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Estado de Minas Coronavírus

''O medo de se contaminar é constante'': rotina da luta contra o vírus

Profissionais que atendem pacientes com COVID-19 e são obrigados a ver a morte de perto todos os dias contam o dia a dia nos hospitais


08/08/2020 14:00 - atualizado 08/08/2020 22:36

Movimento na porta da Santa Casa, em Belo Horizonte(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Movimento na porta da Santa Casa, em Belo Horizonte (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Com mais de 100 mil mortes no Brasil, a COVID-19 amedronta os brasileiros e mais ainda os profissionais de saúde, que atuam na linha de frente de combate à doença. De acordo com o Observatório da Enfermagem, em Minas 104 profissionais tiveram o diagnóstico confirmado, 658 estão com suspeita e em quarentena, seis estão internados e oito perderam a batalha para a doença.

O Sindicato dos Médicos de Minas não dispõe de número de profissionais contaminados, mas alerta para o risco que corre a categoria. O medo de se contaminar é permanente entre esses profissionais, ainda mais por testemunharem o estado de saúde de pacientes que sucumbem diante do novo coronavírus. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e motoristas de ambulância lidam com pacientes em estado gravíssimo. Em muitos casos, acompanham os últimos suspiros de quem é vencido pela doença.

O Estado de Minas traz o depoimento desses profissionais em primeira pessoa: o médico intensivista Maurício Meireles, do Hospital da Baleia, a enfermeira Carolina Brito, da Santa Casa, e Wislênio Mendes Rodrigues, motorista de ambulância no Hospital Municipal Nossa Senhora Sant’ana, em Brasília de Minas, no Norte do estado.

Também traz o relato de uma técnica de enfermagem de um grande hospital em Belo Horizonte, com 15 anos de dedicação à enfermagem, que pediu para não ser identificada em decorrência do preconceito que esses profissionais têm sofrido por cuidarem de doentes da COVID-19.

 

"O medo de contaminar é frequente e constante, mas o nosso juramento o amor pela medicina falam sempre mais alto. Não vamos deixar de atender os pacientes, deixar de reduzir o sofrimento dos pacientes em função do medo de se contaminar"

Maurício Meireles Médico intensivista, pneumologista e coordenador do Hospital da Baleia, diretor jurídico do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
 

“Todo mundo que mexe com pessoas no hospital ou mesmo no consultório tem medo de se contaminar. É uma doença que pode ser grave em alguns pacientes, a pneumonia provocada traz consequências drásticas. Uma doença que pode levar ao óbito. Todos nós temos medo de nos contaminar e também de contaminar nossos familiares, nossos pais.

O medo de contaminar é frequente e constante, mas o nosso juramento e o amor pela medicina falam sempre mais alto. Não vamos deixar de atender os pacientes, deixar de reduzir o sofrimento dos pacientes em função do medo de se contaminar. Tomo os cuidados necessários e rezo para tudo dar certo.

Nós tomamos os cuidados para evitar os contágios nos hospitais, que é a utilização dos EPIs (a máscara N95, os óculos, os capotes, as luvas, lavagem frequente das mãos).

No consultório, usamos as máscaras, óculos e aventais para nos protegermos do contágio e seguimos as regras que a população deve seguir: evitar aglomerações, manter o distanciamento social, a lavagem frequente das mãos. Em casa, evito entrar com roupas, aventais e sapatos. Sigo medidas hospitalares, no consultório e em casa para evitar o contágio.

O trabalho com os pacientes de COVID-19 afeta o nosso emocional. É uma doença grave e vemos pacientes que têm consequências drásticas, evolução fatal e irreversível. Esse trabalho nos deixa feliz, quando a gente consegue reverter a doença e dar alta para os pacientes, mas, ao mesmo tempo, nos deixa tristes, quando não conseguimos reverter pacientes que evoluem para quadros mais graves.

Documentário Como chegamos até aqui? reúne especialistas para explicar os erros do Brasil

 

Isso não deixa de afetar o emocional, nos deixando mais triste, mas a alegria de ver aqueles pacientes que conseguiram superar a doença nos motiva mais do que os que evoluem de maneira pior.

Nós, que trabalhamos em unidades de terapia intensiva, já estamos de certa forma acostumados a lidar com a morte em função da gravidade dos pacientes que atendemos. Lidar com isso é situação que a gente deve superar. A gente começa a ter controle melhor e acostuma melhor em lidar com a morte. Mas como falei, mais do que lidar com a morte o tempo todos nos rondando, a alegria de ver aqueles pacientes que conseguem recuperar nos motiva a seguir em frente.

A rotina de uma unidade de terapia intensiva é cercada de estresse, mas igual a essa doença a gente nunca viveu. A questão não é lidar com o estresse, lidar com doença grave, e sim lidar com estresse de uma doença que você pode ser contaminado de maneira mais simples, mesmo tomando os cuidados adequados.

Nunca vivemos uma situação de estresse parecida, estamos aprendendo muito com essa doença e a nossa esperança é que a vacina venha o mais rápido possível para reduzir o nosso estresse e reduzir as consequências drásticas para as pessoas que estão enfrentando essa doença.”

