Reitora da UFMG: "Orçamento para universidade não é gasto, é investimento"
Sandra Goulart fala sobre o desafio do corte de verbas, a nova seleção com provas anuais para entrar na UFMG e o futuro do ensino integral no Centro Pedagógico
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Inteligência Artificial usada na área de saúde. Esse é um dos projetos que a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Regina Goulart Almeida, destaca entre os mais relevantes mantidos pela instituição de ensino superior, ao lado da vacina contra a COVID-19, a SpiN-TEC, em fase final de desenvolvimento. O processo seletivo seriado – nova possibilidade de ingresso na UFMG – que começa ainda este ano, e planos para a comemoração do centenário da instituição de ensino, em 2027, também foram temas tratados em entrevista ao EM Minas, programa da TV Alterosa, em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai. Na conversa com a jornalista Carolina Saraiva, a dirigente falou ainda sobre corte de verbas por parte do governo federal, o fim do ensino integral no Centro Pedagógico/UFMG, e sobre a transferência da corrida da Stock Car deste ano, de BH para Curvelo, após polêmica que envolveu a maior federal de Minas. Confira a seguir os principais trechos da entrevista. O conteúdo também está disponível no canal do Portal Uai no YouTube.
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Começo perguntando para a senhora sobre a importância da UFMG. O que faz a UFMG, hoje, ser uma referência nacional?
A UFMG é uma universidade federal quase centenária: vamos fazer 100 anos em 2027. É uma instituição sólida, de destaque nacional e internacional. Também muito responsável e ciente do seu espaço aqui em Minas. Ao longo desses anos todos, temos procurado contribuir, cada vez mais, não apenas para nosso país, mas, principalmente, para Minas Gerais, que é onde estamos, com os vários campi também.
A senhora pode destacar dois projetos da UFMG que não podem deixar de ser citados e que fazem a universidade ser o que ela é?
Temos muitos, escolher dois é até difícil, porque a UFMG tem projetos não apenas de ensino, mas também na pesquisa de ponta. Lembrando que 90% da produção de pesquisa do país está nas instituições públicas, principalmente nas universidades públicas. Então, nossa universidade é um polo de pesquisa muito importante e tem, nos últimos anos, se destacado muito na extensão, que é nossa relação com a sociedade. Pensando em dois projetos de destaque nos últimos anos, eu citaria, principalmente, o trabalho que temos feito na pesquisa sobre vacinas, que foi destaque durante a pandemia. Somos a única universidade brasileira que está desenvolvendo uma pesquisa 100% nacional na área de vacinas, que é a SpiN-TEC. Uma vacina contra a COVID-19 que está na fase final, vai ser produzida. Isso nos enche de orgulho e coloca Minas no cenário nacional. Quando falávamos de vacina antes, pensávamos principalmente no Rio de Janeiro, por causa da Fiocruz, e São Paulo, por causa do Butantan. Agora, com nosso trabalho realizado nesse campo, com a criação do Centro Nacional de Vacinas, que está sendo desenvolvido no Parque Tecnológico de Belo Horizonte, essa produção tão intensa vai se destacar cada vez mais no cenário nacional. É um trabalho da UFMG que coloca Minas em destaque. Tenho falado muito para o governador, falei com o prefeito também, isso realmente é um produto 100% mineiro e que merece destaque.
“Quanto mais se diversifica a seleção, mais chance se dá para pessoas que não se enquadram em um modelo específico. As pessoas têm maneiras diferentes de aprender, e temos que respeitar essa diferença”
E temos várias outras iniciativas. Para falar de algo contemporâneo, que todo mundo está discutindo: a questão da inteligência artificial. A UFMG tem alguns dos mais importantes e renomados pesquisadores no campo da inteligência artificial. Nossos pesquisadores, como o professor Virgílio Almeida, atuaram junto ao governo federal no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial e também têm assessorado várias outras instâncias. E temos uma comissão permanente para discutir os usos da inteligência artificial responsável. A área de saúde é muito forte na UFMG, entre várias que são igualmente fortes. E esse centro de inteligência artificial voltado para saúde tem um potencial enorme para se expandir.
Como seria essa associação da inteligência artificial com a saúde?
