Caso Alice: suspeito atacou mulher trans por não receber gorjeta de R$ 2,20
Alice foi espancada em 23 de outubro após sair de um bar sem pagar. Ela morreu em 9 de novembro após ter o intestino perfurado por costela quebrada
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A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu que um dos suspeitos de perseguir e espancar Alice Martins Alves, em outubro deste ano, decidiu cometer o crime por não receber uma gorjeta de R$ 2,20, referente a uma conta de R$ 22 não paga pela vítima. A informação consta no pedido de prisão preventiva enviado pela corporação à Justiça, em 13 de novembro, quatro dias depois da morte da mulher trans. Os investigados foram identificados como dois funcionários que trabalhavam como garçons no Bar Rei do Pastel.
De acordo com o documento, ao qual o Estado de Minas teve acesso, os investigadores ouviram um gerente do estabelecimento, que afirmou ser normal que alguns clientes saiam sem pagar a conta. O homem também explicou que nenhum funcionário é orientado a perseguir consumidores que deixaram de quitar as faturas. Além disso, o depoente enfatizou que os valores de consumos não pagos não são descontados do salário dos garçons, mas o 10% referente à conta não é repassado.
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Por isso, em seu pedido de prisão preventiva, a delegada Iara França, responsável pelo inquérito, enfatizou que o investigado “decide espancar Alice por não receber uma gorjeta de dois reais e vinte centavos”. Além disso, a policial explicou que, apesar de haver indícios de que as agressões sofridas pela vítima tenham sido motivadas por uma dívida, a Polícia Civil também trabalha com a hipótese de que a mulher foi vítima de transfobia.
“Certamente, se a cliente em questão fosse uma mulher cisgênero, os suspeitos não iriam agredi-la com tanta intensidade. Porém, ao acreditarem que estavam batendo em um homem, pesou muito mais o tom das agressões”, consta no documento assinado pela delegada.
Prisão preventiva
O inquérito que apura as circunstâncias da morte de Alice está sendo finalizado. Em 13 de novembro, quatro dias depois da morte de Alice, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) enviou um pedido ao 1º Tribunal Sumariante do Tribunal do Júri de Belo Horizonte pela prisão preventiva dos suspeitos. No dia seguinte, em 14 de novembro, o MPMG reforçou a importância da detenção e se manifestou favorável à medida liminar. O documento foi indeferido pela Justiça, no entanto, na última quarta-feira (26/11), o MPMG enviou um recurso sobre a decisão.
No documento, ao qual o Estado de Minas teve acesso, o Ministério Público destaca que as investigações comprovaram que a motivação do crime foi torpe e fútil. “Trata-se de crime hediondo (feminicídio), praticado por motivo fútil, torpe e utilizando-se de recurso que dificultou a defesa da vítima (que estava embriagada), ação violenta, covarde e desproporcional”, afirmou o MPMG.
Além disso, a promotoria destacou que a materialidade e os indícios de autoria são suficientes para que o pedido seja expedido. De acordo com o documento, os garçons foram identificados por outro funcionário do estabelecimento, que foi categórico em seu reconhecimento. O MPMG também argumentou que um dos suspeitos possui registros criminais por tentativa de roubo e uso de drogas.
“A frieza dos investigados, que, segundo o gerente, retornaram ao trabalho ‘calmamente’ após o crime, e a própria natureza bárbara do delito indicam que quaisquer medidas cautelares diversas da prisão são inadequadas e insuficientes”, informou.
O que decidiu a Justiça?
Apesar dos pedidos de prisão preventiva, até o momento a Justiça ainda não determinou a medida cautelar. Em sua primeira decisão, a juíza Ana Carolina Rauen argumentou que não há elementos suficientes que comprovem que a causa da morte de Alice tenha relação direta com as agressões sofridas. Além disso, a magistrada afirmou que, até o momento, a investigação não mostrou qual foi a participação de cada investigado, estando a informação “nebulosa” e, por isso, demanda “melhor aprofundamento na individualização de suas ações”.
No recurso, enviado ao Tribunal Sumariante, o Ministério Público afirmou que a magistrada não considerou a gravidade do crime. Em relação ao argumento da juíza de que não há indícios que comprovem que o óbito teve relação com os ferimentos provocados pelo ataque, o promotor Guilherme de Sa Meneghin afirmou que registros médicos comprovaram que as fraturas de três costelas de Alice causaram a perfuração do intestino.
“Embora o laudo pericial inicial não tenha atestado perigo de vida ou incapacidade superior a 30 dias, ele é datado de 05/11/2025, antes do óbito ocorrido em 09/11/2025 por sepse resultante da perfuração intestinal causada por fragmento de costela fraturada, conforme consta da própria narrativa judicial e do requerimento do Ministério Público (MP) para obtenção de laudo complementar”, argumentou.
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O que se sabe sobre o crime
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Alice esteve na Savassi, região Centro-Sul de Belo Horizonte, na noite de 22 de outubro.
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A mulher trans esteve em uma unidade do Bar Rei do Pastel e, por volta das 23 horas, foi para outra unidade, a poucos metros de distância.
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No segundo bar, ela consumiu bebidas alcoólicas e foi embora, depois de 00h, sem pagar a conta de R$ 22.
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Assim que saiu, em direção à Avenida Getúlio Vargas, Alice foi perseguida por dois funcionários do bar.
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Eles a encurralaram na mesma avenida, próximo à esquina com a Rua Sergipe, e cobraram a conta.
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Uma câmera de segurança gravou o momento em que a mulher afirma ter quitado o débito, mas foi desacreditada pelos garçons.
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O equipamento de segurança flagrou o momento em que a vítima começou a gritar por socorro, enquanto era ameaçada e agredida pelos homens.
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Alice pediu socorro 12 vezes.
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As agressões continuaram por mais de 10 minutos e só pararam depois que um motoboy interveio.
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A Polícia Militar e o Samu chegaram ao local e levaram Alice até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul.
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Na unidade de saúde, ela foi medicada e liberada.
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Em 2 de novembro, Alice foi novamente levada a um pronto atendimento, onde constataram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo.
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Em 8 de novembro, em nova internação, Alice foi diagnosticada com perfuração no intestino.
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Em 9 de novembro, ela foi submetida a uma cirurgia de emergência e morreu por infecção generalizada