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Estado de Minas

Morro Vermelho relembra epidemias e se cerca contra a COVID-19

Distrito tricentenário, que enfrentou a varíola e a gripe espanhola, se empenha no isolamento e redesenha celebrações para conter propagação do coronavírus


postado em 16/07/2020 06:00 / atualizado em 16/07/2020 07:27

Vista de Morro Vermelho, distrito de Caeté, cuja cultura carrega marcas das epidemias do passado, com ruas ainda mais vazias que o normal em período de isolamento(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Vista de Morro Vermelho, distrito de Caeté, cuja cultura carrega marcas das epidemias do passado, com ruas ainda mais vazias que o normal em período de isolamento (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )


As ruas de calçamento irregular de Morro Vermelho têm pouco movimento durante a semana, ainda mais em época de recomendação de distanciamento social para se evitar o contágio por COVID-19. Mas essa não é a primeira vez que testemunham uma ameaça microscópica, que causa mudanças no comportamentos dos poucos habitantes. Fundado há 316 anos, o hoje distrito de Caeté, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte,  já encarou uma epidemia de varíola, em 1895, e a gripe espanhola, em 1918, ainda presentes na cultura local. Agora, o município-sede registra 97 casos da doença provocada pelo novo coronavírus e nenhum óbito, segundo dados de ontem da Secretaria de Estado de Saúde.

A epidemia de 125 anos atrás vitimou fatalmente, entre julho e dezembro, 300 dos então não mais de 2 mil moradores, além de ter infectado outros 300. Mas mais que o número de atingidos, impressionam os relatos, que atravessaram gerações, de fuga em massa “mato a dentro”, com filhos e pertences “no lombo de burros”; e, sobretudo, corpos deixados deixados por dias nas ruas, já que os responsáveis pelo sepultamento também haviam fugido.

Quando finalmente retirados da via pública, os “bixiguentos”, como eram popularmente chamadas as vítimas da doença à época, eram levados para cemitério, que foi abandonado. Há ainda relatos de pessoas levadas ainda vivas para o local, onde eram deixadas para morrer. Dizem que as pessoas faziam questão de contornar aquele terreno, “com todo o respeito e cuidado, não deixando sequer que animais se aproximassem”. Afinal, havia o temor sobre os riscos de volta do bixiga, ainda encravada em ossos sepultados no local.
 
A cultura escrita e, principalmente, a oral, não permitem que toda a história se perca com o tempo. “Uma professora, Jovelina Marques, nos contou tudo que aconteceu. E eu mesmo já encontrei ossos quando estava trabalhando na roça”, afirma José Geraldo Magalhães, de 73 anos, o Pirreca, que há 40 é um dos responsáveis pela conservação de outra parte importante da história de Morro Vermelho, a Igreja de Nossa Senhora de Nazareth.
 
Mas se a varíola causou pânico na população do histórico distrito, atualmente a situação é bem diferente. Mesmo com estradas de acesso de terra, sendo que a que liga a localidade a Raposos  está em péssimas condições, e sem sinal de telefonia celular ou internet móvel, os moradores se mostram bem informados sobre os perigos da COVID-19, mas nem por isso excessivamente temerosos. Ao contrário, alguns até se arriscam sem máscaras pelas pouco movimentadas ruas.
 
Mas, principalmente entre os mais velhos, os cuidados vêm sendo tomados. Caso do agricultor José Leal Pinheiro, de 76 anos, que desde março não sai de sua casa, localizada na rua principal e bem próxima da Igreja Nossa Senhora do Rosário. “Estou em total quarentena, pois sei dos riscos. E não permito que pessoas de fora entrem em minha casa. Os que podem entrar têm de passar álcool emgel nas mãos e usar máscaras”, afirma ele, da varanda do imóvel, enquanto a reportagem se posta no meio-fio do passeio, a ao menos dois metros de distância.

Centenário, Geraldo Lopes se distrai com o cavaquinho e a bisneta Malu para passar o tempo e garante que só sai de máscara e até mesmo em casa às vezes usa o acessório(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Centenário, Geraldo Lopes se distrai com o cavaquinho e a bisneta Malu para passar o tempo e garante que só sai de máscara e até mesmo em casa às vezes usa o acessório (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

 
Um dos principais meios de informação no local é a TV, que faz extensas coberturas sobre a pandemia. Assim, até mesmo o centenário senhor Geraldo Lopes consegue se inteirar de todo que está ocorrendo no mundo, no Brasil e, principalmente, em Minas. “Já não estou saindo e até mesmo em casa às vezes uso máscara, assim como o pessoal que mora aqui ou vem visitar”, afirma ele, acompanhado pela neta Andrezza e a bisneta Malu, de 5 anos.
 
