Ensino superior

Auxílio estudantil: o aperto que ameaça a permanência de alunos na UFMG

Além da luta para entrar em uma das mais conceituadas federais do país, alunos de baixa renda enfrentam queda em programas sociais com aperto financeiro da UFMG

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Estudar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma das melhores do mundo, segundo o QS World University Rankings, e a melhor federal do Brasil, conforme ranking do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é um sonho para milhares de pessoas em todo o país. No entanto, driblar a concorrência para entrar na instituição pode não ser o maior desafio para estudantes de baixa renda, que precisam de auxílio para se manter no curso escolhido. De acordo com a UFMG, a quantidade de bolsas de assistência estudantil caiu 38% entre 2020 e 2024, passando de 141.409 para 87.491, o que expõe o desafio da permanência dos alunos.


Apesar de destinar 50% das vagas de ingresso na instituição para pessoas de baixa renda, conforme a Lei de Cotas, a UFMG ultrapassou o percentual neste ano e recebeu 57% dos estudantes com a renda familiar bruta mensal igual ou inferior a um salário mínimo per capita. Embora relevante, a quantidade de bolsas de assistência estudantil não acompanha o crescimento e impossibilita que todos esses alunos sejam contemplados com o auxílio, o que abre portas para situações de vulnerabilidade – especialmente entre os alunos vindos de cidades e estados diferentes dos campi, que nem sempre conseguem vaga na moradia estudantil disponibilizada pela universidade.


De acordo com a reitora da UFMG, a professora Sandra Regina Goulart, a Fundação Mendes Pimentel (Fump) contempla 30% desses alunos de baixa renda com algum tipo de assistência, seja bolsa, moradia, alimentação ou manutenção, mas ela reconhece que a demanda é maior do que a capacidade atual. “Nosso objetivo é sempre incluir o maior número possível de alunos , mas o orçamento é limitado”, constata reitora, que reforça o desejo de ampliar o acesso a esses recursos.


“Se compararmos com 2013, quando a gente começou a crescer, hoje a UFMG está 40% maior em termos de alunos e de professores. A infraestrutura cresceu um pouco, mas ainda não é adequada para o crescimento que a universidade teve. Nós estamos maiores, melhores, mais inclusivos, já que em 2013 ainda não havia essas cotas de escola pública. Ou seja, temos mais demanda orçamentária, mas nosso orçamento está menor do que o de 2011. Comparativamente, se aplicarmos o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ao orçamento de 2011, vamos verificar atualmente um orçamento menor”, afirma a reitora.


Mais demanda que oferta


O resultado é que o crescimento tampouco se reflete no número de estudantes atendidos pela Fump na UFMG no período entre 2020 e 2024, que passou de 9.009 para 9.235, um aumento de apenas 2,5%. Para financiar a assistência, a universidade usa recursos do governo federal – via Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) –, mas também recursos próprios e doações, classificando os alunos em níveis de necessidade. O nivelamento é feito pela fundação universitária, instituição única entre as federais do país, que gerencia os restaurantes e moradias estudantis, com objetivo de potencializar os recursos recebidos, executando a política determinada pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis.


Apesar das dificuldades, o índice de evasão na UFMG tem diminuído. Nos anos de 2019 e 2020, 26% dos alunos se desligaram ou desistiram formalmente do curso, sem concluí-lo. Já em 2023, último ano com os dados atualizados, o percentual caiu para 11%. Segundo a universidade, o quantitativo não inclui os casos de reopção de curso dentro da universidade. Atualmente, a federal conta com 35 mil estudantes na graduação.


A equação da dificuldade


Porém, mesmo com a queda na evasão na graduação, as dificuldades socioeconômicas, somadas às adversidades próprias do período da faculdade – como a exigência de estágios e projetos, além da vasta carga teórica dos cursos da federal – evidenciam o problema. A necessidade de conciliar os estudos em uma das melhores universidades do país com trabalho, muitas vezes sem vínculos empregatícios e direitos trabalhistas, é exaustiva. Quando esse rendimento é fundamental para pagar contas básicas, como aluguel e alimentação, a situação pode comprometer inclusive a saúde física e mental dos alunos.


