LUTO NA MÚSICA

Lô Borges, cantor e compositor mineiro, morre aos 73 anos

Ícone da música e integrante do Clube da Esquina, ele estava internado há 18 dias, desde que deu entrada no hospital com um quadro de intoxicação medicamentosa

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O cantor e compositor mineiro Lô Borges, um dos fundadores do lendário Clube da Esquina, morreu às 20h50 desse domingo (2/11), no Hospital da Unimed, em Belo Horizonte. A morte do músico, aos 73 anos, em decorrência de falência múltipla de órgãos, foi confirmada pelo sobrinho dele, Rodrigo Borges. Lô Borges estava internado há 18 dias, desde que deu entrada na unidade de saúde comum quadro de intoxicação medicamentosa, em 17 de outubro.  

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Durante o período de tratamento, o músico passou por diversos procedimentos. No sábado, 25 de outubro, Lô Borges foi submetido a uma traqueostomia para oferecer mais conforto e manter a ventilação mecânica. Apesar de a família ter notado uma melhora nos parâmetros clínicos nos dias seguintes, o artista teve de iniciar o tratamento de hemodiálise em 27 de outubro, em um esforço para auxiliar a função renal.

Lô Borges: o garoto-prodígio do Clube da Esquina

O primeiro violão, que Lô ganhou aos 13 anos, pertencia a Bituca. Em 1972, os dois lançaram o icônico álbum “Clube da esquina”.

Lô Borges tinha 10 anos quando conheceu Milton Nascimento, jovem vindo de Três Pontas, levado pelo irmão, Marilton, ao apartamento da família no Edifício Levy, no Centro de BH. O menino ficava ali, ouvindo o amigo Bituca tocar com os irmãos mais velhos – o letrista Márcio Borges foi o primeiro parceiro de Milton.

Algum tempo depois, Milton deu a Lô o primeiro violão. Ele tinha 13 para 14 anos. “Era o violão dele!”, avisou Lô no vídeo divulgado nas redes sociais do amigo.

Resumindo: Milton Nascimento não apostou em Lô Borges quando o convidou para gravarem “Clube da esquina” (1972), álbum que revolucionou a música popular brasileira. Isso ocorreu bem mais cedo. “Foi quando eu tinha 13, 14 anos”, corrigiu Lô.

Nascido em janeiro de 1952, Salomão Borges Filho era o sexto da prole de 11 do jornalista Salomão e da professora Maria Fragoso, a Dona Maricota, o casal que abrigou Milton em BH.

Foi ela quem apelidou de Clube da Esquina o local onde Lô, os irmãos e adolescentes amigos se juntavam no Bairro Santa Tereza para cantar e jogar conversa fora, que ficava no encontro das ruas Paraisópolis e Divinópolis.

Lô já era figurinha carimbada no repertório de Milton bem antes do aclamado “Clube da esquina”. O disco “Milton”, de 1970, trazia dois clássicos dele: “Para Lennon e McCartney”, parceria com Fernando Brant e o irmão Márcio Borges, e “Clube da esquina”, a número 1, composta com Milton e Márcio. “Alunar” era a oitava faixa, composta por Lô e Márcio.

Lô e Beto Guedes: discípulos dos Beatles

Muito antes disso, Milton amou o som criado por Lô e o amigo Beto Guedes, garoto vindo de Montes Claros. Beatlemaníacos roxos, os dois tinham a banda cover The Beavers. Toninho Horta deu aula de harmonia para a dupla de adolescentes até debaixo de um abacateiro.

Milton se mudou para o Rio, chamou a atenção do Brasil com “Travessia”, no 2º Festival Internacional da Canção (FIC), em 1967. Certa vez, de volta a BH, surpreendeu-se, ao pedir uma batida de limão no bar, quando ouviu Lô pedir outra. Caiu a ficha: o menino de 10 anos a quem dera seu violão não era mais criança.

