orçamento
A deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), avalia que o estado vive um cenário de desproteção institucional da população LGBTQIAPN+. Segundo ela, Minas não tem orçamento dedicado ao tema, tampouco políticas capazes de responder ao aumento da violência registrado nos últimos anos.
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Segundo ela, a violência contra grupos vulneráveis tem crescido de forma significativa em Minas, impulsionada, em sua visão, por discursos da direita que transformaram essa população em “alvos prioritários”. “Elas (pessoas LGBT) foram escolhidas como inimigas número um pela direita, e isso reverbera em violência na sociedade”, diz.
No material obtido pela reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Social informa que não há qualquer rubrica específica voltada às políticas de diversidade. Questionada sobre o orçamento destinado às iniciativas, a pasta responde que “não houve execução orçamentária” ou que “não é necessário destinar recurso, por se tratar de ação pontual”.
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Bella avalia que o governo Romeu Zema trata a pauta da diversidade como tabu, especialmente na educação, área que, segundo ela, tem sido alvo de iniciativas que desencorajam o debate sobre inclusão e fomentam perseguições a profissionais da rede.
“Ao invés de promover inclusão, o governo persegue professores e escolas. Na saúde, não há qualquer aporte para construção de acolhimentos ambulatoriais LGBT. O próprio protocolo estadual existe, mas nunca foi difundido, não foi levado para capacitação nos centros de saúde”, afirma.
O presidente da Cellos também critica a ausência de execução orçamentária específica para a área nos últimos anos. Define a situação como uma “escolha política” que leva a desproteção institucionalizada. “Quando o governo trata nossa pauta como irrelevante, a mensagem enviada à sociedade é evidente: vidas LGBTQIA+ não são prioridade”.
“Um governo que anuncia estruturas administrativas, mas não entrega serviços, é um governo que finge atuar, mas nos abandona. A política LGBTQIA+ de Minas Gerais hoje não enfrenta a violência, apenas produz documentos sobre ela”, completa.
Projetos parados
No Legislativo, a deputada Bella Gonçalves diz ter mais de 10 projetos voltados à comunidade parados na Comissão de Constituição e Justiça. Atribui a estagnação à mobilização da base governista.
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Ela afirma que, mesmo diante das resistências, há “alguns respiros” no estado, fruto de ações do legislativo ou da articulação com políticas federais.
A deputada destaca, por exemplo, a abertura de ambulatórios trans em Betim (Região Metropolitana de BH) e Ouro Preto (Região Central), viabilizados por emendas impositivas.
Outro avanço citado foi a adoção de cotas para pessoas trans na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), medida aprovada pela universidade com autonomia própria.