O que são as "viagens fantasmas" que ameaçam a volta para casa na Grande BH
Antes de os ônibus metropolitanos pararem de circular à noite, passageiros enfrentam dificuldades com viagens que podem ser canceladas por decisão das empresas
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Ribeirão das Neves e Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tinham atendimento regular de ônibus nas madrugadas antes da pandemia, mas o corte de viagens devido à queda de passageiros no sistema levou ao fim de todas as viagens após a meia noite. Porém, antes mesmo que os ônibus parem de rodar, os moradores das duas cidades – que juntas somam mais de 400 mil habitantes – enfrentam uma série de dificuldades para chegar em casa no fim do dia. Problemas que vão desde baldeações com horário apertado a ter que confiar em “viagens fantasmas”, que podem ser cortadas de um dia para o outro, bastando para isso a decisão da empresa de transporte.
Quem depende do Move Metropolitano no período noturno passa por algumas situações particulares. As estações Tupinambás e Espírito Santo, no Centro da capital, por exemplo, contam com bilheteria apenas até as 21h, bem antes da chegada dos últimos ônibus da noite. Depois desse horário, quem paga a passagem em dinheiro precisa caminhar por 1,5 quilômetro, somando ida e volta, até a bilheteria da Estação Oiapoque – o que toma um tempo precioso daqueles que ainda precisam pegar mais um coletivo no terminal.
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“Bilheteria aqui é sem chance. Às vezes, chega uma pessoa igual o rapaz ali, que queria comprar passagem, mas a bilheteria já estava fechada. Ele até me pediu para passar meu cartão e ficar com o dinheiro, mas infelizmente não deu. Até o meu saldo está acabando”, relata José Carlos Martins, de 40 anos, trabalhador na área de manutenção e usuário diário da linha 521C (Terminal Justinópolis/BH) na Estação Tupinambás.
José Carlos costuma pegar o que seria o penúltimo ônibus da noite, às 23h45, mas não é sempre que o coletivo passa. Isso acontece pois a chamada “viagem fantasma” não consta no quadro de horários da linha, sendo considerada viagem extra. Assim, nos dias que a empresa não faz o horário, os passageiros têm de esperar pelo último ônibus – e, sendo uma viagem não oficial, a operadora não é punida quando não a faz.
Esse expediente se repete em outras linhas do Terminal Justinópolis, como na 5391 (Felixlândia) e na 5416 (Suely), que mantêm um horário não oficial à 0h45. Os cerca de quinze passageiros de cada uma das duas linhas que embarcaram no dia em que a equipe de reportagem visitou o terminal enfrentam a incerteza sobre ter ou não esse ônibus no dia seguinte.
(Essa reportagem faz parte de um especial em três partes. Confira as outras matérias no fim da página).
Integração às avessas
A volta para casa da técnica de enfermagem Maiara de Moura, moradora de Vespasiano, precisa ser bem mais cedo para conseguir pegar o último 5882 (Terminal Vilarinho/Lagoa Santa) a tempo. “Eu saio às 22h do trabalho, no Bairro Grajaú. Pego um ônibus que me deixa no Centro, depois pego o metrô e, por fim, esse ônibus de agora. Quando o metrô atrasa e eu chego aqui depois que o último ônibus passou, tenho que pegar um Uber”, relata.
O último ônibus do trajeto de Maiara sai às 23h30 do terminal, antes da chegada da última viagem de metrô (23h45) e do último Move (0h20). Essa incompatibilidade de horários faz com que a técnica de enfermagem deixe a sua equipe de sobreaviso para que possa sair no horário exato. “Como era meu primeiro emprego na área, eu não pude escolher horário. O primeiro que me ofereceram eu aceitei. Esse horário de 22h é uma luta mesmo. Se eu perder o horário do ônibus, acabou.”, conta.
Durante a viagem, a maior parte dos passageiros que embarcaram no 5882 desceram em Vespasiano, assim como Maiara, pagando uma passagem mais cara (R$ 10,80) do que a das linhas que ligam a cidade ao Terminal Vilarinho (R$ 7,75) – linhas que àquela altura da noite não circulam mais. Na sequência, outras cinco pessoas desceram no Bairro Aeronautas, já em Lagoa Santa. Conforme explicou o motorista, a garagem orienta que o itinerário da linha seja desviado para atender o bairro caso tenha passageiros para o destino nesse último horário da noite. Contudo, esse atendimento também não consta no quadro de horários oficial e pode ser cortado a qualquer momento.
Na chegada ao ponto final restou uma única passageira, que pela falta de ônibus para casa seguiu viagem numa carona. Antes da pandemia, Lagoa Santa contava com viagens metropolitanas durante a madrugada à 0h25, à 1h e às 2h30. Hoje, a cidade, assim como todas as outras da Grande BH, vive um vazio do transporte público até a manhã do dia seguinte.
O que diz o estado
A Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra) argumenta que os horários do sistema de transporte coletivo metropolitano foram ajustados conforme a demanda de passageiros, “que diminuiu significativamente, em todos os períodos do dia, desde o início da pandemia da COVID-19”. Segundo a pasta, o sistema atendia 1 milhão de passageiros por dia antes da crise sanitária, e hoje transporta cerca de 550 mil usuários diários, “o que confirma a necessidade da adequação”.
Questionada sobre a existência de estudos ou previsão para retomar as viagens noturnas do sistema, a Seinfra informou que monitora, continuamente, a operação do transporte público, avaliando modificações necessárias para atender a demanda da população, “a fim de garantir a eficiência do transporte público da Região Metropolitana”.
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"A Seinfra esclarece que os quadros de horários das linhas 521C, 5416 e 5391 estão atualizados e disponíveis para consulta no site oficial do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), por meio do link http://www.consultas.der.mg.gov.br/grgx/sgtm/resultado_linha.xhtml", disse a pasta em nota.
Reportagens publicadas
Parte 1: O último "Trem" da noite: a luta da volta para casa em cidades da Grande BH
Parte 2: O que são as "viagens fantasmas" que ameaçam a volta para casa na Grande BH
Parte 3: Queda de demanda e redução de ônibus alimentam risco de colapso no "Trem"