Para passar o tempo, uma das diversões é tocar cavaquinho, instrumento que o acompanha desde a juventude e que mantém a memória viva. Ele se lembra de terem lhe contado sobre a epidemia de varíola que varreu o hoje distrito de Caeté em 1895, porém, como era muito jovem, não deu muita atenção, ao contrário do que ocorre agora com o novo coronavírus.

Fiscalização 


Como em outros locais, há quem defenda o isolamento social e abertura apenas de atividades essenciais; e também os que acreditam não haver motivo para tanto cuidado. Afinal, há suspeita de apenas um caso de COVID-29 no local, assim mesmo de um funcionário de uma mineradora.
 
Para o comerciante Gerhardt Martins Schimidt, de 55, com cuidado será possível superar a pandemia. “Restringi a entrada de pessoas, disponibilizei álcool em gel para os clientes, exijo uso de máscara para atender. Temos de ter atenção”, diz ele, dono de mercearia localizada na rua principal de Morro Vermelho.
 
Já o mestre de obras Reinaldo Santos espera que a pandemia sirva para que autoridades proporcionem melhoria no distrito, uma vez que estradas ruins e falta de sinal de telefonia celular dificultam até mesmo o socorro de quem for infectado. “E também é preciso controlar melhor o acesso dos turistas, para diminuir o risco de contágio da população”, diz ele.

Gerhardt Martins adotou medidas de segurança para manter a mercearia em funcionamento. 'Temos que ter atenção', defende(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Gerhardt Martins adotou medidas de segurança para manter a mercearia em funcionamento. 'Temos que ter atenção', defende (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

 
Em nota, a Secretaria de Saúde de Caeté informou que vêm sendo realizadas desinfecções semanais nos espaços públicos de maior circulação como igrejas, Unidades Básicas de Saúde e praças. Barreiras sanitárias nas duas principais vias de acesso ao município, com aferição de temperatura, distribuição de máscaras e orientações completam os cuidados contra o coronavírus. Foram realizadas ainda blitzes educativas para pedestres durante os fins de semana nas áreas comerciais da cidade. “Além disso, temos uma equipe de fiscalização que inspecionou todos os estabelecimentos comerciais que funcionam de acordo com as determinações estabelecidas em decretos.”
 
“No Morro vermelho em específico, os atrativos turísticos na região – gastronômicos, religiosos e de aventura –  estão praticamente sem movimento, visto que a igreja suspendeu suas atividades presenciais, o principal restaurante permanece fechado, ficando o turismo de aventura pouco atrativo”, diz a nota da secretaria.

Fé e tradição driblando os perigos


Cavalhada de Nossa Senhora de Nazareth em plena gripe espanhola, em 1918: este ano, evento dependerá da evolução da pandemia do coronavírus(foto: Arquivo Cavalhada Nosssa Senhora de Nazaré)
Cavalhada de Nossa Senhora de Nazareth em plena gripe espanhola, em 1918: este ano, evento dependerá da evolução da pandemia do coronavírus (foto: Arquivo Cavalhada Nosssa Senhora de Nazaré)
 
Se em muitos locais as atividades turísticas e comerciais foram restringidas, a pandemia de COVID-19 também afetou de forma especial as práticas religiosas em Morro Vermelho. Desde março, quando as autoridades sanitárias brasileiras reconheceram a pandemia e passaram a adotar medidas de isolamento social, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), todas as atividades ecumênicas presenciais foram suspensas.
 
Agora, a maior preocupação é que não aconteça uma das mais tradicionais delas, a semana da padroeira Nossa Senhora de Nazareth, entre 30 de agosto e 8 de setembro, tendo a cavalhada do dia 7, Dia da Independência, um dos pontos altos das comemorações. A atividade é considerada única em seu gênero por reprisar anualmente um espetáculo barroco (cênico-musical) que narra o diálogo de conversão e paz entre mouros e cristão, diferente das demais cavalhadas, que reprisam uma guerra. Para completar, são mais de três séculos “ininterruptos”, não sendo brecada nem mesmo pelas epidemias de varíola em 1895 ou a gripe espanhola em 1918.
 
Segundo a Secretaria de Cultura de Caeté, na programação relativa aos 316 anos de Morro Vermelho, a diretoria da Entidade Cavalhada elaborou um plano de ação “compatível com as realidades do tempo presente”. Tudo dependerá de como a pandemia do coronavírus vai se comportar até meados de agosto, quando a programação deverá ser definida.
 
