BH: CAPITAL DOS LIVROS

Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos

Entre as editoras que atuam na cidade, há desde grupos que figuram entre os maiores do país até selos artesanais cujos proprietários colocam a mão na massa

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A “sociedade coeditora” Os amigos do Livro, idealizada pelo escritor Eduardo Frieiro, não foi a única editora belo-horizontina com vida curta – editou apenas cinco títulos nos anos 1920, mas se dissolveu depois de desentendimento de Frieiro com o sócio João Alphonsus.

Assim como ela, outras tantas sucumbiram, como Edições Pindorama, Grafiquinha, Editora do Professor e Itatiaia. Contudo, desde os anos 2000 – especialmente a partir de 2010 –, o cenário é diferente. Cada vez mais, Belo Horizonte mostra sua força e resistência diante dos desafios do mercado literário.

(Esta reportagem é a segunda parte da série especial "BH: Capital dos livros". A primeira parte pode ser conferida ao fim deste texto)

Na tese “Texto e livro literários: Imbricações dos processos de criação e de edição em Belo Horizonte entre 2010 e 2020”, a jornalista Flávia Magalhães fornece uma visão abrangente: no período analisado, 151 editoras e selos editoriais eram atuantes, sendo a Coopmed, fundada em 1961, a mais antiga.

“A partir de 2000, aumenta muito o número de editoras. Não só em Belo Horizonte. A gente tem indícios disso em todo o mundo, embora não exista uma pesquisa consistente sobre”, afirma.

A pesquisadora diz que “isso porque ficou mais fácil abrir uma editora. Não no sentido do empreendedorismo, de abrir um negócio; mas do acesso às tecnologias de publicação. A gente passou a vida ouvindo sobre o advento da tecnologia digital e, de fato, ela tem um impacto relevante”.

Segundo ela, “existia antes um mercado editorial com muita dificuldade de imprimir. O editor precisava ser do meio para capitanear o processo. Hoje, a gente tem um processo de impressão muito mais simples. Você pode diagramar o texto no Canva e mandar para a gráfica”, acrescenta.

A diversidade é grande. Há exemplos, entre as dezenas em atividade na cidade, de editoras com perfis bem diferentes – e que se complementam nas livrarias. Há o pioneirismo da Mazza Edições, comprometida há 45 anos com a literatura afro-brasileira; a Dimensão, especializada em materiais educacionais; a Aletria, focada em livros infantis.

A Scriptum aposta em novas vozes; a Miguilim se dedica a edições artesanais; e a Autêntica, uma das maiores do estado, publica desde obras acadêmicas até literatura infantojuvenil. As editoras universitárias, como UFMG e PUC Minas, também seguem firmes, publicando livros que ultrapassam fronteiras e enriquecem o debate intelectual.

Uma pioneira na publicação de literatura afro-brasileira é Maria Mazarello Rodrigues, fundadora da Mazza Edições. Ela nasceu em Ponte Nova, em 1941, mas construiu sua trajetória profissional na capital mineira. A editora nunca se preocupou em publicar best-sellers ou fazer de seu selo um grande grupo comercial, mas sim dar possibilitar a crianças e professores acesso a obras sobre a temática ético-racial, combatendo a falta de representatividade que ela observava em sua época de escola, na década de 1950.

Em média, a Mazza publica 10 títulos por ano. No entanto, a editora é procurada regularmente por grandes grupos editoriais, que, percebendo o "filão" e o mercado, começaram a criar selo de literatura negra e a buscar autores que passaram pela Mazza.

“Minha proposta é colocar na mão das crianças ou ajudar os professores a trabalhar a temática dentro de um país que, tantos anos depois da abolição, continua achando que o negro tem que ocupar o mesmo lugar que ocupava no passado. Enquanto eu tiver força, vou continuar batendo nessa tecla”, afirma Maria Mazarello.

Maria Mazarello, fundadora da Mazza Edições
Maria Mazarello, fundadora da Mazza Edições Marcos Vieira/EM/D.A Press

A chave do tamanho

“Minas Gerais – e Belo Horizonte, especialmente – é forte na cena literária. Essa força vem da sua vocação para a literatura”, afirma Rosana Mont'Alverne, fundadora da Aletria e integrante da Liga Brasileira de Editoras (Libre). 

