NOS BASTIDORES

'Rango dos funça': o que comem os funcionários de bares e restaurantes?

A cada dia, um cozinheiro da equipe define o menu e comanda a preparação de pratos que chegam a abrir o apetite dos clientes

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Já parou para pensar o que se come nos bastidores de um restaurante? Enquanto os clientes saboreiam pratos elaborados, a equipe que faz tudo acontecer também precisa se alimentar – e há toda uma dinâmica por trás dessas refeições. Do outro lado do “balcão”, onde nasce a essência do funcionamento de bares e restaurantes, existem regras, rotinas e até pratos favoritos. E mais: em alguns lugares, a comida dos funcionários desperta a curiosidade (e o desejo) do público.


É o que conta a chef-executiva do Cabernet Butiquim e do Rex Bibendi, ambos no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, Jana Barrozo. Nas duas casas – um bar e um restaurante, ela ajuda a administrar, não só cardápios distintos para os clientes, mas também a alimentação da equipe. “Em ambos, são dois turnos e seguimos a linha de variar as refeições”, comenta.


A organização é levada a sério: toda semana há um cardápio fixo, que fica disponível na parede, para que todos possam se programar. “Assim fica fácil de todos verem. Se caso alguém não gostar de algum prato, pode trazer comida de casa”, afirma Jana. No menu, estão disponíveis todos os dias arroz, feijão, salada, uma carne e um acompanhamento.


As proteínas mais comuns são pernil, frango e linguiça, escolhidas pela versatilidade. “Dá para fazer moída, almôndega, parmegiana, isca frita, ensopado ou à milanesa. É versátil e não fica enjoativo”, diz a chef. Já a carne de boi só aparece uma vez por mês ou, no máximo, a cada 15 dias, por conta do custo.

Macarrão ao alho e óleo e carne de panela suína: as escolhas no Cabernet Butiquim levam em conta a preferência da maioria
Macarrão ao alho e óleo e carne de panela suína: as escolhas no Cabernet Butiquim levam em conta a preferência da maioria Túlio Santos/EM/D.A Press


A escolha dos pratos segue o princípio da democracia. A cada semana, um funcionário assume a responsabilidade de montar o cardápio. Entre os acompanhamentos, estão batata frita, batata assada, purê, macarrão e caponata de legumes. “Os campeões de preferência são o frango com quiabo e angu e o macarrão ao alho e óleo”, destaca.


Aos sábados, quando o movimento da clientela é mais intenso nos dois estabelecimentos, é comum optar por pratos de uma panela só, por serem mais fáceis de fazer e esquentar, como a feijoada. “Somos nós mesmos que cozinhamos. Os funcionários que estão responsáveis pelas entradas fazem a salada, quem está na praça de carne faz a proteína e a equipe da guarnição faz o arroz, o feijão e o acompanhamento”, explica.

Cuidados


Nos bastidores, há muito cuidado envolvido. Restrições alimentares são levadas a sério desde a entrevista de contratação. “Sempre perguntamos se a pessoa possui alguma intolerância a um alimento. No Cabernet, por exemplo, um funcionário tem alergia a pimenta-do-reino, então não usamos na alimentação de ninguém”, cita Jana.


Além disso, a política do respeito à comida é rígida. “Sempre batemos na tecla do desperdício. Se tem sobra em excesso, há uma advertência. Uma vez, os funcionários ficaram quase seis meses sem refeição no restaurante. Se alguém se serve e deixa sobrar no prato, há uma punição”, completa a chef.


Jana ainda destaca que o cuidado com o sabor é avaliado pelos donos de cada lugar. “De manhã, o almoço é das 11h às 11h30 e à noite, das 16h às 17h. Os nossos patrões comem conosco, a mesma comida dos funcionários. Eles são nossos termômetros. Se um dia não está legal, eles falam: ‘Vocês têm coragem de fazer isso para vocês mesmos?’. Isso é legal porque somos nós que estamos comendo e merecemos ser bem tratados”, ressalta.

Fãs de fora


A comida dos bastidores já ganhou admiradores à mesa. No Rex Bibendi, uma cliente fiel, não só ficou intrigada com o cheirinho que vinha da cozinha, como fez questão de provar o que os funcionários estavam comendo. A curiosidade virou hábito. “Ela vem todos os sábados e sempre pede: ‘quero comer isso que vocês estão comendo’, e não importa se é um simples arroz com frango ou algo mais elaborado”, compartilha a chef.


O episódio mais curioso foi quando, numa sexta-feira, a mesma cliente pediu para reservar a comida de funcionário para o dia seguinte. No entanto, Jana estaria no Cabernet e disse que não seria possível. “Pensei que ela iria desistir, mas, quando cheguei ao Cabernet, no sábado, não é que ela apareceu lá também só para comer a refeição dos funcionários?”, ri Jana, ao contar o caso.