Tem várias formas e a gente sempre faz essa reflexão: o uso da inteligência artificial tem que ser responsável, ético e ser algo que auxilie nossos projetos. Temos vários projetos voltados para essa ação, desde pensar como a IA pode ajudar, por exemplo, nos fluxos da saúde; como nós podemos atuar junto ao SUS. Temos o projeto de telessaúde, do nosso Hospital das Clínicas, que tem feito uso dessa inteligência artificial para analisar exames, para ver o mapeamento da ocorrência de doenças em determinadas regiões do estado. É um projeto que tem um potencial enorme e que está sendo construído com esse objetivo de pensar como essa IA, responsável e ética, pode beneficiar o povo mineiro por meio dessas políticas implementadas no campo da saúde. Tem parceria com o governo federal, do estado e com o município. É um contexto mais amplo de como podemos conduzir toda essa reflexão atual para o benefício e bem-estar da população.
Vamos falar sobre a entrada na UFMG, para os estudantes em geral. A partir desse ano, a universidade vai adotar o processo seletivo seriado. O que é esse processo?
Será mais um processo seletivo que teremos. Continuaremos usando o Enem, que é importantíssimo, a escolha do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), que acreditamos ser um instrumento muito importante para nossas universidades. No entanto, vamos oferecer uma forma alternativa: muitos estudantes não se sentem confortáveis de em uma prova (Enem) já definir o futuro de todos aqueles anos de estudo. Esse processo seletivo seriado vem justamente atender a essa demanda. É um processo, como diz o nome, feito em partes. São provas realizadas no primeiro ano, no segundo e no terceiro ano do ensino médio. Ao fim do terceiro ano, o estudante poderá escolher qual curso quer frequentar na nossa universidade. Mas permite ao estudante uma certa autonomia para que possa escolher se quer fazer, ou pode fazer os dois, o Enem e o Sisu, ou pode também fazer esse processo seriado. O objetivo é justamente, cada vez mais, ampliar as formas de acesso à universidade. Estudos mostram que quanto mais se diversifica as formas de seleção para a universidade, mais chance se dá para aquelas pessoas que não se enquadram em um modelo específico. As pessoas têm maneiras diferentes de aprender, e temos que respeitar essa diferença. É um processo que já acontece em outras universidades também. E os conselhos superiores da universidade analisaram, avaliaram, tem estudos bastante competentes mostrando que é um processo efetivo e que contribui para uma maior inclusão. Vamos iniciar este ano: a primeira prova desse ciclo vai ser em 14 de dezembro. Outras em 2026 e 2027, e a primeira turma entrará em 2028.
“Vemos que há vários gargalos que precisamos sanar (no ensino integral do Centro Pedagógico). Ainda não há uma definição, se vai terminar ou continuar, mas precisamos de avaliações”
Qual a porcentagem destinada ao processo seletivo?
Serão 30% das vagas da UFMG reservadas para o seriado. É um processo seletivo que segue todas as outras regras dos outros da universidade. Ou seja, 50% das vagas são reservadas para o acesso por meio das cotas para o ensino médio público. Isso é algo que se mantém. Esses estudos começaram quando completamos 10 anos de adesão ao Enem e ao Sisu – instrumentos poderosos para que possamos ter essa seleção do Brasil todo. No entanto, foi observado também que outras questões precisam ser abordadas e que a universidade tem um papel importante quando pensamos nesses outros processos, com processo de inclusão também. Nem todo mundo se adapta. Temos histórias de pessoas que vêm de escolas públicas e relataram que já passaram pelo seriado. Isso permitiu a elas maior controle sobre os conhecimentos testados. Por exemplo, fazer provas separadas no primeiro ano, segundo e terceiro ano. E, nesse sentido, foi possível ter uma maior inclusão dessas pessoas.
Vamos falar sobre o futuro da UFMG. Tem alguma novidade?