É o que conta o estudante de Teatro Heros Pereira Pinto, de 24 anos. Natural de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ele precisa conciliar o curso com o trabalho de balconista em um bar, como freelancer. A dificuldade é agravada pelo turno de trabalho, que pode ir até 1h, enquanto, em alguns dias da semana, ele tem aula na UFMG a partir das 7h30. Considerando o tempo de deslocamento do trabalho para casa, atualmente na Região Centro-Sul de BH, além da realização de tarefas domésticas e do transporte até o campus, ele diz ter poucas horas de sono ao longo da semana.


“Eu me sinto realizando um sonho, mas ele é posto à prova o tempo todo, porque para estar lá eu tenho que me desdobrar em dois, entre trabalho e estudo. É como se a universidade, apesar de pública, não fosse um lugar pra pessoas como eu, e a falta de assistência escancara isso”, queixa-se, frustrado.

Desafio maior para os que vêm de fora


A situação é ainda pior para aqueles que mudam de estado em busca de uma oportunidade de qualificação. O estudante Gilberto da Silva Coutinho, de 22 anos, saiu de São Paulo (SP) para estudar Ciências Contábeis na UFMG, com a ideia de que seria assistido ao chegar à capital mineira. Para isso, deixou um emprego com que sustentava a si próprio e à mãe, que não tem renda, para ingressar na universidade e, então, tentar um estágio na área para voltar a ajudar a família. Porém, as coisas não aconteceram como ele imaginava.


Gilberto chegou a BH em março, tentou os auxílios, mas sem sucesso. Ele acreditava que conseguiria uma vaga na moradia estudantil da UFMG, na Avenida Fleming, no Bairro Ouro Preto, próximo ao campus Pampulha. Como não conseguiu, passou a morar em uma república com o dinheiro da rescisão do antigo trabalho, mas os recursos acabaram em abril.


Desamparado, buscou ajuda da Fump e descobriu várias informações que, segundo ele, os assistentes sociais não tinham passado antes, quando solicitou os auxílios. Ele sente que os estudantes precisam correr atrás da fundação o tempo todo, e entende que a situação não é a ideal, já que os alunos que vêm de outros estados precisam se adaptar a muitas coisas e ainda resolver várias questões relacionadas à mudança de vida.


“Para alguém que largou tudo em São Paulo para tentar uma oportunidade melhor – porque a UFMG, querendo ou não, pesa no currículo –, não conseguir auxílio, logo no primeiro semestre, é bem desanimador”, reclama.


Incerteza na renovação


Entre abril e maio deste ano, estudantes da UFMG, especialmente os assistidos pela Fundação Mendes Pimentel (Fump), reclamaram em redes sociais sobre o que consideraram falta de transparência da fundação em relação à renovação dos auxílios. Muitos relataram que os próprios assistentes sociais afirmaram que a renovação não ocorreria, devido ao corte de bolsas e de verbas por parte do governo federal. Em nota, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) e a Fump informaram que “a renovação dos auxílios estudantis pelos períodos habituais, assim como a publicação da Chamada Prae/FUMP, para os estudantes que ingressaram na UFMG em 2025, estão asseguradas”.


No entanto, a incerteza permaneceu para muitos dos que dependem de apoio. De acordo com o estudante de Teatro Heros Pereira, que já tinha ingressado em outro curso da instituição no passado, trancado posteriormente, e só tinha conseguido se manter devido aos auxílios conquistados, é quase impossível para pessoas de baixa renda estudar sem assistência da universidade. Ele conta que passou o primeiro semestre deste ano tentando os auxílios da Fump, que só foram liberados recentemente e ainda não foram depositados. Para ele, conseguir a assistência está sendo mais difícil atualmente.


“Entrei na UFMG em 2020 para fazer museologia. Na época da pandemia, eles estavam mais tranquilos, pela situação que estávamos vivendo, e consegui os auxílios de forma mais fácil. Também consegui de forma mais simples quando entrei no Teatro Universitário, mas quando entrei na graduação, não consegui manter os auxílios, que tinham me permitido estudar antes. Tive de trabalhar à noite e atrasei uns três meses de aluguel por causa dessa situação”, conta.


