Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso
Autoras mineiras como Carla Madeira e Paula Pimenta alcançam milhares de leitores pelo país sem abrir mão de morar na cidade onde nasceram
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O êxodo dos escritores começou nos anos 1920, quando Carlos Drummond de Andrade trocou o jornal oficial do governo, o “Minas Gerais”, pelos diários cariocas e nunca mais voltou. Seguindo os passos dele, partiram Pedro Nava, Cyro dos Anjos, Abgar Renault e Alberto Campos. No Rio de Janeiro, além de escreverem para a imprensa, publicaram livros de poemas, contos e romances.
Ziraldo foi embora no fim da década de 1940. Nos anos 1960, foi a vez de “Os quatro cavaleiros do apocalipse” – Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino – deixarem Belo Horizonte. Na mesma época, também partiram Autran Dourado e Murilo Rubião (que ficou um tempo fora, mas voltou depois). Por fim, em 1970, Humberto Werneck arrumou as malas e rumou para São Paulo.
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“O mais envergonhado de todos os escritores mineiros”, conforme se definia, Eduardo Frieiro nunca quis sair de Belo Horizonte. Nos anos 1920, ao perceber que a cidade não tinha editora para publicar “O capote do guarda”, escrito a quatro mãos pelos colegas Aníbal Machado e Milton Campos, Frieiro fundou a cooperativa Os Amigos do Livro, uma “sociedade coeditora”. Entre os sócios, Emílio Moura, João Alphonsus, Guilhermino Cesar, Abgar Renault, Cyro dos Anjos, Aníbal Machado e Carlos Drummond de Andrade. Os Amigos do Livro só editou cinco títulos. A editora fechou depois de desentendimento de Frieiro com João Alphonsus.
A carreira de Frieiro como autor também não decolou. Embora tenha lançado “O mameluco Boaventura”, “A ilusão literária”, “O cabo das tormentas”, “Os livros, nossos amigos” e “O clube dos grafômanos”; ele não alcançou projeção nacional e hoje é muito mais lembrado pelo trabalho como diretor da Biblioteca Pública de Minas Gerais.
Outro que ficou em Belo Horizonte e caiu no esquecimento foi Moacyr Andrade. O autor de “Memórias de um chauffeur de praça” – que foi publicado inicialmente no Estado de Minas, em capítulos – é lembrado hoje por dar nome a uma escola em Venda Nova. Já a poeta Julinda Alvim foi apagada pela história.
Essa realidade é impensável na Belo Horizonte de 2025. Primeiro, porque hoje as dificuldades para se publicar um livro são bem menores, depois do surgimento de dezenas de editoras na cidade. E, segundo, porque a permanência em BH não impede mais a projeção nacional.
(Esta reportagem é a primeira parte da série especial "BH: Capital dos livros". Saiba mais no final da matéria)
Mais vendidos
Carla Madeira é o exemplo mais bem-sucedido. Seu “Tudo é rio” vendeu mais de 1,1 milhão de exemplares (somando todos os formatos). O romance “Véspera” será adaptado para o formato de série pela Max.
“Nunca pensei em sair de Belo Horizonte”, ela diz. “Até porque eu tenho meus filhos, minha casa, minha agência [a Lápis Raro], toda a minha vida aqui, afirma.
"Quase todas as minhas histórias se passam em BH. Mesmo que eu não descreva a cidade nos romances, para mim é importante visualizar os lugares para eu entender os movimentos das personagens”.
Carla Madeira, autora
“Tudo é rio” saiu em 2014, pela Editora Quixote – também da capital mineira. A primeira tiragem foi de 700 exemplares. Depois passou para mil, 2 mil, 3 mil… 10 mil. Foi então que a Record comprou os direitos para publicar o livro. “A gente [Editora Quixote] não conseguia [na época] ter uma capilaridade e entregar o livro. Então começamos a conversar sobre a minha ida para a Record”, lembra Carla.
