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Estado de Minas COVID-19

'Fadiga da quarentena' leva embates sobre flexibilização às redes sociais

Enquanto BH amplia a liberação de atividades mais sensíveis, na web é evidente discussão entre quem está farto da reclusão e os que apontam um relaxamento excessivo. Especialista alerta que, mesmo com as pressões, não é hora de descuido


31/08/2020 06:00 - atualizado 31/08/2020 12:18

(foto: Lelis)
(foto: Lelis)


Belo Horizonte está prestes a passar por mais um teste de fogo no enfrentamento ao novo coronavírus. A flexibilização do funcionamento de setores considerados mais sensíveis para o risco de contágio pela COVID-19 – academias e clínicas de estética, que reabrem nesta segunda (31), e bares e restaurantes, liberados para vender bebidas alcoólicas a partir do dia 4 – encontrará uma parcela da população farta do distanciamento social e ansiosa por retomar atividades que eram rotina da pandemia.

O movimento intenso no domingo (30) de pessoas na orla da Lagoa da Pampulha e em praças é sinal claro disso. Uma inquietação que explode em redes sociais, onde a expressão “fadiga da quarentena” – ou alguma de suas incontáveis variações – se torna cada vez mais frequente. Tanto da parte de quem assume já não conseguir ficar quieto em casa, quanto dos que, obedecendo aos alertas de que o risco permanece, mantêm-se recolhidos e se sentem desrespeitados pelos “loucos para aglomerar”.         

O empresário Mozart Gomes, de 34 anos, pertence ao segundo grupo. Ele não abre sua loja de jogos de tabuleiro desde março, e mantém com a esposa uma rotina rigorosa para evitar a infecção pela COVID-19, que já contaminou 33.092 pessoas e matou outras 968 na capital mineira. Mesmo com a flexibilização do comércio, Mozart mantém a decisão de alugar e vender jogos com hora marcada, para impedir as aglomerações.



“Meu nível de estresse está extremo, não por causa do isolamento, mas pelas pessoas que são egoístas e não ajudam a melhorar. Se lá em março elas tivessem ficado 15 dias em casa, só 15 dias, as coisas não estariam assim”, queixa-se. “De lá para cá o que eu vejo são pessoas irresponsáveis e egoístas, sem um pingo de consciência. Que acreditam que é tudo brincadeira, briga política, pressão da mídia. Se essa situação está acontecendo no mundo inteiro, por que só o Brasil tem que ser diferente?”, questiona.

De fato, é praticamente impossível não conhecer alguém que não tenha desrespeitado medidas de segurança ou questionado a existência ou o alcance da doença. No mundo virtual, se multiplicam relatos de pessoas que podiam ficar em casa, mas desistiram da quarentena ou acabaram “furando” a reclusão por algum motivo. E também há quem, como Mozart Gomes, se revolte ao ver a desobediência.



Mas o que nos trouxe até essa polarização? “As explicações correntes têm sido de que a gente não aguenta permanecer em um estado de vigilância, de atenção constante – porque é estressante. Daí começamos a relaxar”, explica o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paulo Evangelista. Ele estuda e leciona psicologia existencial e também é um dos coordenadores do serviço de plantão psicológico que atende à comunidade acadêmica.

“Evidentemente que esse relaxamento nos coloca em risco, a nós e às pessoas à nossa volta. E por isso devemos considerar o quanto as coisas à nossa volta vão contribuindo para formarmos esse senso de realidade que vai promovendo esse relaxamento”, alerta o especialista. “Olhamos ao nosso redor e parece mesmo que tem mais gente na rua, as coisas estão voltando ao normal. Vemos informações de que não é tão grave, que já pode voltar, informações desencontradas que vão contribuindo para que a gente relaxe. O termo fadiga fala de um cansaço de manter-se em vigília, mas ele pode sinalizar esse comportamento de relaxamento e entrega a uma certa sensação de normalidade, que desconsidera a ameaça que o coronavírus é”, pontua.





