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Estado de Minas NOVO REAJUSTE

Combustíveis: reajustes superam inflação e apertam finanças dos mineiros

Gasolina comum saltou 25,6% em um ano, enquanto diesel subiu quase 50%. Preços elevados apertam orçamento de consumidores e trabalhadores do transporte


19/06/2022 07:00 - atualizado 19/06/2022 21:57

Homem abastece moto em posto de combustível de Belo Horizonte
Aumento no preço dos combustíveis já virou rotina nos postos do Brasil (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Correr para os postos antes de mais um aumento no preço dos combustíveis é parte da rotina dos brasileiros nos últimos anos. Na sexta-feira (17/6), a Petrobras anunciou reajuste nos repasses às distribuidoras - 5,18% na gasolina, de R$ 3,86 a R$ 4,06, e 14,26% no óleo diesel, de R$ 4,91 a R$ 5,61. Quem precisou abastecer o veículo no fim de semana sentiu o impacto da medida no bolso. Levantamento dos preços médios dos derivados do petróleo em Minas em 12 meses aponta que os produtos consomem uma fatia cada vez maior do orçamento e superam o acumulado da inflação no mesmo período.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que calcula a inflação no Brasil, fechou em 11,73% de junho de 2021 a maio de 2022. Já a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostrou que, entre os meses de junho de 2021 e 2022, os combustíveis superaram o IPCA nas bombas dos postos de Minas Gerais.

Usado principalmente em ônibus e caminhões, o óleo diesel saltou quase 50% em um ano, de R$ 4,567 para R$ 6,85, e deve crescer ainda mais em razão do reajuste da Petrobras. A disparada do litro do produto é um pesadelo para a atividade de transporte de cargas, impactando também em produtos e serviços de maneira geral.

Ao Estado de Minas, o economista Gelton Pinto Coelho, membro efetivo do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), explica que a característica brasileira de transporte de produção baseada no modal rodoviário faz com que o custo do combustível seja repassado ao valor final das mercadorias, o que dificulta a administração dos níveis inflacionários.

“Esse impacto é muito grande  e isso obviamente afeta na oferta de produtos e serviços. Basicamente tudo que precisa de transporte de carga, se você recebe uma TV na sua casa, por exemplo, ela foi transportada por um caminhão. Quando se aumenta os combustíveis, isso retroalimenta a inflação, lembrando que nossa inflação é de custos. Voltamos ao problema de antes do Plano Real. Se até o mês passado tínhamos um modelo de previsão de inflação, eles variam mais agora, porque os aumentos de preço estão sendo maiores que os previstos”.


Preço inviável


Nos postos de Belo Horizonte, quem trabalha com o transporte de carga sente na pele a alta no diesel. O caminhoneiro Márcio Eduardo, de 46 anos, reiterou que o aumento no preço do combustível afeta a todos, pois impacta no valor final da mercadoria. Segundo ele, a situação se aproxima de um limite em que não será viável seguir rodando.

“Chegará um momento em que teremos que parar. E, às vezes, isso não significa que vamos deixar o caminhão na estrada ou congestioná-la, mas, sim, deixar o veículo em casa. As transportadoras não darão conta, pois, se precisar, vamos para as portas delas e não deixaremos ninguém sair. Eu não quero parar, nem meus amigos. Nós queremos trabalhar e ‘fazer o nosso’ com honestidade, não só por parte dos caminhoneiros, mas da política também. Queremos trabalhar com dignidade”.

Valor médio do óleo diesel nos postos em Minas

  • R$ 4,567 - jun/2021
  • R$ 4,622 - jul/2021
  • R$ 4,649 - ago/2021
  • R$ 4,775 - set/2021
  • R$ 5,089 - out/2021
  • R$ 5,367 - nov/2021
  • R$ 5,322 - dez/2021
  • R$ 5,490 - jan/2022
  • R$ 5,581 - fev/2022
  • R$ 6,263 - mar/2022
  • R$ 6,583 - abr/2022
  • R$ 6,805 - mai/2022
  • R$ 6,850 - jun/2022

 
Márcio Eduardo posa ao lado de caminhão em posto de gasolina de BH
"Queremos trabalhar com dignidade" - o caminhoneiro Márcio Eduardo teme não conseguir rodar se preços continuarem subindo (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
 

Gasolina, etanol e GNV


Combustíveis utilizados em carros de passeio também apresentaram grande variações em 12 meses. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a gasolina saiu de R$ 5,918, em junho de 2021, para R$ 7,473, em 2022 (25,6%). O etanol chegou ao preço médio de R$ 5,124, 15,74% maior do que os R$ 4,427 de um ano atrás. O gás natural veicular (GNV) teve um aumento de 36,51%, passando de R$ 4,007 a R$ 5,47, enquanto o GLP (gás de cozinha) foi de R$ 89,93 a R$ 115,97.