 

"Muitos colegas nossos começaram a morrer. Temos profissionais de enfermagem jovens, sem comorbidades, que faleceram dentro deste contexto da pandemia. Isso tem trazido grande desconforto, um temor, uma indignação bem grande junto a nós profissionais"

Carolina Brito 43 anos, enfermeira há 15 anos, diretora do Sindicato dos Enfermeiros

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)

“Trabalho no setor de longa permanência. A morte é parte da mecânica da vida. No histórico sobre a doença, podemos observar que os pacientes idosos têm maior potencialidade de agravamento. No entanto, aqui, o que vejo são jovens adultos dentro dos CTIs. Isso tem assustado bastante, deixado a equipe muito fragilizada emocionalmente. A gente traz para a nossa realidade: e se fosse um parente naquela situação? No início da pandemia, nas primeiras manchetes dos jornais, a doença foi vinculada ao idoso. Quando a doença veio para o Brasil, o perfil epidemiológico se alterou. Quando você está dentro de uma unidade, lida com paciente com perfil totalmente diferente do que você imaginava ou que foi perfil de outro país. Isso tem trazido bastante comoção.


Muitos colegas nossos começaram a morrer. Temos profissionais de enfermagem jovens, sem comorbidades, que faleceram dentro deste contexto da pandemia. Isso tem trazido grande desconforto, um temor, uma indignação bem grande junto a nós profissionais. O perfil hoje dos casos, em termos de gravidade, está bem diferente, disperso. Penso que não é fácil a gente trabalhar com pacientes graves. O contato com paciente grave é desde sempre, principalmente para quem trabalha em setores de urgência, nas UPAs, CTIs, unidades de porta de entrada das instituições, no primeiro atendimento.


A pandemia trouxe que a gravidade desse paciente nos coloca em risco. A doença pode me contaminar, pode me contagiar e eu, às vezes, sem apresentar sintomatologia, posso passar para tantos outros, sejam meus colegas, sejam meus familiares. Trabalhar com paciente grave é da nossa rotina, mas a pandemia traz o elemento da contaminação. Isso que tem preocupado e trazido esse adoecimento emocional para os profissionais da saúde.


Minha rotina alterou. Tive que me mudar da minha casa, uma vez que meus pais são do grupo de risco, maiores de 65 anos. A minha mãe tem diabetes, o meu pai tem a obesidade e hipertensão. Tem a minha irmã que foi morar lá em casa com minha sobrinha, porque o marido dela também é enfermeiro. Dentro da minha organização familiar, eu precisei encontrar outro espaço. Tive a sorte de uma amiga ceder um apartamento para que eu pudesse manter minha família em segurança. O deslocamento para o trabalho passa a ser mais inseguro, porque para aquilo que já era hábito, a higienização das mãos, temos que ter rigor muito maior.


Trabalho na maior instituição do Estado, onde há um volume, um trânsito muito grande de pessoas. Temos uma fila imensa, elevador em pequena quantidade, um fluxo alterado para poder atender os pacientes e os profissionais que estão na ala COVID e os que não estão na ala COVID. A equipe de enfermagem, como o próprio nome já diz, é um coletivo. O enfermeiro está com, no mínimo, cinco, seis, sete técnicos de enfermagem. Precisamos nos organizar em seis, sete, oito pessoas para cada ala atendida. Organizar essa dinâmica teve seus desafios, ainda tem, mas na medida em que colegas nossos foram adoecendo, alguns com certa gravidade, tivemos que adotar cuidado maior, inclusive da nossa rotina, o uso de EPI.


Uma das coisas que mais impactam na rotina de trabalho é ter que atender, acolher uma demanda emocional da equipe frente ao pânico estabelecido – e eu não tiro a razão do grupo – por causa desse número de mortes, trabalho em longas jornadas, EPI machucando, as pessoas adoecendo. Os profissionais adoecem, mas não só pelo vírus, é pela questão emocional, tratar o outro na doença não é uma tarefa fácil, principalmente, quando estamos falando de uma doença que trouxe mudanças radicais na nossa organização social, na nossa forma de se relacionar com o outro, com nossa família e com o ambiente.”

 

"Transportei uma pessoa com o teste positivo. Na hora fiquei bastante apreensivo, mas depois de colocar todas as proteções necessárias fiquei mais tranquilo para fazer o transporte"

Wislênio Mendes Rodrigues 38 anos, motorista de ambulância no Hospital Municipal Nossa Senhora Sant'ana, em Brasília de Minas

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)

“No começo, fiquei bastante aflito. Mas, hoje, já aprendi a lidar com a doença, e consigo deixar as pessoas mais tranquilas, e até amenizar a aflição e o medo delas também. É um impacto gigantesco não só em Brasília de Minas, mas no mundo inteiro. Espero que tudo isso passe o mais rápido possível. Depois da pandemia do novo coronavírus, minha demanda de serviço aumentou muito. Mesmo porque trabalho em uma cidade que é polo regional e referência na saúde e no tratamento da COVID-19.