Observando os números e relatos disponíveis, quem defende o rigor do isolamento pode pensar que o medo da morte devia ser o suficiente para evitar que as pessoas abandonassem a reclusão. Mas o professor Paulo Evangelista destaca que esse enfrentamento é inerente à condição humana. “Poderíamos considerar que o medo da morte raras vezes prevalece. Em certo sentido, é necessário que seja assim. Se pensarmos em termos das grandes civilizações humanas, todas elas são formas de enfrentamento desse medo”, analisa.

Mas ele faz um alerta: “Isso não quer dizer que seja ato de coragem ir para a rua, não se cuidar direito. É preciso entender que isso que recebe o nome de ‘fadiga de isolamento’, sem dúvida alguma é fruto de uma sensação de que eu não me cuido e não me acontece nada”. Isso parece ser o que encoraja pessoas que têm furado a quarentena após verem familiares ou vizinhos que não se protegem e teoricamente não se contaminam. Essa falsa sensação de segurança também tem explicação.

“A gente processa, escuta, entende e reconhece informações que tendem a ser condizentes com o que já é nossa predisposição, que confirmam o que sentimos e acreditamos. Em razão disso, a gente acaba tendo uma facilidade maior também para desconsiderar uma série de outras informações. Por exemplo, temos a informação da letalidade do coronavírus, mas ela não é necessariamente assimilada, processada, compreendida e transformada em mais um elemento de autocuidado para muitos de nós”, afirma o professor. “Todos temos essa tendência a processar as informações assim, e esse estado de constante estresse, ansiedade e ameaça favorece também o relaxamento desse cuidado”, acrescenta.



Nesse sentido, o excesso de informações aparentemente contraditórias e também a “desinformação”, até por parte de autoridades, acaba piorando o cenário. “As notícias que dizem que não é nada, que é uma gripezinha, favorecem esse comportamento de deixar para lá e não se cuidar”, destaca o professor de psicologia da UFMG. “Chegam a nós o tempo inteiro notícias e informações de que é um vírus que não devia ser levado a sério, e chegam informações sobre a gravidade dele. Tem a ver com o (mundo) digital, que coloca todo tipo de informação à nossa disposição. Isso exige muito mais atenção, muito mais esforço para ler, entender, processar, tirar a própria conclusão, o que é algo muito exaustivo. Acaba favorecendo também que essas informações sejam processadas do jeito mais automático, menos crítico e menos atencioso”.

E os que são obrigados a sair?

O especialista da UFMG faz questão de alertar que a situação de quem acaba sendo obrigado a sair de casa para trabalhar é mais complexa, e cria uma condição de maior ansiedade. “A pessoa raciocina: ‘Se eu fico em casa me protegendo do vírus, estou ao mesmo tempo cuidando para que eu morra de fome no futuro, para que minha empresa feche, para que isso gere dívida’”, exemplifica Paulo Evangelista. Segundo ele, isso amplia a sensação de necessidade de agir, em detrimento do cuidado. “Uma vez na rua, a pessoa pode tomar os cuidados necessários, mas, de novo, entra nesse clima de ameaça constante, que é exaustivo. E daí acaba relaxando. O modo de suportar essa ansiedade constante é amenizando-a. O que acaba reforçando ainda mais a sensação de vida normal”, diz o professor da UFMG.



Apesar de todas as pressões, o professor de psicologia destaca que as pessoas não devem se esquecer de que não estão colocando somente a si mesmas em risco. “Ao meu ver, a questão mais interessante e mais complicada da pandemia é o quanto ela tem revelado sobre nossa conexão com os outros. Não estou só pondo a minha vida em risco, mas a possibilidade de contração do vírus coloca muita gente com quem eu tenho contato em risco. Contato direto, mas também com as pessoas com quem cruzo pela rua. Se eu estiver infectado, há grande potencial de eu disseminar isso”, enfatiza.