A primeira canção “Clube da esquina” surgiu na casa dos Borges, em Santa Tereza. “Lô me mostrou uma harmonia, eu peguei meu violão e comecei a improvisar. Quando a coisa me pega muito fundo, fecho os olhos e não vejo mais nada que tá acontecendo no mundo”, contou Milton ao caderno especial que o Estado de Minas dedicou aos 50 anos do primeiro álbum “Clube da esquina”.

Quando Bituca voltou a si, viu que dona Maricota chorava e segurava uma vela acesa (a luz havia acabado), enquanto Márcio Borges rabiscava letra em um caderno. Nascia ali a canção que diz “Noite chegou outra vez/ De novo na esquina os homens estão/ Todos se acham mortais/ Dividem a noite, a Lua e até solidão”, aquela gravada no disco de 1970, ano de chumbo da ditadura militar.

A hoje famosa “Clube da esquina nº 2” era apenas um tema instrumental, gravado no álbum de 1972, composto por Milton e Lô. Só ganhou letra alguns anos depois, exigência de Nana Caymmi a Márcio Borges. A canção com os versos “Porque se chamava moço/ Também se chamava sonho ”foi gravada por ela, sem Bituca saber. E não ousou confrontar a geniosa amiga. Lô a gravou em “A Via-Láctea” (1979) e Milton só viria a fazê-lo em “Angelus” (1993).

Compositor compulsivo: 40 canções na pandemia

A primeira canção de Lô Borges já foi parceria com o amigo Bituca e com Márcio. “A partir desse dia, Lô começou a compor sem parar”, comentou Milton. Com efeito. Ele gravou dezenas de discos, compôs compulsivamente após sair da fase de certo marasmo por volta dos anos 1990. Para se ter uma ideia, até gostou do confinamento durante a pandemia, porque pôde criar à vontade. Fez 40 músicas.

“Como Glauber Rocha, era uma câmera na mão e outra na cabeça. Comigo é um instrumento na mão e uma ideia na cabeça, meio psicografando”, contou ele ao EM, em 2022, ao lançar “Chama viva”, com letras de Patrícia Maês.

Aquele período foi realmente especial para Lô. Seu maior presente de aniversário em 2022, quando atingiu os 70 anos, foi realizado com a Filarmônica de Minas Gerais. Tinha o maior orgulho porque pela primeira vez a orquestra fez um concerto com repertório exclusivamente popular.

Na Sala Minas Gerais, Lô e sua banda se apresentaram com os musicistas da orquestra e do grupo Do Contra – o repertório, com arranjos de Neto Bellotto, principal contrabaixo da orquestra, reuniu 16 canções de Lô e seus parceiros. Os concertos foram gravados e lançados em disco e DVD em 2023.

Lô não parava. Desde 2019 lançava um disco de inéditas por ano, sempre comum letrista convidado. O projeto começou com “Rio da Lua” (com Nelson Ângelo), seguiu com “Dínamo” (2020, com Makely Ka),“Muito além do fim” (2021, com Márcio Borges), o já citado “Chama viva”, “Não me espere na estação” (2023, com César Maurício), “Tobogã” (2024, com letras da médica de Brasília Manuela Costa, antiga fã de Lô que se tornou sua parceira) e foi até “Céu de giz” (2025), com letras de Zeca Baleiro.

Quando completou 70 anos, em 2022, o mineiro comemorou aniversário e meio século de seus álbuns mais famosos, “Clube da esquina” e “Lô Borges” (o “Disco do Tênis”). Contou a Mariana Peixoto, repórter do EM, que em 2018 surgiu a forte vontade de voltar a compor. Comedido, revelou: “Não tenho mais tesão nem idade para usar drogas. Sou um senhor e muito chato para beber: só champanhe francês e cachaça de Salinas, mas casualmente”. 