Sempre pensamos em como impulsionar nossa universidade. Nossos campi principais estão localizados aqui em Belo Horizonte: o campus da Pampulha; o campus Saúde, no Centro da cidade e temos duas unidades que estão fora dos campi: Direito e Arquitetura. Temos um campus em Montes Claros, que já está bastante consolidado e crescendo cada vez mais. Vamos aumentar nossa presença no Norte de Minas, sabendo o papel importante que a universidade e o conhecimento têm para a região. Temos um campus cultural em Tiradentes, que é muito importante também, onde temos essa presença muito forte. Temos também uma presença forte na área de geologia, principalmente, em Diamantina. A Casa da Glória, que é o símbolo da cidade, pertence à UFMG. Agora temos uma novidade. Pensamos sempre no futuro. Já temos a cessão de um espaço que é a Fazenda de Pedro Leopoldo e temos um projeto que esperamos poder concretizar nos próximos anos, de ter um campus avançado da UFMG em Pedro Leopoldo voltado para a sustentabilidade. É uma área muito forte na UFMG, temos inúmeros projetos em várias áreas do conhecimento: biológicas, geológicas, de engenharia. Queremos que esse campus seja uma extensão da UFMG no vetor Norte (da Grande BH).
“Agora temos uma novidade: já temos a cessão de um espaço que é a Fazenda de Pedro Leopoldo, onde temos um projeto que esperamos concretizar nos próximos anos, de ter um campus avançado voltado para a sustentabilidade”
O centenário da UFMG se aproxima. Já começam os preparativos para celebrar a data?
Com certeza. A UFMG faz 100 anos em 2027, uma data muito importante para nós. A UFMG é uma das mais antigas universidades do país. O Brasil é um país que demorou muito a ter suas próprias universidades. Entre as mais antigas estão a Federal do Rio de Janeiro, a Federal do Amazonas, do Paraná e nós estamos entre elas. Queremos preparar os 100 anos em alto estilo. Acho que Minas e a UFMG merecem: são 100 anos de muito impacto para nosso estado e para o nosso país. Já temos o projeto para o campus avançado de Pedro Leopoldo (Grande BH) e lá já temos atividades. Levamos essa proposta para o prefeito da cidade, que ficou muito satisfeito com a possibilidade. Estamos trabalhando para que possamos, de fato, efetivar esse campus em um curto prazo. Pretendemos levar para lá os projetos da UFMG, os cursos, todas aquelas ações que temos em uma área que é imprescindível para se pensar o futuro da universidade e também o futuro do nosso país e do mundo, de um modo geral, que é a sustentabilidade em várias áreas do conhecimento. Vai ser um campus para pensar a sustentabilidade passando por várias disciplinas.
Falando um pouco sobre investimentos, a UFMG passou por um corte, este ano, de verbas por parte do governo federal. Como lidar com esse corte? Isso afetou programas?
Na verdade, a universidade já vem tendo cortes orçamentários há bastante tempo. Nos últimos anos, houve cortes substanciais. A UFMG, hoje, comparada com 2011, quando tivemos nossa grande expansão, cresceu 40% em número de estudantes. E continuamos crescendo. No ano passado, abrimos 200 vagas nos cursos de graduação. Hoje digo que estamos maiores e melhores, porque a UFMG se destaca em todas as avaliações nacionais e internacionais como uma das melhores universidades do país, em alguns casos, até a melhor. E estamos mais inclusivos. Temos 57% dos nossos estudantes vindos de escolas públicas. Isso requer recursos para a permanência dessas pessoas, senão não é uma inclusão completa. E o orçamento de hoje é menor do que o orçamento, por exemplo, de 2015. Não se sustenta uma situação dessa. Agora, o problema mais grave que tivemos foi justamente no período da pandemia, logo depois da pandemia. Foram momentos muito difíceis. O que aconteceu no orçamento deste ano foi algo muito peculiar. O governo, de fato, encaminhou um projeto de lei orçamentária para o Congresso Nacional, com o valor do orçamento do ano passado, acrescido da diferença do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). No entanto, quando chegou ao Congresso Nacional houve um corte substancial. E nós ficamos na regra de 1/18 por mês, quer dizer, em vez de 1/12 do orçamento, referente a uma parcela, recebemos menos de uma parcela. Foram meses muito difíceis. No entanto, conseguimos uma reunião com o ministro da Educação e vários ministros que realmente entenderam a dificuldade. O Ministério da Educação na mesma hora voltou para 1/12. Desde maio, já estamos com esse repasse regular e se recompôs o que foi cortado pelo Congresso. Pelo menos, nos deu um certo alento, muito embora a situação orçamentária tenha sido crítica desde 2019.
