Close up no rosto de jovem mostra-o com a mão na boca

Close up no rosto de jovem mostra-o com a mão na boca

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Os jovens brasileiros com idades entre 16 e 24 anos estão entre os mais afetados por problemas de saúde mental, resultando em consequências como baixa autoestima, isolamento social e até conflitos familiares.

O dado faz parte do Panorama da Saúde Mental, ferramenta de monitoramento criada pelo Instituto Cactus, entidade filantrópica, em parceria com a AtlasIntel, empresa de tecnologia especializada em inteligência de dados.

Divulgado nesta sexta-feira (4), o estudo foi feito por questionário online e cerca de 44% dos respondentes são da região Sudeste do Brasil.

 

De acordo com Luciana Barrancos, gerente executiva do Instituto Cactus, no caso do recorte específico de dados sobre jovens, o objetivo do levantamento é permitir identificar comportamentos, hábitos e preocupações associados à saúde mental, que são singulares desse grupo, colaborando para a criação de soluções de acordo com as necessidades.

 

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“Sabemos que adolescência é um período de grandes transformações sociais, de formação de identidade e descobertas sexuais.”

 

Barrancos aponta também que mais estudos são necessários para avaliar a correlação entre as descobertas do Panorama sobre como mudanças no comportamento são impactadas pela saúde mental.

Como o estudo foi feito

Ao responder perguntas sobre confiança, vitalidade e foco, os 2248 participantes do estudo - 18.7% deles jovens (cerca de 400 pessoas) - marcaram pontuações de 0 a mil no iCASM (índice Cactus-Atlas de Saúde Mental), um índice criado para expressar de forma numérica algumas das múltiplas dimensões que impactam positiva e negativamente a saúde mental dos indivíduos.

No caso deste grupo específico de 16 a 24 anos, o valor do iCASM foi de 534 pontos, abaixo da média nacional (635) e o menor índice dentro da categoria “idade”. Além da idade, os respondentes também foram divididos por fatores como localização, renda, religião, ocupação e raça. 

 

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“Pela parcela de 43,8% dos respondentes do Sudeste e questionário online - o que o limita à pessoas que tenham acesso à internet, não é possível, com esses dados, desenhar uma análise nacional. Isso é algo que nos falta, não há nenhum estudo completo sobre a saúde mental dos jovens brasileiros até agora”, avalia Guilherme V. Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e adolescência da Faculdade de Medicina da USP.

As descobertas do estudo

Os dados mais recentes apontam que questões relacionadas à uma má saúde mental afetaram diretamente a vida dos adolescentes e jovens adultos entrevistados.

A maioria (78%) relatou ter se sentido feio ou pouco atraente ao menos uma vez nas últimas duas semanas anteriores à data da coleta. Destes, a maioria (73%) também relatou se sentir pouco inteligente e quase metade (45%) afirmou não ter saído com amigos no período.

O estudo avalia que as percepções estão associadas a questões importantes de saúde mental, já que aqueles que aqueles que reportaram baixa autoestima também demonstraram baixo interesse e prazer nas atividades do dia a dia (80%), e a sensação de cansaço e a falta de energia (90%). Além disso, uma parcela indicou ter brigado com seus familiares no período indicado (70%).

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Os jovens entrevistados também fazem mais uso de psicoterapia do que a média dos outros grupos (7,6% contra 5,1%), e utilizam menos medicamentos de uso contínuo (9,4% contra 16,6%). A pesquisa não avaliou se uma parcela maior precisaria da intervenção medicamentosa.


jovem com a cabeça abaixada em mesa

jovem com a cabeça abaixada em mesa

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‘Sensação de insuficiência’

Um estudo anterior do Instituto Cactus, feito em 2021, aponta que 50% das condições de saúde mental começam até os 14 anos de idade e 75% até os 24 anos.  A cearense Rafaella Rosado, 24, que sofre com problemas relacionados à saúde mental há 10 anos, se enquadra nesta estatística.

“Aos 14, os problemas eram relacionados à questões da minha cidade natal, relacionamentos na escola… Com o tempo, virou o vestibular, a mudança de cidade, mercado de trabalho - uma pressão maior. Não acho que nós [brasileiros], em geral, somos bem preparados para lidar com essa transição”, diz.

Na experiência dela, a escola foi o local onde aprendeu a se comparar com colegas - algo que, com o tempo, se intensificou e afetou sua autoestima.

“Não quero ser clichê dizendo isso, mas é verdade: esse sentimento de ‘ficar para trás’ foi impulsionado pelas redes sociais, onde vemos pessoas viajando, com casas maravilhosas, sempre sendo felizes… E acabamos nos comparando o tempo todo, pensando ‘e eu trancada em um apartamento’. Dá uma sensação de insuficiência”.

Rafaella, que foi demitida de uma empresa de comunicação recentemente, diz ter tido um exemplo claro de como o sentimento é comum entre pessoas da sua faixa etária conversando com uma colega na mesma situação.

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“Ela me disse: ‘precisamos fazer carreira agora’. É um sentimento de que, se não fizermos as coisas exatamente no momento que estamos, vamos estragar o resto da nossa vida.”


jovem mulher de costas sentada na cama e olhando pela janela

jovem mulher de costas sentada na cama e olhando pela janela

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O que pode estar por trás da má saúde mental de jovens

O estudo não focou em questões que podem ter prejudicado a saúde mental dos jovens, mas, de acordo com o psiquiatra Guilherme V. Polanczyk, há algumas possibilidades levantadas globalmente que poderiam ocorrer também no território brasileiro.

 

“Há estudos na Europa com amostras representativas de países que vêm mostrando, desde 2012, aumento de taxas de depressão e solidão entre jovens. As hipóteses que se levantam passam por razões sociais e culturais amplas, entrando em questões de ambiente digital, mundo cada vez mais polarizado e intolerância em questões como sexualidade e raça.”

 

Na América Latina, segundo as estimativas mais recentes do Unicef (braço da ONU para a infância), quase 16 milhões de jovens entre 10 e 19 anos têm algum transtorno mental. Isso equivale a cerca de 15% das pessoas dessa faixa etária.

“Não há uma resposta única e nada focado especificamente no Brasil, mas observamos uma tendência mundial de piora, para a qual ainda são levantadas várias hipóteses.”