Rotatividade


Nos bastidores dos restaurantes comandados pelo chef Yves Saliba – Pastaio, Per Lui e Odoyá, todos na Região Centro-Sul de BH –, a comida de funcionário é também um momento de criatividade e até de uma competitividade saudável. A dinâmica reflete a troca entre a equipe: cada cozinheiro é responsável por um dia da semana, assumindo a tarefa de preparar o almoço ou jantar para todos.

Pratos únicos roubam a cena na refeição coletiva do Per Lui, como a lasanha de costela, servida com arroz e salada
Pratos únicos roubam a cena na refeição coletiva do Per Lui, como a lasanha de costela, servida com arroz e salada Marcos Vieira/EM/D.A Press


“Faço isso porque, por exemplo, o Per Lui é um restaurante só de menu degustação, então dificilmente vamos ter uma cozinha base. É uma oportunidade deles praticarem isso em grande quantidade, já que somos quase 20 funcionários. É uma forma das pessoas se divertirem fazendo uma comida que é nossa”, afirma Yves.


Caso o cozinheiro não informe a opção desejada, a decisão fica por conta da equipe de liderança. O cardápio nunca é o mesmo, e a única exigência é que seja feita uma refeição completa. Essa liberdade gera um leque variado de opções, com dias vegetarianos e dias com proteína animal. Há também momentos em que pratos únicos roubam a cena, como a lasanha de costela, servida apenas com salada para acompanhar.


Clássicos como frango com quiabo, feijão-tropeiro e variações de arroz caldoso – galinhada, arroz de costela e arroz de rabada – também são presenças frequentes. Já no Odoyá, restaurante voltado aos frutos do mar, os insumos usados nas refeições muitas vezes vêm do reaproveitamento da produção, evitando desperdício e garantindo pratos frescos e saborosos.

Espírito coletivo


A rotatividade cria uma competição saudável entre a equipe. “Se na terça-feira alguém faz uma comida que todos adoraram, a pessoa da quarta já se sente desafiada a fazer algo ainda melhor e mais gostoso. Fica uma sensação coletiva dos funcionários de cozinhar com muito carinho, porque vamos saber quem fez. Isso gera um alto-astral na equipe”, conta o chef.


Esse clima amistoso contagia até os garçons, que percebem quando a comida está acima da média e fazem questão de aplaudir.


Por outro lado, Yves compartilha os “perrengues” do cotidiano. “Sempre falamos de coisas boas. Mas, às vezes, os funcionários ficam atolados. Tem dias em que eles se atrasam nas praças e acabam deixando a desejar. Nem sempre é só alegria”, menciona.


Sabor caseiro



No Dorsé Bar e Restaurante, um dos pioneiros do agito na Rua Sapucaí, Região Leste de BH, a comida dos funcionários une a simplicidade e o sabor caseiro. Conhecido por seu cardápio voltado para grelhados e guarnições, o Dorsé reserva um momento especial para a equipe, que almoça diariamente às 10h30 – uma hora antes da abertura – no que eles chamam carinhosamente de “rango dos funça”.

Sempre ao fim do expediente, os cozinheiros do Dorsé se reúnem e discutem o cardápio do dia seguinte
Sempre ao fim do expediente, os cozinheiros do Dorsé se reúnem e discutem o cardápio do dia seguinte Leandro Couri/EM/D.A Press


“A gente brinca que é a melhor comida que tem, porque fazemos uma refeição bem caseira”, conta o proprietário, Elmo Barra.


No cardápio dos funcionários, sempre tem salada, arroz, feijão, uma carne (porco, boi ou frango) e legumes refogados como inhame, abóbora, couve e abobrinha. As estrelas da casa são a carne cozida e a carne de panela, sempre bem temperadas com coentro e pimenta – uma preferência trazida por boa parte da equipe, oriunda do Norte de Minas.


Nos fins de semana, a comida ganha “cara de domingo”, com pratos como salpicão, macarronese e frango assado. “A alimentação dos funcionários precisa estar bem alinhada, porque é o dia a dia, um momento de descompressão para comer bem”, explica o dono, que também faz questão de almoçar junto com a equipe todos os dias.

Liberdade para criar


O cardápio não é fixo e quem decide e prepara são os próprios cozinheiros. Sempre ao fim do expediente, eles se reúnem e fazem a pergunta que norteia o dia seguinte: “O que vamos fazer para comer amanhã?”. Essa liberdade na criação das refeições garante variedade e um toque pessoal em cada prato, sempre inspirado na realidade de quem cozinha e come em casa.


Um detalhe curioso é como o “rango dos funça” despertou a curiosidade dos clientes. Antes da obra de revitalização que transformou a Sapucaí em um point gastronômico e cultural, Barra conta que era comum as pessoas sentirem o aroma do almoço dos funcionários, ao caminhar pela rua, e perguntarem: “Já estão almoçando? Esse cheiro está bom demais! Isso tem que entrar no cardápio!”.


Apesar da sugestão recorrente, a ideia nunca foi colocada em prática devido à extensa oferta já disponível para a clientela.