São inúmeras editoras independentes, e cada uma carrega identidade própria. A Impressões de Minas, por exemplo, produz os próprios miolos dos livros e monta toda a parte gráfica internamente, na sede mantida no Bairro Floresta. 

  

Na capa de “Caruncho”, livro de Laura Cohen, os editores e fundadores da Impressões, Wallison Gontijo e Elza Silveira, fizeram buracos para emular um objeto carcomido pelo inseto. A publicação, aliás, venceu a primeira edição do Prêmio Academia Mineira de Letras, em setembro de 2023. A bonificação foi de R$ 60 mil à autora e R$ 40 mil à editora.

Já “Um filósofo, um rio, uma história quase sem história”, de Luzia Gontijo Rodrigues, é um livro-objeto que rompe com o formato tradicional. Em formato sanfona e voltado ao público infantil, ele tem aproximadamente 4,5 metros de extensão quando aberto, imitando um grande rio.

Identidade própria

“Desde o início, em 2010, pensamos que, se íamos fazer livros, eles precisavam ter uma materialidade diferenciada”, diz Wallison. “Não fazia sentido competir com as grandes gráficas só para fazer livros ‘comuns’. Pra gente, o livro é um objeto com identidade visual e plasticidade própria”, explica.

Essa identidade visual nasce a partir do texto. Wallison e Elza pensam em como o “objeto-livro” pode comunicar o conteúdo. Isso vale para a escolha de papel, tipografia e formato. “Mas pode variar”, pondera Elza. “Muitos textos já chegam prontos, com edição feita pelo próprio autor”, afirma.

 

A Literíssima Editora, por sua vez, aposta na diversidade de estilos. Seu catálogo vai da literatura de Milton Hatoum (“Sete crônicas”) à reportagem investigativa do jornalista Igor Patrick sobre mulheres estupradas por soldados da ONU durante a Missão de Paz no Haiti, comandada pelo Exército Brasileiro (“Aquilo que resta de nós”). A Editora cresceu tanto ao longo de seus nove anos que Leida abriu recentemente uma livraria.

Triunfo mineiro

O caso de maior sucesso comercial é o Grupo Autêntica, de Rejane Dias, que, além de fundadora, é diretora editorial da casa. Criado em 1997, o grupo conta com os selos Autêntica, Autêntica Business, Autêntica Contemporânea, Vestígio, Gutenberg, Nemo e Yellowfante. Juntos, estes selos lançam cerca de 120 títulos por ano – em média, são lançados 10 títulos por mês.

A editora, que no início publicava somente livros acadêmicos, desenvolveu outros braços dedicados à literatura juvenil e fantasia (Gutenberg), não ficção e ficção adulta com temas como saúde mental, história e atualidades (Vestígio), graphic novels (Nemo), infantil (Elofante), negócios (Business) e o que Rejane chama de “ficção literária mais sofisticada” (Autêntica Contemporânea).

“Procuramos boa literatura, seja nacional ou estrangeira, de autores inéditos ou esquecidos. Por exemplo, lançamos ‘O colibri’, do Sandro Veronesi, um autor que passou despercebido no Brasil nos últimos 20 anos”

Rejane Dias, fundadora do Grupo Autêntica

Os principais desafios, contudo, são a pirataria e os altos preços que as gráficas cobram para a impressão. Já aconteceu de a Editora Autêntica lançar um livro pela manhã e, à tarde, o título estar disponível em PDF na internet. E já houve título da Literíssima que foi rodado em outra cidade, longe de BH.

Mesmo com as dificuldades, o mercado editorial da cidade se mantém aquecido. Inclusive, teve até paulista querendo comprar uma editora mineira: “Mas eu não aceitei, senão são esses grandes grupos de fora que vão determinar o que todo mundo lê”, afirma Rosana Mont'Alverne, da Aletria.

BH: Capital dos livros


Esta reportagem faz parte da série "BH: Capital dos livros", na qual o Estado de Minas apresenta um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.

Na primeira parte, as autoras que foram as protagonistas, e, desta vez, o destaque ficou para as editoras. Nos próximos dias, donos de livrarias e livreiros, produtores culturais, guardiões dos livros e pessoas da literatura infantil serão apresentados nas páginas do EM. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam este fervoroso cenário literário.

Reportagens publicadas


Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso

Parte 2: Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos

Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos e movimentam a cena literária de BH

Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores

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