Livrarias de rua promovem eventos e movimentam a cena literária de BH
Livrarias de Belo Horizonte, cuja concentração se deslocou do Centro para a Savassi nos últimos anos, mantêm relação de camaradagem entre os proprietários
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Em 2003, durante uma palestra na nova Biblioteca de Alexandria, no Egito, Umberto Eco disse que “uma biblioteca é a melhor imitação possível, por meios humanos, de uma mente divina, onde o universo inteiro é visto e compreendido ao mesmo tempo”. É uma visão bela e animadora. Mas, antes de existir uma biblioteca, é preciso que existam livros – e é nas livrarias que eles são adquiridos.
Essas sempre existiram aos montes em Belo Horizonte, espalhadas pelas ruas da cidade. Se hoje o circuito de livrarias está concentrado na Savassi e na Região Centro-Sul, até a década de 1980 o principal point literário era o Centro.
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Na Rua da Bahia, havia a Livraria Itatiaia – que se manteve ativa entre as décadas de 1950 e 1980 – e a Bluhm, livraria alemã onde Murilo Rubião trabalhou em 1960. Na Rua dos Guajajaras, próxima ao cruzamento com a Rua Espírito Santo, a Livraria Van Damme exalava cheiro de livros novos por toda a loja, que permanecia sempre fechada por causa do ar-condicionado.
Não muito longe dali, em frente à Igreja São José, na Avenida Afonso Pena, Amadeu Rossi Cocco (o Seu Amadeu) abriu o primeiro sebo de BH, em 1948. E, dentro de uma galeria na Rua Espírito Santo, na Livraria do Estudante, Henfil lançou "Hiroshima, meu humor", e Luiz Vilela, o livro de contos "Tremor de terra".
(Esta reportagem é a terceira parte da série especial "BH: Capital dos livros". Saiba mais no final da matéria)
Corredor literário
A Savassi já abrigou a Livraria do Ouvidor, a Status e a Travessa. Hoje, mantém a Quixote Livraria e Café, a Scriptum, a Jenipapo – onde funcionava a Livraria do Ouvidor –, a Livraria da Rua, a Savassi Livraria, a Disal e o Outlet do Livro.
Pela cidade, também se espalham a Livraria do Belas (no UNA Cine Belas Artes), a Domus Brasilis (no Bairro Floresta), a Livraria Nandyala (no Centro, especializada em literatura africana, afro-brasileira e indígena), a Dharma (no Funcionários, especializada em espiritualidade, autoconhecimento e bem-estar) e a recém-inaugurada Literíssima (no Coração Eucarístico, em frente ao Museu de Ciências Naturais da PUC Minas).
Isso sem contar os inúmeros sebos e grandes redes que estão nos shoppings – como a Leitura, que, aliás, nasceu em Belo Horizonte.
É na Rua Fernandes Tourinho (Savassi), porém, que ocorre o fenômeno mais interessante: Scriptum, Quixote e Jenipapo estão praticamente no mesmo quarteirão, sendo que as duas últimas ficam uma de frente para a outra.
“É uma concorrência saudável, amigável, que a gente tem”, afirma Alencar Perdigão, sócio-fundador da Quixote. “Tanto que acontece constantemente de um cliente chegar na Jenipapo procurando determinado livro e o pessoal de lá vir aqui na Quixote pegar um exemplar para repor depois. E vice-versa”, diz.
“Também acontece de pedirmos cadeiras ou microfone emprestado a eles (Fred Pinho e Tatiane Fontes, proprietários da Jenipapo) quando fazemos algum evento”, comenta Cláudia Masini, sócia de Alencar.
“Quando a gente estava com a ideia de abrir a livraria, eu ia, disfarçadamente lá na Quixote, pedia um café e ficava assuntando o Alencar e a Cláudia para pegar dica. Eles sempre foram atenciosos. Acho que a gente conseguiu, de algum modo, construir uma relação de parceria desde antes de abrir a livraria”
Fred Pinho, livreiro e proprietário da Jenipapo
Vender não é tudo
Mais do que vender livros, as livrarias de BH também ajudam a promover a cena literária por meio de diversos eventos – como a República Jenipapo, que acontece todo mês em parceria com o Projeto República, da historiadora Heloisa Starling, professora da UFMG.
O projeto reúne autores que lançam livros e comentam suas obras. “BH tem vocação para ser cidade dos livros. Mas acho que alguns projetos estão funcionando sem ter uma coisa para alinhavar. A gente precisa trabalhar mais em parceria para estabelecer a cidade dentro de um cenário nacional”, avalia Fred Pinho, da Jenipapo, que está em seu terceiro ano de funcionamento.
A Quixote, fundada há 22 anos, mantém dois eventos fixos, além dos lançamentos regulares realizados em sua sede: o clube de leitura Quixote Falante e o Violão na Quixote, um recital do instrumento que ocorre toda última quinta-feira do mês.
“O livreiro hoje é quase um promotor cultural. Tem que estar correndo atrás de eventos o tempo todo, dando entrevistas, fazendo a divulgação. Não dá para ficar atrás do balcão, igual eu imaginava”
Alencar Perdigão, livreiro e proprietário da Quixote
Pouca divulgação
Os eventos não se limitam à Quixote e à Jenipapo. A Scriptum, instalada na mesma Rua Fernandes Tourinho, também mantém um calendário de lançamentos. Além disso, conta com um braço editorial que já revelou autores como Ana Martins Marques e Jacques Fux. É a única livraria que vende livros da editora 7Letras.
A reclamação recorrente, porém, é a pouca adesão do grande público. “Talvez seja um problema de comunicação”, avalia Welbert Belfort, o Betinho, dono da Scriptum. “As redes sociais impulsionam. Mas também é de suma importância recorrer aos jornais e a outros mecanismos, como a Belotur, que também divulga os eventos”, afirma.
Os principais frequentadores dessas livrarias são escritores da cidade, jornalistas e professores universitários. A consultora de vendas Simone Pessoa, que trabalhou na Livraria do Ouvidor por duas décadas e hoje atua na Jenipapo, afirma que “é um ofício gostoso, mas exige que a gente leia muito para estar sempre preparada para dar dicas e orientar os clientes”.
Centro cultural
Outra casa inaugurada com o propósito de ser centro cultural é a Literíssima, da jornalista e editora Leida Reis. No dia da estreia, no final do mês passado, a livraria teve o lançamento do livro infantil "Leo e Lea", de Vera Chaves Pinheiro, com ilustrações de Maurizio Manzo; sarau poético da AJEB Minas; e performance musical com o escritor Carlos Bomfim.
“É um desafio manter uma livraria num bairro fora do circuito da Savassi. Mas é importante, porque a livraria (no geral) é um ponto de encontro, não é só um lugar para vender o livro”, afirma Leida, acrescentando que o clube do livro Cacá Leitura vai se reunir na Literíssima todo primeiro domingo do mês.
Os clubes do livro presenciais, a propósito, são cada vez mais numerosos em Belo Horizonte. Porém, esse é um assunto para outra reportagem desta série.
BH: Capital dos livros
Esta reportagem faz parte da série "BH: Capital dos livros", na qual o Estado de Minas apresenta um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.
Na primeira e segunda partes, as autoras e as editoras foram as protagonistas; desta vez, o destaque ficou para os livreiros. Nos próximos dias, produtores culturais, guardiões dos livros e pessoas da literatura infantil serão apresentados nas páginas do EM. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam esse fervoroso cenário literário.
Reportagens publicadas
Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso
Parte 2: Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos
Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos que movimentam a cena literária de BH
Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores
Parte 5: Os guardiões que preservam a memória da literatura de BH
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