“Nossa intenção é ter uma fé inteligente, sem colocar ninguém em risco. Então, o desafio é esse, cuidar do corpo e também da fé e do psicológico das pessoas. Tem muita gente deprimida e a ausência da celebração pode até agravar o quadro”, argumenta Charles Faria, membro da Entidade Cavalhada.
 
Entre as opções está orientar aos fiéis que façam a novena em casa, ao mesmo tempo, usando uma das tradições da celebração, o linguajar dos fogos. Já a passagem da bandeira também seria acompanhada das janelas. E a procissão feita em carros.
 
A igreja católica, responsável pela organização do evento, acenou que a festa da padroeira deverá ser celebrada com novena no início da noite, da janela da Matriz, com a participação apenas dos moradores, missa campal no dia 8, possivelmente no campo de futebol, e procissão motorizada pelas ruas.

Adaptações 


As festas religiosas estão entre as principais atrações do distrito e já foram afetados pela COVID-19 este ano. As procissões e outros rituais da semana santa foram todos suspensos. Pela primeira vez, a imagem do Senhor dos Passos não pôde ser levada à Matriz até a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.  No domingo de Ramos, a população assistiu às cerimônias pela televisão, mas enfeitou janelas e portas das casas com ramos e toalhas brancas.
 
Pouco antes do isolamento social, na quarta-feira de cinzas, a tradicional lavagem do Senhor dos Passos com cachaça foi mantida. Com a igreja fechada ao meio-dia, em ritual secreto que só permite a participação de homens, a imagem de dois metros de altura foi lavada por um grupo de devotos. Depois do banho, a bebida foi recolhida em uma gamela e distribuída aos fiéis, que a guardaram para curar muitos males do corpo e da alma durante todo o ano.
 
Outras tradições – como a Encomendação das Almas, ritual que envolve caminhada que se encerra no cemitério –  passaram por adaptações.  No sábado de aleluia, com a igreja fechada, a celebração da Páscoa foi realizada das janelas da Matriz e os fiéis puderam acompanhar os rituais, no adro da igreja, separados dois metros um dos outros. A experiência passou a se repetir nas missas dominicais, por decisão do padre Marcelo, responsável pela Igreja Nossa Senhora de Nazareth. Muitos fiéis acompanham a missa de suas casas.
 
No início de maio houve as coroações a Nossa Senhora. Sem permissão de aglomerações, a cada domingo era escolhida uma família para a coração. Em 5 de junho, o pároco decidiu celebrar a eucaristia na Matriz, com uma série de protocolos. Bancos marcados, limite de fiéis, máscaras obrigatórias e nada de rezas ou cantos altos. Alguns fiéis que chegaram sem máscaras ficaram do lado de fora. E no Corpus Christi, 11 de junho, a procissão do Santíssimo Sacramento foi em carro aberto pelas ruas e becos.
 

Patrimônio natural com vestígios pré-históricos


O distrito de Morro Vermelho é famoso pelo seu patrimônio natural, com matas e cachoeiras, e abriga um dos últimos grandes mananciais de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Assim, ambientalistas conseguiram que o governo federal criasse, em 2014, o Parque Nacional Serra do Gandarela, “com muitas modificações no programa original, feito a partir de consultas com a população”.
 
“A área é considerada a última cadeia de montanhas intocada pela mineração no quadrilátero ferrífero, integrando o conjunto da reserva da biosfera do Espinhaço. Abriga também vestígios de animais pré-históricos. A criação do parque visa garantir a preservação do patrimônio biológico, geológico, de cavernas e cursos d'água”, explica o aposentado Geraldo Lopes Guimarães, nascido há 75 anos no local e morador do distrito.
 
Segundo ele, foram descobertos no local uma série de bens históricos e ambientais em terras de propriedade de uma empresa, “incluindo ruínas de um antigo posto de fiscalização da Coroa Portuguesa, no local chamado Retiro dos Capetas, datado do início do Século 18, onde eram cobrados impostos e taxas sobre o ouro e outras mercadorias que subiam e desciam da região até o porto de Parati”. Além de dezenas de minas de ouro abandonadas, há na área ruínas de uma casa de apuração de ouro, do palácio do famoso Barão da Estrela, amigo pessoal de Dom Pedro II, e de uma barragem histórica. (EG)
 

O que é o coronavírus


Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp

Como a COVID-19 é transmitida? 

A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.

Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?


Como se prevenir?

A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê

Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam:

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus. 

Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'


Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.

Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência

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