
MG: ao menos quatro suspeitos morreram em confrontos com a polícia este ano
Última morte ocorreu no sábado (18/1), quando um suspeito de roubo de uma caminhonete se envolveu em uma fuga na BR-040, na Grande BH
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Siga noPelo menos quatro suspeitos de crimes como homicídio, roubo de veículo e invasão de propriedade privada morreram em confrontos e perseguições com policiais na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) nas três primeiras semanas de 2025.
A última morte registrada pela Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) foi no sábado (18/1), quando um suspeito de roubo de uma caminhonete Hilux se envolveu em uma fuga na BR-040, na altura de Ribeirão das Neves.
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De acordo com os militares que atenderam à ocorrência, o homem, de 45 anos, percebeu a presença das viaturas e seguiu com o veículo até Esmeraldas, também na Grande BH. Lá, abandonou a caminhonete e seguiu a pé em uma estrada de terra. Houve troca de tiros, e o suspeito se escondeu em um barraco. Em certo momento, o homem teria apontado uma arma para os policiais, que, para se defenderem, atiraram e atingiram o suspeito. Ele foi resgatado e encaminhado ao hospital, mas morreu a caminho da unidade de saúde.
Outro caso recente foi em 14 de janeiro, quando um homem roubou um carro em Betim, na Grande BH. Na fuga, ele se envolveu em um acidente de trânsito, saiu do automóvel, ameaçou moradores e invadiu um motel na Avenida Juiz Marco Túlio Isaac.
Nesse caso, porém, não houve troca de tiros. Segundo a corporação, os policiais pediram que o suspeito se entregasse, mas ele não obedeceu. O homem, então, levou as mãos para frente do corpo, com a arma à mostra, e os militares pediram que ele largasse o objeto, mas ele apontou o revólver na direção dos agentes. Para resguardar a integridade física da equipe, informou o órgão, um dos policiais efetuou um disparo contra o suspeito. Ele também foi socorrido, mas teve o óbito confirmado no hospital.
Recorde de casos
Dados mais recentes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), disponibilizadas no Anuário de Segurança Pública do Estado, indicam que, em 2023, 360 pessoas ficaram feridas em decorrência da atuação dos profissionais de segurança pública. O recorde é da Polícia Militar, que vitimou 258 pessoas. No segundo e terceiro lugares do ranking estão o Departamento Penitenciário (Depen) e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), que registraram 67 e 30 vítimas, respectivamente.
Durante o período, houve o registro de 139 mortes como resultado de ações dos profissionais da segurança pública. O recorde também segue com os militares, responsáveis pela morte de 133 pessoas. As outras seis pessoas foram vitimadas por ações do Corpo de Bombeiros e Polícia Civil, que contabilizaram três mortes cada.
Consultada, a PMMG informou que o órgão acompanha todas as ocorrências relacionadas às ações de seus policiais militares. Segundo ela, “nos casos em que há uso de força, as medidas de Polícia Judiciária Militar são imediatamente adotadas, conforme a determinação legal”.
Mortes como exceção da ação policial
Para Jorge Tassi, pesquisador, advogado criminólogo e oficial da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), os casos em que há morte são as exceções da ação policial. "Temos que separar o joio do trigo. Os casos que 'dão errado' são os noticiados, não os que 'dão certo'", afirma.
Segundo ele, tendo em vista 35 mil policiais em ação, divididos em quatro turnos em funções administrativas e na rua, há uma sobrecarga nas funções. “Dentro do dia, temos em torno de seis a sete mil policiais em ação nas ruas, divididos em 853 municípios do estado. Só em Belo Horizonte, temos em torno de 500 policiais que atendem em torno de sete a dez ocorrências formais por dia, além das abordagens e registros cotidianos”, afirma o advogado.