O dilema da hiperconvivência

Outros fatores que entram no dilema entre se manter recolhido ou sair de casa têm a ver com relações familiares. Para quem está sob o mesmo teto, diz o professor de psicologia Paulo Evangelista, o aumento da convivência pode promover o surgimento de conflitos que antes ficavam velados, devido à multiplicidade de relações que as pessoas tinham. “Algumas situações eram até fáceis de relevar quando se podia sair, conversar com outras pessoas, ter outros climas de relação. Uma vez que não se tem essa possibilidade, as dificuldades da convivência vão crescendo, porque vão se tornando a única ou uma das poucas situações que a pessoa vai enfrentando”, analisa.

A conjunção de fatores também afeta os idosos, que podem sentir perda de autonomia. “Não podemos deixar de lado o fato de que a preocupação com a saúde dos meus pais ou dos meus filhos aponta para um bem querer deles, querer que continuem bem. Mas, se a convivência faz com que essa relação preocupada com o outro fique o tempo inteiro em primeiro plano, esse cuidado e proteção se apresentam como vigilância”, diz Evangelista.

“Daí a vontade, muito compreensível, que dá de,  para evitar essa vigilância e cuidado intensos, sair de casa ou fugir. Isso vale para os velhinhos, ou para todo mundo que acaba encontrando razões, como ‘Preciso comprar açúcar’, para sair de casa e ir ao supermercado. Mas o que está realmente em jogo é poder sair um pouco dessas relações”, analisa o psicólogo.



Outro fator afeta pessoas que estão isoladas e sofrem cobranças para se fazerem presentes fisicamente, seja comparecendo à festa de aniversário de um parente ou encontrando a pessoa com quem têm um relacionamento, mesmo no meio da pandemia. “Se já não houvesse ‘sinucas de bico’ o bastante na pandemia, entra mais essa: precisar escolher do que abrir mão. Eu abro mão de uma relação, perco alguém que amo em nome de preservar a minha saúde e a da comunidade, ou eu me coloco em risco em nome do amor? É um dilema muito complicado. e que não tem uma resposta direta”, avalia o professor Paulo Evangelista.

Perceber a hora de buscar ajuda


Em meio a tantas pressões e decisões, o cuidado específico com a saúde mental não pode ser deixado de lado em benefício apenas da saúde física. O cérebro precisa de atenção, assim como qualquer outra parte do corpo, e cuidar dele às vezes demanda auxílio profissional. “Eu recomendo fortemente às pessoas que estiverem se sentindo mal, estressadas, deprimidas, ansiosas, que procurem ajuda especializada – psicólogos, psiquiatras se for o caso –, para buscar modos individuais de enfrentamento da situação, e mesmo para poderem considerar quais aspectos já existiam e agora estão acentuados com o isolamento social e a pandemia”, orienta Evangelista.



E para quem chegou até a ser alvo de piadas e estranhamento por um dito “exagero” nas medidas de segurança, também há um conselho. “É ruim, de fato, mas não chega a afetar se eu estiver ancorado numa sensação de que o que estou fazendo faz sentido. Eu estou certo daquilo que estou fazendo, ou estou fazendo por hábito, por conveniência? Se eu estiver sustentado pela sensação de o que minha conduta faz sentido, eu suporto essa zombaria”, conclui o especialista.


Apoio gratuito


Centro de Valorização da Vida (CVV): voluntários treinados prestam apoio emocional e prevenção ao suicídio

Apoio psicológico da UFMG: exclusivo para a comunidade acadêmica 

Saúde Digital: aplicativo do governo de Minas Gerais que oferece atendimento psicológico a partir de cadastro 

Psicologia Solidária: projeto com equipe de psicólogos voluntários que atendem em diferentes partes do país pela internet

O que é o coronavírus


Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp

Como a COVID-19 é transmitida? 

A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.

Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?


Como se prevenir?

A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê

Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam:

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus. 

Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'


Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.

Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência

Para saber mais sobre o coronavírus, leia também:

 


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