Baseado nos dados da ANP, em Minas Gerais ficou R$ 77,75 mais caro encher um tanque de 50 litros com gasolina comum, R$ 77,80 com gasolina aditivada e R$ 34,85 com etanol. Um carro com consumo combinado de 12 km/l entre cidade e estrada na gasolina precisaria de 83,33 litros para percorrer 1.000 quilômetros em um mês. Em junho de 2022, a quantia desembolsada pelo motorista seria de R$ 622,72, um aumento de R$ 129,58 em comparação aos R$ 493,14 gastos há um ano.

O autônomo Gustavo Carvalho não tem perspectivas de encontrar preços mais baixos nas bombas tão cedo. “São abusivos os valores, quem mais sofre é a população. Moro fora de BH e preciso estar na cidade todos os dias, então é mais complicado para mim essa questão do deslocamento. A tendência não é melhorar, mas sempre piorar”.

Trabalhador carrega botijão de gás
Além dos combustíveis de automóveis, gás de cozinha subiu bastante de preço nos últimos 12 meses (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


'Tendência pessimista'


Para o economista Gelton Pinto Coelho, o cenário seguirá em uma tendência pessimista se a Petrobras não alterar a política de preços. Desde o governo Temer, a empresa opera a partir do Preço de Paridade Internacional (PPI), com o valor dos combustíveis sendo definido pelos custos de importação.

“O modelo atual não consegue entregar uma oferta de serviços no preço adequado para a população. Essa elevação de preços não é coerente com a renda do brasileiro atualmente. É preciso entender o papel estratégico da Petrobras, não é só uma empresa que faz investimento em energia. Já temos em torno de 5 ou 6 anos para avaliar se esse modelo de paridade é adequado ou não e já temos uma resposta para isso. A gente precisa fazer uma escolha, é uma decisão política mesmo. Não adianta ter o investimento público que temos e não temos o retorno”.


Na opinião de Gelton, as iniciativas empregadas para conter a inflação não surtirão efeito sem uma mudança na forma como a Petrobras regula o preço dos subprodutos do petróleo. Ele avalia que medidas como o teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 17%, votado durante a semana no congresso, não terá efeito direto no produto final. A medida ainda implicaria em um gasto público elevado caso o governo federal auxilie os estados a cobrir a perda de arrecadação com o tributo.

“Não adianta remediar porque estamos falando de recurso público, quando a saída envolve subsídio ou outro estímulo econômico, isso tem um custo. A proposta atual do governo federal passa de R$ 60 bilhões, seria menos do que o arrecadado com a privatização da Eletrobras como um todo”, analisa.

Conforme o especialista, medidas como o aumento da taxa Selic, elevada de 12,75% para 13,25% pelo Copom na última quarta-feira (15), têm pouco efeito para uma população que perdeu o poder de compra e complica o cenário de famílias já endividadas.

Jair Bolsonaro, presidente da República, e Paulo Guedes, ministro da Economia
Presidente Jair Bolsonaro e ministro da Economia Paulo Guedes propuseram subsídio aos governos estaduais em troca da redução do ICMS (foto: EVARISTO SA / AFP)
 


Caminhoneiros em alerta


Com a atividade impactada diretamente pelo preço do diesel, grupos que representam empresas e trabalhadores do transporte de carga se pronunciaram sobre o novo reajuste. Paralisações e risco de desabastecimento permeiam a fala de lideranças da categoria.

O presidente do Sindicato das Empresas Transportadoras de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais (Sindtanque-MG), Irani Gomes, convocou uma assembleia para discutir a situação na próxima terça-feira (21). Segundo ele, a categoria esperava uma redução de preços e foi surpreendida por mais um aumento. “Com essa política de preços da Petrobras, equiparando com preço internacional, vai estar impossível transportar. Não aguentamos mais trabalhar da maneira que está".


Líder dos caminhoneiros na greve de 2018, Wallace Landim, o Chorão, avaliou a possibilidade de nova paralisação. O presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava) convocou motoristas de aplicativo, de transporte escolar e motoboys a se manifestarem contra a atual política de preços da Petrobras e classificou a greve como reação mais provável diante dos novos reajustes.

Já Carlos Alberto Litti Dahmer, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), foi incisivo nas críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL). "Ele fala como se o governo fosse contrário ao aumento e não pudesse fazer nada".

Frentista de posto de combustível coloca óleo diesel em caminhão
Para encher um tanque de 500 litros de um caminhão em Minas Gerais, o valor desembolsado em junho de 2021 era de R$ 2.283,50. Em junho de 2022, chegou a R$ 3.425,00 - acréscimo de R$ 1.141,50. (foto: Gladyston Rodrigues/EM D.A Press)



Bolsonaro critica Petrobras


O valor dos combustíveis é um ponto sensível no cenário econômico brasileiro, que depende do transporte terrestre para a circulação de produtos. Com as cifras escalando não apenas nas bombas dos postos, mas nas gôndolas dos supermercados e nos serviços, cada reajuste da Petrobras cai como uma bomba no mundo político em ano eleitoral.

