Cidade mineira começa a cobrar de agressores atendimento médico das vítimas
A medida já está prevista em uma emenda na Lei Maria da Penha, sancionada em setembro de 2019
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Siga noA partir deste mês, a Prefeitura de Araguari, cidade do Triângulo Mineiro, começa a cobrar que os agressores arquem com as despesas do Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar.
Essa medida é prevista na Lei Maria da Penha, após sanção em setembro de 2019, da Lei Federal Nº 13.871, que prevê a responsabilidade do agressor em pagar os custos do auxílio médico das vítimas. A Prefeitura de Araguari publicou o decreto (Nº 1.028/25) em abril deste ano. Segundo o documento, a medida tem o objetivo de definir os procedimentos para a cobrança.
*Estagiária sob a supervisão do subeditor Humberto Santos
Despesas em relação ao atendimento médico de urgência e emergência, internações hospitalares, tratamentos psicológicos e psiquiátricos, procedimentos cirúrgicos, exames laboratoriais e de imagem, além de outros serviços de saúde complementares prestados às vítimas estão previstos como passíveis de cobrança.
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Cobrança e valores
O decreto considera cobrar de agressores o valor de R$ 404,03 por diária de atendimento da vítima na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), e o valor adicional de R$100 pelos serviços prestados à vítima na Santa Casa de Misericórdia, entidade de assistência social na área da saúde.
Segundo a Secretária de Saúde de Araguari, Thereza Christina Griep, a medida pode ser vista como uma forma de prevenção. “A gente entende que a longo prazo algumas agressões podem ser coibidas, principalmente naqueles que têm recorrência, agride uma vez, agride a segunda, terceira vez, pelo fato de que terá um valor cobrado. Quando dói no bolso, a grande maioria desses agressores pensam duas vezes antes”, avalia a gestora.
A identificação dos agressores será realizada por meio do registro de ocorrência policial, comunicação da vítima ao sistema de saúde, além de outros documentos que comprovem a condição de agressor.
Para efetivar a cobrança das despesas, a Secretaria Municipal de Saúde receberá mensalmente por e-mail da Polícia Militar a relação dos agressores, com a qualificação completa da pessoa, nos casos em que houve atendimento da vítima pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Após a notificação referente às despesas, o agressor terá o prazo de 15 dias para realizar o pagamento. Caso não seja feito, o débito será encaminhado à Secretaria Municipal da Fazenda para inscrição em dívida ativa.
Falta de fiscalização da Lei Maria da Penha
Em setembro de 2019, foi sancionada a Lei Federal 13.871, que altera a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), adicionando a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento de todos os danos causados à vítima, inclusive ressarcir ao SUS, de acordo com a tabela do sistema e os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar.
O decreto da Prefeitura de Araguari, assinado em abril deste ano, considera a emenda na Lei Maria da Penha e, segundo o documento, tem o objetivo de estabelecer os procedimentos no âmbito municipal para a cobrança das despesas do SUS em relação a essas vítimas.
Ao EM, a advogada especialista em direito criminal e da família, Thalita Arcanjo, destacou que, com a existência da Lei Maria da Penha, que é uma medida no âmbito nacional, não há justificativa para que alguma cidade estabeleça uma outra lei que prevê os mesmos objetivos.
Entretanto, a advogada ressaltou a importância das prefeituras na fiscalização da lei. “É preciso ter uma movimentação, até mesmo de força social, para que a medida comece a ser aplicada, porque já existe a legislação. São tantos os números de violência doméstica hoje. Toda hora uma mulher é vítima de violência doméstica e a cada seis horas uma mulher morre no Brasil.”
Sobre a medida estabelecida, a especialista explicou a necessidade de um impacto financeiro, ou até mesmo simbólico, aos agressores. “Mesmo quando ele [agressor] não tem rendas ou ou bens, o impacto simbólico é importante, porque a ação de cobrança, não é apenas, é, cobrança financeira. Ela vai para uma esfera que hoje em dia tem até apreensão de CNH, de passaporte. A Lei Maria da Penha tem uma infinidade de aplicações, porém não são feitas na prática.”
Violência doméstica e familiar em Minas Gerais
De acordo com o artigo 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Araguari, até abril deste ano, o município registrou 222 atendimentos à vítimas de violência doméstica e familiar. No âmbito estadual, o Painel de Monitoramento da Violência contra as Mulheres, da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), aponta que, neste ano, o SUS registrou 17.923 ocorrências de vítimas de violência contra mulheres - sendo elas sexual, psicológica ou física.
A reportagem do EM reuniu os principais dados que alertam sobre essas violências contra mulheres entre 2019 e 2025 no estado.
Violência sexual:
Minas Gerais registrou mais de 30 mil casos de violência sexual neste período. A maioria das ocorrências, sendo 79,3%, apontam que os crimes aconteceram nas casas das vítimas. Em 2025, o SUS registrou 2.410 casos de violência sexual no estado.
Violência psicológica:
O painel de monitoramento registrou mais de 65 mil casos de violência psicológica no estado, entre 2019 e 2025. A residência segue sendo o local mais frequente, com 83,3% dos casos. Neste ano, 4.267 casos de violência psicológica foram registrados pelo SUS em Minas Gerais.
Violência física:
Foram registradas mais de 150 mil ocorrências de violência física entre 2019 e 2025. Mais uma vez, a maior parte dos casos, sendo 80,9%, aconteceram em casa. Até junho deste ano, o SUS registrou 10.813 ocorrências de violência física no estado.
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Internações de vítimas no SUS em Minas Gerais:
Ainda de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, durante os anos de 2019 e 2025 foram registradas mais de 4 mil internações de vítimas em situação de violência doméstica e familiar no Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais. Até 17 de junho deste ano, ocorreram 194 internações.