TRANSFOBIA

Caso Alice: Justiça aceita denúncia e garçons viram réus por feminicídio

Arthur Caique Benjamin e William Gustavo de Jesus foram denunciados por feminicídio qualificado. Alice foi espancada ao deixar de pagar uma conta de R$ 22

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O 1º Tribunal do Júri Sumariante de Belo Horizonte aceitou a denúncia contra Arthur Caique Benjamin de Souza e William Gustavo de Jesus do Carmo, suspeitos de matar Alice Martins  Alves, espancada na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, em outubro deste ano.

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Os dois foram denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por feminicídio qualificado por motivo fútil. Na época do crime, a dupla trabalhava como garçom no bar Rei do Pastel, onde a vítima estava momentos antes de ser atacada.

Ao aceitar a denúncia, os homens são considerados réus no processo criminal e poderão, após audiência de instrução, ser julgados pelo Tribunal do Júri da capital. Apesar da decisão, a dupla responderá em liberdade e terá 10 dias para apresentar sua defesa técnica ao juízo.

Alice foi perseguida e atacada por dois homens na madrugada de 23 de outubro. Durante o registro de ocorrência, em 5 de novembro, ela relatou que não conhecia os suspeitos e identificou um deles apenas como homem, branco, cabelos escuros, usando calça jeans e camisa preta. No entanto, em áudios divulgados à imprensa, uma pessoa afirmava que os envolvidos trabalham no estabelecimento que a vítima estava horas antes.

De acordo com a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, parte integrante do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a motivação do crime foi mascarada por uma dívida da vítima de R$ 22.

No entanto, áudios de uma câmera de segurança e a intensidade das agressões comprovaram que Alice foi espancada por transfobia. A delegada explica que, apesar disso, os homens foram indiciados por feminicídio, pela condição de gênero da vítima.

Os réus, de 20 e 27 anos, trabalhavam no bar Rei do Pastel no dia dos fatos. As investigações constataram que o mais velho, foi quem atendeu a vítima e comandou a perseguição e o ataque. O homem possui passagem por tentativa de roubo e consumo de drogas e foi demitido pelo estabelecimento, mas ainda fazia trabalhos de freelancer.

“Especialmente o autor mais velho teve uma atuação mais ativa. Ele comandou a ação perpetrada contra a Alice e comandava as agressões de forma mais ativa [...] Em vários momentos, ele se referiu a Alice pelo pronome masculino, e proferindo injúrias masculinas como safado e ladrão. Isso já dava a entender essa motivação transfóbica”, afirmou França.

Na época dos fatos, Alice demorou a procurar a polícia para registrar a ocorrência. Em um primeiro momento, durante o boletim confeccionado em 5 de novembro a mulher trans afirmou que foi atacada por um homem e o identificou de maneira genérica como: branco, de cabelos pretos, usando camisa e calça escura.

O que disseram os suspeitos?

Os suspeitos já foram ouvidos pela Polícia Civil na semana seguinte à morte de Alice. Durante o depoimento, os homens confessaram que perseguiram a vítima para cobrar a fatura não paga. No entanto, eles negaram que agrediram a mulher.

Segundo a delegada Iara França, os suspeitos, acompanhados de uma advogada, afirmam que ao abordarem a cliente, ela teria se jogado no chão e começado a se bater. Além disso, ela teria batido a própria cabeça no meio-fio, quebrado o nariz, e tentado chutá-los.

A versão foi desmentida pelas investigações, já que nenhum dos dois tinha algum tipo de lesão e os ferimentos seriam difíceis de ser autoinfligidos. Além disso, segundo a delegada, ambos estavam em uma “situação de superioridade não só numérica, mas de porte físico também" e Alice ficou, o tempo todo, muito amedrontada.

"Ela havia feito uso de bebida alcoólica, não conseguia compreender muito bem o que estava ocorrendo. Ela estava com uma bolsa, onde claramente aparecia o celular e a carteira, e esses dois garçons em momento nenhum pegaram esses R$ 22 na carteira, o interesse deles era realmente punir a Alice pela questão da identidade de gênero dela", reforçou Iara.

Durante as oitivas, conforme a PCMG, os autores reconheceram as próprias vozes nos áudios que foram captados nas proximidades do local. Questionada sobre se os clientes foram atrás de Alice, Susan Santos, advogada dos suspeitos, afirmou que a dupla correu até a cliente a mando do gerente do Bar Rei do Pastel.

A advogada dos acusados de espancar Alice reforçou a inocência dos homens. Em entrevista ao Estado de Minas, Susan Santos, afirmou que, apesar do fechamento do inquérito, a investigação não tem “certeza” da autoria das agressões contra Alice. A defensora afirmou, também, que os clientes não possuem aversão ao grupo trans e, uma prova disso, é que os dois trabalhavam “em uma região frequentada por todos os grupos”.

“As autorias que tentam imputar são circunstanciais. Depoimentos que foram mudados várias vezes, para imputar aos meus clientes o crime horrendo”, disse.

Susan ainda explicou que os clientes, principalmente, o mais velho, indicado pela Polícia Civil como comandante do crime, estão sendo perseguidos. A advogada enfatiza que a sociedade está culpando o homem, “principalmente” por ele ter passagem pelo sistema prisional.

“Os dois estão sofrendo muito, com a inversão que a investigação tomou nas últimas semanas. Nós todos sentimos a dor do pai dela. Sabemos que é peculiar cuidar desse caso. Mas a população tem que entender que julgar inocentes seria matar a memória de Alice pela segunda vez”, afirmou Susan.

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O que se sabe sobre o crime?

  • Alice esteve na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, na noite de 22 de outubro
  • A mulher trans esteve em uma unidade do Bar Rei do Pastel e, por volta de 23 horas foi para outra unidade, a poucos metros de distância
  • No segundo bar, ela consumiu bebidas alcoólicas e foi embora, depois de 00h, sem pagar a conta de R$ 22
  • Assim que saiu, em direção a Avenida Getúlio Vargas, Alice foi perseguida por dois funcionários do bar
  • Eles a encurralaram na mesma avenida, próximo a esquina com a Rua Sergipe, e a cobraram a conta
  • Uma câmera de segurança gravou o momento que a mulher afirma que quitou o débito, mas é desacreditada pelos garçons
  • O equipamento de segurança flagrou o momento que a vítima começou a gritar por socorro, enquanto é ameaçada e agredida pelos homens
  • Alice pediu socorro 12 vezes
  • As agressões continuam por mais de 10 minutos e só param depois que um motoboy interveio ao crime
  • A Polícia Militar e o Samu chegam ao local e levam Alice até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul
  • Na unidade de saúde ela é medicada e liberada
  • Em 2 de novembro, Alice é novamente levada a um pronto atendimento onde constatam fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo
  • Em 8 de novembro, em nova internação, Alice é diagnosticada com perfuração no intestino
  • Em 9 de novembro, ela é submetida a uma cirurgia de emergência e morre por infecção generalizada

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