Houve um tempo em que a capital mineira era sinônimo de silêncio para escritores locais. “Precisávamos fazer barulho, quebrar a pasmaceira ambiente, ou, antes, sacudir a indiferença literária de Belo Horizonte, cidade sem editores, sem revistas, sem jornais”, reclamava o poeta modernista Emílio Moura em 1952, em entrevista resgatada por Humberto Werneck em “O desatino da rapaziada”.

Quem queria ser ouvido – ou melhor, lido –, tinha que partir. Foram embora Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Ziraldo, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Autran Dourado, Humberto Werneck e Conceição Evaristo, que deixou a cidade em 1973.

“Voltar a Belo Horizonte é, cada vez mais, fazer as pazes com essa cidade, que há tempos tem me acolhido, mas também me expulsou”, disse Conceição Evaristo na mais recente Bienal Mineira do Livro. A escritora está radicada no Rio de Janeiro.

A autora de “Ponciá Vicêncio” tem feito as pazes com uma BH diferente daquela descrita por Emílio Moura (“sem editores, sem revistas, sem jornais”). Agora a cidade se destaca no país pela incessante atividade literária e editorial, com editoras premiadas, eventos consolidados no calendário cultural, atividades como debates e sessões de autógrafos em livrarias de rua, além de lançamentos constantes de livros escritos e editados em BH.

E as autoras que ganharam projeção nacional, garantindo novamente o destaque de Minas na literatura brasileira no século 21, não precisam sair da cidade natal para fazer sucesso no país.

“A gente está vivendo um momento bacana de valorização da nossa literatura”, diz Carla Madeira, a escritora contemporânea de maior sucesso dos últimos anos. Desde 2023, ela ocupa o topo da Lista Nielsen PublishNews de livros mais vendidos – que apresentou apenas pequenas oscilações em alguns meses – por “Tudo é rio”.

 

"Belo Horizonte tem muitos clubes do livro, curadores que estão lendo e recomendando livros, e vários projetos [voltados para o livro]. É impressionante como essa dinâmica entre quem publica e quem lê está cumprindo uma pauta de agenda de leituras. Isso tudo tem provocado entusiasmo maior em relação à literatura que é feita na cidade e no Brasil como um todo."
por Carla Madeira, autora de “Véspera” e “A natureza da mordida”.

  

Atualmente, a cidade abriga aproximadamente 50 editoras, com seus diversos selos. Quase mensalmente, são realizados eventos voltados para divulgação de lançamentos ou releituras de obras consagradas – o Sempre um Papo e o Letra em Cena são dois exemplos de projetos que se mantêm firmes por décadas.

Livrarias de rua formam um corredor literário na Savassi (na Rua Fernandes Tourinho, onde estão a Quixote Livraria, a Jenipapo e a Scriptum), acrescido da Livraria da Rua (na Antônio Albuquerque), e duas das autoras brasileiras de maior sucesso comercial hoje nunca deixaram a cidade. Além de Carla Madeira, Paula Pimenta é outro fenômeno de vendas.

“Belo Horizonte é a cidade mais literária do Brasil”, diz Afonso Borges, idealizador do Sempre um Papo. “A gente tem, pelo menos, duas gerações que formaram a mentalidade brasileira na área da literatura”, acrescenta, lembrando as gerações de Drummond (1902-1987) e Fernando Sabino (1923-2004).

"Voltar a Belo Horizonte é, cada vez mais,fazer as pazes com essa cidade,que há tempos tem me acolhido,mas também me expulsou". Conceição Evaristo, escritora Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
'O título de Capital Mundial do Livro caberia muito bem para Belo Horizonte'. Rejane Dias, diretora editorial do Grupo Autêntica Denys Lacerda/EM/D.A Press
'Minas Gerais é forte na cena literária. Essa força vem da vocação para a literatura'. Rosana Mont’Alverne, fundadora da editora Aletria Denys Lacerda/EM/D.A Press
Mesa em frente à livraria Jenipapo com Bob Wolfenson e Naief Haddad, respectivamente fotógrafo e jornalista, autores do livro África em São Paulo Marcos Vieira/EM/D.A Press
Evento Sempre Um Papo recebe Frei Betto para falar de seu livro "Quando eu fui pai de meu irmao" Marcos Vieira/EM/D.A Press


Cena editorial

A reportagem especial que o Estado de Minas começa a publicar neste domingo (22/6) traça um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil. “O título de Capital Mundial do Livro caberia muito bem para Belo Horizonte”, aponta a editora Rejane Dias, fundadora e diretora editorial do Grupo Autêntica (que engloba os selos Autêntica, Autêntica Business, Autêntica Contemporânea, Vestígio, Gutenberg, Nemo e Yellowfante).

"Ano passado foi Estrasburgo, na França. Este ano a Unesco concedeu o título (de Capital Mundial do Livro) ao Rio de Janeiro, mas poderia ser tranquilamente BH."
por Rejane Dias, fundadora e diretora editorial do Grupo Autêntica

Fundado em 1997 na capital mineira, o grupo é um dos 10 principais do país e mantém a sede em Belo Horizonte – há um escritório estratégico em São Paulo também. Além de sua atuação nacional, a editora impulsionou carreiras de mineiros, como Paula Pimenta.

“Foi a primeira editora que leu meu livro e quis publicar”, lembra a autora da série de sucesso adolescente “Fazendo meu filme”. No entanto, a cena literária da cidade ainda não estava completamente consolidada. “Era 2006. A Rejane (Dias) leu meu livro e disse que topava publicar, mas que só conseguiria no ano seguinte. Acabou que ‘Fazendo meu filme 1’ só foi lançado em 2008”, lembra Paula.

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Ao longo deste especial, o leitor acompanhará um panorama da cena editorial belo-horizontina, dividido em eixos temáticos: Autores, Editoras, Livrarias e Livreiros, Projetos e Eventos, Cidade como Cenário e Guardiões dos Livros. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam este fervoroso cenário literário.

Reportagens publicadas

Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso

Parte 2: Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos

Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos e movimentam a cena literária de BH

Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores

Parte 5: Os guardiões que preservam a memória da literatura de BH

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