CASO ALICE

‘Julgar inocentes seria matar a memória de Alice’, diz defesa de suspeitos

Garçons do bar Rei do Pastel foram denunciados por feminicídio. Alice Martins Alves morreu em 9 de novembro por consequências das agressões sofridas

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A advogada dos suspeitos de espancar Alice Martins Alves, de 33 anos, na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte (MG), reafirmou a tese que os homens denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por feminicídio qualificado são inocentes.

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A vítima, uma mulher trans, foi atacada em 23 de outubro depois de sair do bar Rei do Pastel sem pagar uma conta de R$ 22. Ela morreu 17 dias depois, em 9 de novembro, depois de ter o intestino perfurado por uma das três costelas quebradas durante as agressões. Na quarta-feira (3/12) a Polícia Civil de Minas Gerais indiciou a dupla.

Em entrevista ao Estado de Minas, Susan Santos, advogada dos suspeitos, afirmou que, apesar do fechamento do inquérito, a investigação não tem “certeza” da autoria das agressões contra Alice. A defensora afirmou, também, que os clientes não possuem aversão ao grupo trans e, uma prova disso, é que os dois trabalhavam “em uma região frequentada por todos os grupos”.

“As autorias que tentam imputar são circunstanciais. Depoimentos que foram mudados várias vezes para imputar aos meus clientes o crime horrendo”, disse.

Susan ainda explicou que os clientes, principalmente o mais velho, indicado pela Polícia Civil como comandante do crime, estão sendo perseguidos. A advogada enfatiza que a sociedade está culpando o homem, “principalmente” por ele ter passagem pelo sistema prisional.

“Os dois estão sofrendo muito com a inversão que a investigação tomou nas últimas semanas. Nós todos sentimos a dor do pai dela. Sabemos que é peculiar cuidar desse caso. Mas a população tem que entender que julgar inocentes seria matar a memória de Alice pela segunda vez”, afirmou Susan.

Indiciamento

De acordo com a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a motivação do crime foi mascarada por uma dívida da vítima de R$ 22.

No entanto, áudios de uma câmera de segurança e a intensidade das agressões comprovaram que Alice foi espancada por transfobia. A delegada explica que, apesar disso, os homens foram indiciados por feminicídio, pela condição de gênero da vítima.

Os suspeitos, de 20 e 27 anos, trabalhavam no Rei do Pastel no dia dos fatos. As investigações constataram que o mais velho foi quem atendeu a vítima e comandou a perseguição e o ataque. O homem possui passagem por tentativa de roubo e consumo de drogas e foi demitido pelo estabelecimento, mas ainda fazia trabalhos de freelancer.

“Especialmente o autor mais velho teve uma atuação mais ativa. Ele comandou a ação perpetrada contra a Alice e comandava as agressões de forma mais ativa [...] Em vários momentos, ele se referiu à Alice pelo pronome masculino, e proferindo injúrias masculinas como safado e ladrão. Isso já dava a entender essa motivação transfóbica”, afirmou França.

Na época dos fatos, Alice demorou a procurar a polícia para registrar a ocorrência. Em um primeiro momento, durante o boletim confeccionado em 5 de novembro, a mulher trans afirmou que foi atacada por um homem e o identificou de maneira genérica como: branco, de cabelos pretos, usando camisa e calça escura.

O que disseram os suspeitos?

Os suspeitos já foram ouvidos pela Polícia Civil, na semana seguinte à morte de Alice. Durante o depoimento os homens confessaram que perseguiram a vítima, para cobrar a fatura não paga. No entanto, eles negaram que agrediram a mulher.

Segundo a delegada Iara França, os suspeitos, acompanhados de uma advogada, afirmam que ao abordarem a cliente, ela teria se jogado no chão e começado a se bater. Além disso, ela teria batido a própria cabeça no meio fio, quebrado o nariz, e tentado chutá-los.