Antes mesmo do anúncio do aumento da gasolina e do diesel, durante reunião do Conselho de Administração da Petrobras, conselheiros próximos ao presidente Jair Bolsonaro (PL) já haviam tentado, sem sucesso, barrar o reajuste.

Nas redes sociais, o candidato à reeleição se posicionou contra a nova alta de preços. Bolsonaro repetiu a postura apresentada frente a outros aumentos da Petrobras durante seu mandato e criticou a administração da empresa.

"A Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos. seus presidente, diretores e conselheiros bem sabem do que aconteceu com a greve dos caminhoneiros em 2018, e as consequências nefastas para a economia do Brasil e a vida do nosso povo".

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil
Com Bolsonaro na presidência, óleo diesel praticamente dobrou de valor (foto: AFP)


O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também se manifestou atacando a direção da Petrobras, à qual se referiu como “República Federativa da Petrobras, um país independente e em declarado estado de guerra em relação ao Brasil e ao povo brasileiro”. O parlamentar chegou a pedir a renúncia imediata do presidente da empresa, José Mauro Ferreira Coelho, há menos de dois meses à frente da companhia.

Ainda neste sábado, Bolsonaro afirmou já ter conversado com Lira e o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), para abrir uma 'CPI da Petrobras' nesta segunda-feira (20).

Desde que Bolsonaro assumiu a presidência do Brasil, em janeiro de 2019, o óleo diesel praticamente dobrou de preço em Minas Gerais, enquanto a gasolina subiu mais de 60%. Isso contribuiu para o IPCA de 25,73% em três anos e cinco meses, ao passo que o salário mínimo, corrigido em 21,4% (R$ 998 para R$ 1.212), perdeu poder de compra.

Valor médio dos combustíveis em Minas Gerais com Bolsonaro na presidência da República - janeiro de 2019 a maio de 2022 (fonte: ANP)

  • Etanol: R$ 2,96 a R$ 5,124  - 73,1%

  • Gasolina comum: R$ 4,555 a R$ 7,473 - 60,95%

  • Óleo diesel: R$ 3,451 a R$ 6,85 - 98,49%

  • Óleo diesel S10: R$ 3,567 a R$ 6,97 - 95,4%

  • GNV (gás natural): R$ 3,406 a R$ 5,47 - 60,59%

  • GLP (gás de cozinha): R$ 70,39 a R$ 115,97 - 64,75%

Reações de outros políticos


Na outra casa do Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cobrou uma ação do governo federal sobre a política de preços da Petrobras. Em nota, o senador ressaltou o papel da União como acionista majoritária e responsável por indicar a diretoria.

As críticas mais incisivas ao papel do governo na política de preços vieram dos pré-candidatos à presidência. Líder nas pesquisas ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) questionou o projeto que prevê a redução do ICMS e a atuação de Bolsonaro no cenário de seguidos aumentos nos combustíveis.

“O (ex-presidente da Petrobras) Pedro Parente, com uma canetada, decidiu que ia estabelecer o PPI, paridade de preço internacional, e o presidente da República diz que não consegue mudar? Que tipo de presidente é esse?”, disse Lula durante evento em Maceió-AL.

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República
Pré-candidato à presidência, Lula culpou Bolsonaro por aumento no preço dos combustíveis (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


Ciro Gomes (PDT) também foi enfático nas críticas a Bolsonaro. O ex-governador do Ceará disse que o presidente não tem “inteligência nem coragem para mudar a política de preços da Petrobras”.

Referindo-se ao ataque de Bolsonaro e de Arthur Lira à gestão da empresa, Ciro disparou: “Bolsonaro está em seus estertores. Acaba de anunciar que pediu a Lira uma CPI para investigar a diretoria da Petrobras que ele mesmo nomeou. Quem precisa de CPI é ele. Aliás, de impeachment”.

Com números menos expressivos nas pesquisas pela presidência do país, Simone Tebet (MDB) e André Janones (Avante) também opinaram sobre o reajuste. A pré-candidata emedebista disse que o governo federal se omite de resolver a questão e “joga a culpa nos outros”. Ela ainda defendeu subsídio ao diesel para caminhoneiros e ao gás de cozinha para famílias carentes. Por sua vez, Janones classificou os ataques de Bolsonaro à Petrobras como “o primeiro caso de oposição a si mesmo registrado no país”.

Reportagem de Bernardo Estillac, Rafael Arruda, Leandro Couri e Ana Magalhães* (Estagiária sob supervisão dos subeditores Paulo Nogueira e Rafael Arruda)


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