Diante das queixas, a UFMG reforça o compromisso com a equidade e a permanência estudantil. A instituição afirma que essa postura garantiu que não houvesse atraso “no pagamento das ações que compõem a política de permanência da UFMG, focada nos eixos de assistência, pertencimento e trajetória acadêmica qualificada”. “Ressaltamos o amplo esforço de diálogo que tem sido empreendido junto à comunidade na normatização da Política de Permanência da UFMG, reafirmando o nosso compromisso no combate às desigualdades sociais e econômicas, na garantia do acesso e permanência no ensino superior”, concluiu a instituição, em nota.


Arrocho e distensão


Conforme a dotação – valor autorizado em um orçamento público para cobrir uma despesa específica – da Lei Orçamentária Anual (LOA), sem correção, a UFMG conta com uma previsão de R$ 244,04 milhões para o exercício de 2025. O valor é 6,25% menor do que o de 2013, que totalizou R$ 260,37 milhões. A instituição aponta que sofreu diversas reduções orçamentárias até alcançar R$ 215 milhões em 2019, o mais baixo patamar da história.


Em 30 de abril, o governo federal publicou o Decreto 12.448, que estabelecia um cronograma de execução orçamentária do Poder Executivo para 2025. Com as regras, as universidades e institutos federais teriam que operar até novembro com apenas 1/18 do orçamento anual por mês. A medida impunha restrições de gestão significativas e limitava o uso das verbas discricionárias, consideradas fundamentais para o funcionamento das instituições.


A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), na qual a reitora Sandra Goulart é vice-presidente, se mobilizou para reverter a situação. Em junho, o governo anunciou que as instituições federais voltariam a receber 1/12 do orçamento por mês, o que representa o desbloqueio de R$ 300 milhões para pagamentos de água, luz e bolsas de permanência e pesquisa. Mas, para a Andifes, a recomposição ainda não é suficiente para que as instituições possam honrar com seus compromissos neste ano.


A conta que não fecha


Segundo a reitora da UFMG, os custos da universidade aumentam constantemente devido ao crescimento da infraestrutura, como novos prédios e laboratórios, e à elevação de preços, e o orçamento não acompanha esses aumentos, o que limita algumas ações.


Assim como em outras universidades do país, a infraestrutura é um grande desafio na UFMG. Segundo a instituição, nos últimos anos, especialmente no governo anterior, houve um corte de quase 90% no valor para investimentos no setor, que é o valor de capital. Recentemente, a federal tem contado com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para retomar obras de infraestrutura que estavam paralisadas.


Com recursos extraorçamentários, algumas obras paralisadas foram gradualmente retomadas. Foram entregues o prédio do CAD 3, em 2018, o anexo da Química, em 2020, o anexo da Faculdade de Educação (FaE), em 2022 e, no ano passado, os dois anexos da Escola de Belas Artes (EBA). A última obra acadêmica que estava interrompida, o anexo da Escola de Música, já foi reiniciada e deve ser concluída em 2026.

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O reforço via bolsas


Além do apoio direto da UFMG, com bolsas de manutenção, moradia física ou auxílio, alimentação subsidiada, apoio material, empréstimo de computador e saúde odontológica, a universidade oferece auxílios como bolsas acadêmicas, de ação afirmativa, de extensão, de iniciação científica, de graduação e monitoria. Entretanto, alunos que estão nos primeiros semestres da graduação têm desvantagem no momento de concorrer às vagas, uma vez que muitas bolsas só estão disponíveis para candidatos a partir do terceiro período. Uma situação que afeta, principalmente, os estudantes que precisam de amparo para superar financeiramente os primeiros meses na instituição. Segundo a reitora Sandra Regina Goulart, a intenção é aumentar o número de estudantes contemplados e ampliar os tipos de apoio, como o recente subsídio à alimentação para alunos de pós-graduação, mas isso depende de mais recursos.

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