“Clube da esquina”: Milton ameaçou a Odeon

Milton Nascimento foi profético ao apostar no talento do jovem Lô e assinar com ele “Clube da esquina”. Chegou a ameaçar a Odeon, que resistiu em lançar álbum com aquele garoto mineiro desconhecido. Lô compôs oito canções, cantou, tocou, gravou de primeira “Um girassol da cor de seu cabelo” ao lado de grande orquestra regida por Paulo Moura. “Eram só dois canais e tudo aconteceu ao vivo”, lembrou.

Outra prova do acerto de Milton veio do aval de Tom Jobim, que gravou “O trem azul”, canção de Lô e Ronaldo Bastos, em seu álbum “Antônio brasileiro”, em 1994. O maestro soberano deixou o autor emocionado.

Aliás, a Odeon se rendeu ao garoto mineiro. No mesmo 1972 do “Clube”, pôs Lô no estúdio para fazer o “Disco do Tênis”, o primeiro solo do cantor e compositor.

Foi um estresse. Ele compunha de manhã, Márcio Borges letrava de tarde e a gravação ocorria à noite. Para criar seu álbum “lisérgico”, recorria ao ácido e à maconha. Depois, fez como jovens de sua geração: pôs o pé na estrada, foi “mochilar” pelo Brasil por um tempão, em vez de abraçar a estafante correria dos palcos. Lô Borges só voltaria aos estúdio sem 1979, com “A Via-Láctea”.

“Disco do Tênis”: turnê estreou 46 anos depois do lançamento

A turnê do “Disco do Tênis”, gravado em 1972, só veio a ocorrer em2017. O autor de “O trem azul” não entregou hits à Odeon, mas seu primeiro álbum solo virou cult. Em 2018, 46 anos depois do lançamento daquele disco setentista, Alex Turner, vocalista do Artic Monkeys, incluiu a faixa “Aos barões” entre as influências de “Tranquility base hotel & cassino”, álbum da banda britânica.

Lô Borges deixa o filho Luca, de 27 anos, do casamento com Michelle Arroyo. O jovem apresentou o pai ao hip-hop. Em entrevistas recentes, Lô falava com entusiasmo do trabalho de Djonga, de BH. Admitia até parceria, o que envaideceu o rapper, de 30 anos. Gostava de lembrar que ambos são da Zona Leste de BH.

Nada a estranhar, vindo do craque em harmonias e melodista habilidoso que levou os Beatles, ainda menino, para o “Clube da esquina” e, à frente de seu tempo, misturou baião, psicodelia, jazz, pop, rock progressivo e MPB em seu cultuado álbum solo de 1972.

HITS DE LÔ BORGES

“Clube da esquina nº 2”
Parceria com Milton Nascimento e Márcio Borges


“Para Lennon e McCartney”
Parceria com Fernando Brant e Márcio Borges


“O trem azul”
Parceria com Ronaldo Bastos




“Um girassol da cor de seu cabelo”
Parceria com Márcio Borges


“Paisagem da janela”
Parceria com Fernando Brant


“Tudo o que você podia ser”
Parceria com Márcio Borges


“Sonho real”
Parceria com Ronaldo Bastos


“Quem sabe isso quer dizer amor”
Parceria com Márcio Borges


“Dois rios”
Parceria com Samuel Rosa e Nando Reis

ÁLBUNS DE LÔ BORGES

“Clube da esquina” (1972)

“Lô Borges” ou “Disco do Tênis” (1972)

“A Via-Láctea” (1979)

“Nuvem cigana” (1982)

“Sonho real” (1984)

“Meu filme” (1996)

“Um dia e meio” (2003)

“Bhanda” (2009)

“Harmonia” (2010)

“Horizontevertical” (2011)

“Samuel Rosa e Lô Borges” (2016)

“Rio da Lua” (2019)

“Dínamo” (2020)

“Muito além do fim” (2021)

“Chama viva” (2022)

“50 anos de música – Ao vivo na SalaMinas Gerais” (2023)

“Não me espere na estação” (2023)

“Tobogã” (2024)

“Céu de giz –Lô Borges convida Zeca Baleiro” (2025)

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