Esses cortes têm tido um impacto muito grande nas nossas universidades, não apenas na UFMG, principalmente no que diz respeito à questão de estrutura. Claro que temos que privilegiar as ações de ensino, pesquisa e extensão, assistência estudantil é imprescindível e o que acaba faltando, muitas vezes, é a questão de infraestrutura de laboratórios, de prédios. Como a universidade cresceu, esse é realmente um gargalo enorme e, nos últimos anos, a gente tem procurado fazer parcerias. O governo do estado deu um apoio substancial para laboratórios de graduação. Conseguimos emendas parlamentares também, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também destinou um valor substancial para equipar laboratórios de pesquisa. Agora conseguimos entrar no PAC, que vai ter um impacto muito importante para as universidades. Isso está sendo recuperado aos poucos, mas o que digo sempre é que orçamento para universidade não é gasto, é investimento. O Brasil funciona assim, 90% da pesquisa é feita nas universidades, nos institutos públicos. Então, é importante esse investimento. E também para que possamos atender melhor à sociedade e à nossa comunidade. O investimento é imprescindível. E uma vez que você corta, é difícil, por exemplo, recuperar. Não posso falar para um pesquisador, que está desenvolvendo uma pesquisa: “Olha, agora não tenho mais recurso para esse laboratório”. Se não mantiver essa pesquisa, você perde, inclusive, o valor que já foi investido.
Falando sobre o Centro Pedagógico, há um receio dos pais diante da notícia do fim do ensino integral. O que a senhora pode dizer a esses pais?
O ensino integral no nosso Centro Pedagógico, que é um colégio de aplicação, foi instituído com caráter provisório, como um projeto-piloto. Ele não foi autorizado pelas instâncias superiores. Então, passamos por um pós-processo, justamente, de avaliação de como estava sendo esse modelo. Vemos que há vários gargalos que precisamos sanar. Ainda não há uma definição, se vai terminar ou continuar, mas precisamos de algumas avaliações. Um gargalo central tem a ver com o orçamento. É um colégio de aplicação, então o orçamento vem do governo federal. Esse orçamento tem diminuído, nos últimos anos, porque tem havido outros colégios também incluídos nessa rede. Tenho de usar recursos do ensino superior para garantir uma educação básica e isso a gente não tem conseguido, por causa do orçamento. Lembrando que um centro como este, é um centro de excelência, referência da universidade. Não faz apenas ensino, faz pesquisa e extensão. Esse estudo que está sendo feito sobre o projeto vai ser levado para o nosso Conselho Universitário avaliar. Temos demandado ao governo federal que o recurso não tem sido suficiente para os colégios de aplicação. Tem de haver algum outro tipo de mecanismo, e o governo federal está sensível a isso também. Mas, além da questão orçamentária, está sendo avaliado se estamos conseguindo manter o tempo integral com a qualidade que precisa ter como escola de aplicação.
“A UFMG tem alguns dos mais importantes e renomados pesquisadores no campo da inteligência artificial, que atuaram no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial e têm assessorado várias outras instâncias”
Como foi construída sua trajetória na UFMG?
Eu venho do interior, não sou aqui de Belo Horizonte, vim para estudar na UFMG. Nasci em Pains e cresci em Uberaba. Queria universidade pública. Fiz minha graduação em Letras e fui direto fazer mestrado e doutorado nos Estados Unidos. Na época, nossas pós-graduações estavam se desenvolvendo ainda. Disseram-me que era importante ir e voltar logo, para organizar a pós-graduação. Fiz mestrado e doutorado em 5 anos e meio. Isso seria impossível se tivesse ficado no Brasil. Voltei e, logo depois, fiz concurso na UFMG. Ingressei em 1995, já como professora do curso de Letras. Agora, desde muito cedo, trabalhei na administração, fui chefe de departamento, diretora de Relações Internacionais, atuei um pouco na CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Fui vice-reitora, de 2014 a 2018, antes de ser reitora. De 2018 até agora, estou na Reitoria da universidade. Sou pesquisadora também. Digo que sou professora e pesquisadora da UFMG e estou reitora, que é um cargo de muita honra. E, para mim, é uma enorme satisfação e honra ser reitora de uma universidade com a UFMG, e uma grande responsabilidade também.