A versão foi desmentida pelas investigações, já que nenhum dos dois tinha algum tipo de lesão e os ferimentos seriam difíceis de ser autoinfligidos. Além disso, segundo a delegada, ambos estavam em uma “situação de superioridade não só numérica, mas de porte físico também" e Alice ficou, o tempo todo, muito amedrontada.

"Ela havia feito uso de bebida alcoólica, não conseguia compreender muito bem o que estava ocorrendo. Ela estava com uma bolsa, onde claramente aparecia o celular e a carteira, e esses dois garçons em momento nenhum pegaram esses R$ 22 na carteira, o interesse deles era realmente punir a Alice pela questão da identidade de gênero dela", reforçou Iara.

Durante as oitivas, conforme a PCMG, os autores reconheceram as próprias vozes nos áudios que foram captados nas proximidades do local. Questionada sobre se os clientes foram atrás de Alice, Susan Santos, advogada dos suspeitos, afirmou que a dupla correu até a cliente a mando do gerente do Rei do Pastel.

“Eles, a mando do gerente, foram cobrar. Mas não a espancaram, ou a chamaram de “ele”. E vendo que ela estava sob forte efeito de álcool, voltaram para o bar para recolher as mesas”, disse a representante legal.

No entanto, a alegação não bate com o depoimento do funcionário, que confirmou à polícia que nenhum garçom é orientado a perseguir clientes que não pagaram contas, para cobrá-los. Em sua fala, o homem também afirmou que o valor de faturas não pagas não são debitadas do salário dos garçons. Apesar disso, eles deixam de receber a gorjeta, de 10% do valor do consumo. No caso de Alice seria R$ 2,20.

O que disse o gerente?

Em sua oitiva, o gerente noturno da unidade do Rei do Pastel, que Alice estava antes de ser perseguida e espancada, afirmou que no dia do crime, por volta de 1h, um funcionário o procurou e disse que dois garçons estavam do outro lado da rua e que iria até o local buscá-los. Ao voltar, o funcionário afirmou que um dos colegas “discutiu” com uma cliente que saiu sem pagar.

Assim que recebeu a informação, o gerente perguntou qual a necessidade de ir atrás da cliente, já que isso nunca foi orientado por ele, ou por outra chefia do bar. Em resposta, o funcionário afirmou que “parecia” que a mulher havia se machucado. Ainda segundo a versão prestada à polícia, o homem ao ver que havia viaturas da Polícia Militar e do Samu no local, ficou mais “tranquilo”. E que não perguntou ao garçom qual teria sido o teor da discussão, uma vez que acreditou que a situação estava resolvida.

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O que se sabe sobre o crime?

  • Alice esteve na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, na noite de 22 de outubro
  • A mulher trans esteve em uma unidade do Bar Rei do Pastel e, por volta de 23 horas foi para outra unidade, a poucos metros de distância
  • No segundo bar, ela consumiu bebidas alcoólicas e foi embora, depois de 00h, sem pagar a conta de R$ 22
  • Assim que saiu, em direção a Avenida Getúlio Vargas, Alice foi perseguida por dois funcionários do bar
  • Eles a encurralaram na mesma avenida, próximo a esquina com a Rua Sergipe, e a cobraram a conta
  • Uma câmera de segurança gravou o momento que a mulher afirma que quitou o débito, mas é desacreditada pelos garçons
  • O equipamento de segurança flagrou o momento que a vítima começou a gritar por socorro, enquanto é ameaçada e agredida pelos homens
  • Alice pediu socorro 12 vezes
  • As agressões continuam por mais de 10 minutos e só param depois que um motoboy interveio ao crime
  • A Polícia Militar e o Samu chegam ao local e levam Alice até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul
  • Na unidade de saúde ela é medicada e liberada
  • Em 2 de novembro, Alice é novamente levada a um pronto atendimento onde constatam fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo
  • Em 8 de novembro, em nova internação, Alice é diagnosticada com perfuração no intestino
  • Em 9 de novembro, ela é submetida a uma cirurgia de emergência e morre por infecção generalizada

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