Quem também enfrentou dificuldades na distribuição do livro foi Maria Esther Maciel. Os livros de poesia que ela lançou independentemente na década de 1970 eram vendidos pela própria autora, nascida em Patos de Minas, em bares da cidade.
“Fui muito ao [edifício Arcângelo] Maletta [reduto boêmio da capital], coisa que já não é necessário fazer hoje”, conforme ela conta. A decisão de ficar ocorreu quando ela viu uma cena se formando na cidade com escritores com a mesma afinidade, como Carlos Herculano Lopes. E deu certo. Sem sair de BH, Maria Esther tem uma obra consolidada, com a publicação de diversos ensaios e romances, estes pela editora paulista Todavia.
Fenômeno de vendas, Paula Pimenta construiu sua carreira na capital mineira. Ela, que começou publicando crônicas em um blog que já nem existe mais, resolveu escrever um romance e submetê-lo à avaliação das editoras. Depois de duas recusas, enviou o original para a Autêntica, que publicou “Fazendo meu filme 1” pelo selo Gutenberg.
Na época, o grupo editorial comandado pela editora Rejane Dias não era a potência que é hoje. Se hoje a Autêntica lança cerca de 120 títulos por ano, em 2006 eram, no máximo, 30. Tanto é que o livro de estreia de Paula Pimenta, que sairia inicialmente em 2007, só foi publicado no final de 2008.
Memória e poesia
Outras duas autoras belo-horizontinas de expressão nacional são Cidinha da Silva e Ana Martins Marques. Com mais de 20 livros publicados e reconhecida por sua versatilidade para transitar entre diversos gêneros, Cidinha da Silva incorpora temas da ancestralidade afro-brasileira em sua obra, que inclui títulos como ”Um Exu em Nova York”, “O mar de Manu” e “Sobre-viventes!”. É adepta da chamada “arquitetura da palavra”.
Ana Martins Marques, por sua vez, é um dos destaques da poesia contemporânea. Vencedora dos prêmios Alphonsus de Guimaraens e APCA e finalista do Oceanos e do Jabuti, segue uma linha drummondiana, escrevendo versos que têm a linguagem e a memória como matéria-prima.
“Nasci aqui, vivi minha vida inteira aqui. Então tenho uma relação forte com a cidade, embora ela não entre tão diretamente nos meus poemas. Só em um deles, quando eu tinha essa questão de ficar ou sair. Mas, no final das contas, eu fiquei”, afirma a poeta.
“A internet também facilitou para que os escritores ficassem. Tornou a circulação dos textos mais tranquila de ser feita, sem necessidade de estar em São Paulo ou no Rio”.
Ana Martins Marques, escritora
Marcela Dantés, também natural de Belo Horizonte, tem a mesma opinião. A autora publicou o primeiro romance, “Nem sinais de asas”, por uma editora de menor porte, Patuá. Depois vieram “João Maria Mathilde”, pela Autêntica, e o mais recente, o elogiado “Vento vazio” (Companhia das Letras, 2024).
Ela ressalta que, além da internet, os autores de Belo Horizonte também se ajudam mutuamente, indicando livros uns dos outros. “Hoje temos um grupo muito forte, com o Jacques Fux – ele foi muito generoso comigo quando eu comecei, tivemos muitas trocas – Mônica de Aquino, que é uma poeta maravilhosa, Gustavo Silveira, Maria Esther Maciel, Carlos Herculano, Jaime Prado Gouvêa… É muita gente. Belo Horizonte tem uma produção muito rica”, afirma.
BH: Capital dos livros
A partir deste domingo (22/6), o Estado de Minas começa a publicar uma série de reportagens especiais que traçam um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.
Nesta primeira parte, as autoras que foram as protagonistas. Nos próximos dias, editoras, donos de livrarias e livreiros, produtores culturais e guardiões dos livros terão destaques nas páginas do EM. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam este fervoroso cenário literário.
Reportagens publicadas
Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso
Parte 2: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso
Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos e movimentam a cena literária de BH
Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores
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