A experiência na universidade também levou a senhora para o Conselho Consultivo da presidência da Assembleia Legislativa e do governo de Minas. Qual é a responsabilidade de ser conselheira das duas instituições?
A gente procura atender aos interesses do estado e da Assembleia Legislativa, porque é uma responsabilidade muito grande, e é importante a universidade estar nesses espaços. Também faço parte do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que pensa toda estratégia de ciência e tecnologia para o país. Estar lá representando a UFMG é uma honra muito grande e uma enorme responsabilidade, que é pensar o futuro do país, do estado de Minas Gerais. Digo que essa responsabilidade vem acompanhada de um grande desejo de colaborar. Temos a responsabilidade e o dever de contribuir com as populações nas quais estamos interagindo.
O que podemos esperar para o futuro da UFMG?
Esperamos que a universidade continue sendo responsável, que pense seu lugar no estado, na cidade, que veja a educação superior como um direito de todas as pessoas. Uma educação superior que tem que ser cada vez mais inclusiva e dialogar constantemente com as populações. Fazemos ensino, pesquisa e extensão, que é nossa cara com a sociedade. Digo sempre e gosto de repetir, a nossa cidade, estado e país sabem que sempre que precisarem podem contar com a UFMG. É um patrimônio público, de todos nós. Fizemos isso na pandemia.
A Stock Car foi transferida este ano de BH para Curvelo. A senhora respirou aliviada com a decisão? No ano passado, houve aquele embate com os organizadores, principalmente por causa do impacto da prova para pesquisas e para os animais do Hospital Veterinário...
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Para nós, foi um alívio muito grande. A comunidade acadêmica toda é contra, não a Stock Car, como eu tenho dito sempre, mas a realização (da corrida) naquele espaço. Temos dito, desde o início, que aquele não é um espaço para se fazer um evento dessa natureza, e os estudos mostraram isso. Fizemos estudos para medir os ruídos, o Ministério Público, também. A própria prefeitura fez. Esses estudos demonstraram que ultrapassou em muito os valores permitidos. Temos estudos, desde 2012, que mostram que qualquer coisa que aconteça na Esplanada Sul (do Mineirão) tem um impacto muito grande na universidade. Queremos, cada vez mais, contribuir para nossa cidade. Nos causa não apenas alívio, mas também esse senso de responsabilidade que vimos que os gestores públicos estão tendo, de ver que ali não era um local adequado.
A gente até se dispôs a contribuir para ajudar a encontrar lugares que sejam mais adequados, se a cidade quiser receber (a corrida). Sofremos muito no ano passado, o impacto foi enorme. Perdemos pesquisas, tivemos que retirar todos os animais do Hospital Veterinário e da Escola de Veterinária, porque era impossível aguentar aquele barulho. Só mantivemos lá aqueles animais que não poderiam ser removidos. Tivemos problemas nas pesquisas na área de peixes, de leite – em que somos referência no Brasil. O impacto foi muito grande durante todo o período da corrida. O trânsito ficou caótico, ainda não está totalmente estabilizado. Até conversamos com o prefeito a respeito disso. Tudo isso teve um impacto muito grande para a universidade.
A UFMG gastou mais de R$ 1 milhão de seus recursos próprios para tentar dar uma certa estabilidade à instituição, durante o evento. Esse valor foi usado para transporte dos animais, custear lugares que poderiam recebê-los, para poder tentar blindar algumas áreas. Os peixes, por exemplo, são muito sensíveis a movimentação e barulho. Muitos acabaram pulando dos tanques em que estavam. O biotério central foi blindado, mas os outros não conseguimos, pois o custo seria muito alto. Tivemos perda de matrizes, de pesquisa. Os recursos foram usados também para manter equipes para ajudar na manutenção dos animais silvestres e dos que não tinham condições de ser transferidos. Colocamos equipes da área de engenharia e arquitetura para fazer a medição sonora, nos vários espaços da universidade. E demonstraram, claramente, que os ruídos ultrapassaram, e muito, o que era permitido para os humanos, imagine para os animais. Todo esse gasto foi para, pelo menos, blindar um pouco a universidade, mas não foi possível. Para se fazer uma blindagem efetiva, precisaríamos de um muro de 25 metros, em frente ao hospital veterinário, o que é simplesmente inviável.