Ainda segundo ele, o número de ocorrências que “dão errado” são em razão de uma segurança maior. “Todos os anos, aproximadamente cinco mil pessoas são mortas pela polícia no Brasil, tendo um histórico médio contabilizado desde o final da década de 1990. No mesmo período, 45 a 50 mil pessoas são mortas no Brasil”, argumenta. “Nos anos em que a polícia mais mata, menos pessoas morrem no total”, afirma Tassi.
Em conversa com o Estado de Minas, o oficial da reserva também utilizou a analogia do bode expiatório, explorado em livro homônimo de René Girard. Na obra, há a culpabilização do carrasco pelas execuções, situação similar à vivida pela população em relação à culpabilização de militares pelas mortes.
Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rogério Leonardo frisa que a atuação de polícias militares é muito mais letal em regiões periféricas do que nas abastadas. “Operações em comunidades, aglomerados e favelas têm um desfecho violento imensamente maior do que quando realizadas em bairros de classe média/alta, denotando que fatores sociais são, infelizmente, preponderantes na forma como a polícia é treinada para agir em situações limítrofes”, afirma.
Para ele, um dos motivos para a maior letalidade é em “virtude das zonas de periferia estarem, muitas vezes, sitiadas pelo crime organizado”.
Saúde mental em jogo
De acordo com o advogado e agente da reserva Jorge Tassi, o número de policiais em ação nas ruas é bem menor do que o esperado, fazendo com que a quantidade de agentes que têm complicações psicológicas e sofrimento mental em decorrência da violência vivenciada no dia a dia do trabalho aumente.
O argumento é compartilhado pelo cientista social Rogério Leonardo. Para ele, a profissão, por si só, é carregada de uma alta dose de estresse, ansiedade e causadora de quadros psíquicos graves. “Um agente precisa ter treinamento adequado, descanso e suporte para que, em situações de conflito, tenha sempre o discernimento para a melhor tomada de decisão, evitando a escalada da violência e a resolução do conflito, de preferência sem o uso da violência”, argumenta.
“A cultura da naturalização da violência, do abuso e da tortura deve ser combatida dentro das corporações policiais e o agente deve ser valorizado e receber todo o suporte médico e psicológico para o exercício de sua função”, finaliza o cientista social. Segundo o agente da reserva Tassi, as corporações mantêm cuidados psicológicos dos profissionais, que muitas vezes precisam de afastamento.
Denúncia no Ministério Público
Ainda na segunda semana de 2025, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou um policial militar acusado de matar dois irmãos durante festa religiosa no povoado de São José, em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 10 de março do ano passado. O policial responde por duplo homicídio qualificado, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima e com emprego de arma de fogo de uso restrito.
Jorge Tassi ressalta que a situação foi marcada por um conflito generalizado, criado a partir da denúncia de tentativa de homicídio por parte de um dos mortos contra um dos policiais que atuavam na ocorrência. “Sem depoimentos ou mensagens, não é possível afirmar se a atuação foi correta e houve legítima defesa e, no caso, que a acusação não tem fundamento, ou ainda que a história dos policiais é mera bravata, e o que fizeram foi executar dois irmãos, devendo ser condenados pelo Tribunal do Júri.” Ele também questiona: “Em um evento tão tumultuado, ninguém filmou a ação dos policiais?”.
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Ainda segundo ele, acusar o policial de utilizar uma arma de calibre restrito é erro procedimental. “A PMMG é um órgão técnico de segurança pública do Estado e seus profissionais empregam armamento tecnicamente autorizado pela corporação. O Estatuto do Desarmamento confere status diferenciado para a Corporação, ou seja, o que é calibre restrito para os Policiais Militares são apenas armas automáticas empregadas em guerra”, afirma.
“A maioria das armas empregadas por policiais militares de Minas Gerais seria considerada de calibre restrito, se o porte estivesse em mãos de um pessoa comum, ou seja, se a arma pertence à PMMG, é certo de que tal acusação não tem respaldo técnico”, conclui o profissional.