São pessoas de vários municípios atendidos aqui. Com essa doença, a demanda aumentou muito mais. Toda a minha rotina foi transformada depois dessa pandemia, principalmente porque tenho de cumprir muitos protocolos de segurança, tanto pra mim quanto para os pacientes. Transportei uma pessoa com o teste positivo. Na hora fiquei bastante apreensivo, mas depois de colocar todas as proteções necessárias fiquei mais tranquilo para fazer o transporte.

Tenho medo do coronavírus. Mas procuro me proteger usando todos os equipamentos de segurança necessários: capote, protetor facial, óculos, máscaras, luvas e em seguida desinfetamos toda a ambulância para evitar contaminação.”

"Semana passada, nós tivemos um óbito de uma senhora. Olhei para ela quando ela terminou de falecer. Eu falei: 'gente, é o amor de alguém que está aqui'. Esse último suspiro dela foi presenciado por mim e por minha parceira. Eu falei:'é muito triste esse momento'"

Técnica de enfermagem (não quis se identificar 49 anos e 15 anos dedicados à enfermagem. Trabalha em um grande hospital particular de Belo Horizonte

“Trabalho em uma instituição grande aqui de Belo Horizonte. Eu era de determinado setor, que foi transformado no setor da COVID-19. Tivemos uma reunião de um dia para o outro, no outro plantão, tudo já foi transformado.

No primeiro plantão em que eu estive na ala da COVID, cheguei e vi onde trabalharia, havia uma porta, uma campainha, tudo fechado, me deu um medo tão grande e me deparei com situação tão difícil que pensei: ‘meu Deus, é realidade o que está acontecendo agora’. Temos pacientes muito acamados, pacientes dependentes, que precisam ser acolhidos tanto emocionalmente como fisicamente. Para nós é uma carga muito maior.

Você lida diretamente ali com o sofrimento daquele paciente que está longe da família pelo fato de não poder ter visita. Aquele idoso confuso que chama por nome de familiares o tempo todo, você tem que estar ali junto dele, fazendo um carinho, falando uma palavra. Você lida com o medo o tempo todo de se contaminar, de levar para sua casa, para sua família o vírus.

Por mais que você se cuide, você ainda acha que não é o suficiente. Nós lidamos com preconceito dentro da nossa própria família. Estamos no hospital, estamos propícios a ter o vírus sim, a contrair sim. Lidamos com a morte. Em várias ocasiões, a gente sabe que pode ter o óbito de uma pessoa que estava ali sozinha e que só tinha a nós naqueles últimos momentos.

Semana passada, nós tivemos um óbito de uma senhora. Olhei para ela quando ela terminou de falecer. Eu falei: ‘gente, é o amor de alguém que está aqui’. Esse último suspiro dela foi presenciado por mim e por minha parceira. Eu falei:‘é muito triste esse momento’.

Quando chegamos ao setor, a gente se paramenta direitinho. Nós temos materiais, mas sentimos que falta um apoio, principalmente para nós da enfermagem. Mas sentimos que estamos meio que abandonados pela coordenação. Estamos ali para fazer o serviço que só nós podemos fazer. No tempo que estou trabalhando não vi uma psicóloga para chegar no meu setor e falar: ‘estou na salinha do lado, se alguém quiser conversar comigo...’.

Tive quatro colegas, amigas, que tiveram a COVID e sofreram muito. Temos amiga que está internada em estado gravíssimo. O momento mais difícil que estamos passando é lidar com o contágio do colega, daquele amigo que você via sorrir, via brincar, via trabalhar, deitado hoje numa cama de um leito de UTI, entubado entre a vida e a morte. Esse está sendo momento de maior terror.

Sempre quando a gente ouve falar ‘morreu um enfermeiro’, ‘morreu um técnico’ a gente sente profundamente. É como se dessem uma facada no nosso coração. Como se nós morrêssemos um pouquinho com aquela pessoa que você nem conhece.

Eu, particularmente, estou lidando com o sofrimento de uma amiga muito próxima, que está entre a vida e a morte numa cama de hospital e a gente não sabe se ela vai conseguir sair do quadro. O medo está andando de mãos dadas com a gente. Minhas colegas que tiveram COVID, todas, estão de volta no mesmo setor. Todas com medo de pegar novamente.

Não tem estudo que prove o contrário. Trabalhamos com medo, fazendo o serviço com amor, com dedicação, mas trabalhamos com o medo do nosso lado. Mas como bom técnico, bom enfermeiro, nós temos esperança. Esperança que esse quadro melhore e que nós tenhamos condições melhores de trabalho, condições melhores de salários, que sejamos resguardados pelas leis deste país e que sejamos realmente da comissão de frente, não só de agora da COVID.

Esse momento vai trazer sequelas para mim, mas eu vou ter que trabalhar diante disto. É a minha profissão. Eu amo o que faço, apesar de tudo. Eu quis estar ali na ala da COVID. Alguém precisa ficar ali. Tem pessoas que precisam de nós."

O que é o coronavírus


Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp

Como a COVID-19 é transmitida? 

A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.

Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?


Como se prevenir?

A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê

Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam:

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus. 

Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'

Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.

Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência

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