Nem só hambúrguer


No Nimbos Bar, aclamado recentemente como a casa do melhor hambúrguer do Brasil, a rotina dos funcionários vai muito além dos famosos sanduíches que conquistaram os paladares. Curiosamente, o hambúrguer – estrela da casa – não é a refeição diária da equipe.

O jantar no Nimbos, que pode ter arroz, feijão, salada de batata alemã e isca de frango ao molho de mostarda, é servido às 17h
O jantar no Nimbos, que pode ter arroz, feijão, salada de batata alemã e isca de frango ao molho de mostarda, é servido às 17h Túlio Santos/EM/D.A Press

Segundo o chef Luiz Moreira, a alimentação é pensada de forma equilibrada e diversificada. “Acho que seria cansativo e não seria muito legal comer hambúrguer todos os dias. Por isso, fazemos uma refeição completa”, afirma.


A cozinha da Nimbos serve pratos que seguem o conceito de uma alimentação balanceada: arroz, feijão, vegetais, salada e uma proteína sempre fazem parte do cardápio. Como exemplo, Moreira cita o jantar composto por berinjela tostada com ervas, uma salada fresca de rúcula com molho de mostarda, arroz, feijão e tulipa de frango temperada com alho.


A responsabilidade dessa seleção cuidadosa é da chef de cozinha Camila Ribeiro, que também comanda o estabelecimento. “Parte dos insumos vem de uma cozinha de produção central, que abastece todos os restaurantes do grupo ao qual o Nimbos pertence. A partir desses ingredientes, ela faz adaptações e cria variações, garantindo diversidade no dia a dia”, explica Luiz.


O jantar é servido pontualmente às 17h, momento em que toda a equipe faz uma pausa conjunta para comer antes da abertura da casa, às 18h.


Mas como ninguém é de “ferro”, o hambúrguer também aparece ocasionalmente, como uma variação dentro do menu. Até porque é difícil resistir ao carro-chefe – o “Shablei”, com hambúrguer de 180 gramas, requeijão de corte, bacon, cebola caramelizada, mel e rúcula – e tantos outros sucessos premiados.


Self-service à vontade


“Tudo o que está disponível no balcão para qualquer cliente pagar é o que o meu funcionário tem para comer”. É o que diz Filipe Assis, sócio de um dos primeiros self-services de BH – o Couve&Flor, situado no Santo Agostinho, Região Centro-Sul de BH –, ao lado da mãe, Alice. No restaurante, prestes a completar 34 anos, a relação entre comida e equipe também tem uma história especial.

Como todo dia tem um cardápio diferente, ninguém enjoa de comer no bufê do Couve
Como todo dia tem um cardápio diferente, ninguém enjoa de comer no bufê do Couve Leandro Couri/EM/D.A Press


Desde a inauguração, em 1991, quando o modelo self-service ainda era novidade na capital mineira, a filosofia sempre foi clara: o funcionário é também um embaixador da comida. “Desde quando abriu, o funcionário foi pensado como uma pessoa fazendo a propaganda da comida”, explica o filho, que cresceu entre as panelas do Couve&Flor, desde os sete anos, até “pular de cabeça” definitivamente e formar uma dupla com a mãe.


O self-service cria uma conexão direta entre a equipe e os pratos servidos – e o cardápio, sempre variado, é um reflexo disso. Durante a semana, as opções mudam todos os dias, indo de quibe assado a frango à milanesa, passando por estrogonofe, bife à cavalo, escondidinho de carne de sol e até canja feita na hora.


Às sextas-feiras, a tradição é a feijoada, enquanto nos fins de semana o menu fica mais sofisticado, com filé-mignon, bacalhau e camarão. “Todo dia é uma coisa diferente, então a pessoa não enjoa do que come aqui. São sempre 15 opções de salada e 19 pratos quentes, sendo cinco carnes”, destaca o sócio.

Qualidade no serviço


Para Filipe, a integração entre funcionários e cardápio tem um impacto direto na qualidade do serviço.

“Acredito que existe um lado humano muito forte no fato de o funcionário comer o que ele vai vender. Isso reflete no trato com o cliente”, comenta, ao se referir à resistência de alguns lugares em oferecer o mesmo nível de alimentação aos clientes e à equipe. O sócio acredita que a qualidade vem bem antes de o prato chegar à mesa – começa na experiência de quem faz tudo acontecer.


No restaurante, o horário de almoço dos funcionários começa às 10h30, antes da abertura oficial da casa, às 11h, garantindo que todos estejam prontos para o atendimento. O sistema de rodízio organiza as refeições: primeiro almoçam os que lidam diretamente com o público, depois é a vez da equipe da cozinha, sempre alternando para não interromper o fluxo de trabalho. “Quando um volta, outro sai”, afirma Filipe.

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À tarde, quando a fome reaparece, eles fazem um lanche com as delícias da casa – pode ser uma torta, como a de morangos com chocolate, o empadão de frango com requeijão ou algum outro quitute disponível.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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