Tom Hanks olha para a frente, sentado com um gato no colo durante o filme O pior vizinho do mundo

Otto é um sujeito implicante, cujo mau humor é o charme de "O pior vizinho do mundo"

SF Productions

A vantagem de ter Tom Hanks no elenco é que ele resolve todas. Ele pode ser náufrago, professor, advogado, um tonto de correr e contar histórias, o que for: nunca se pode dizer que está mal. Desta vez, em “O pior vizinho do mundo”, ele é o emburrado e obsessivo Otto, uma espécie de prefeito da idílica vila em que mora, e onde vive atormentando a vizinhança com sua implicância pelas pequenas coisas.

Não é preciso ser adivinho para saber que, sob a aparência sombria vive um dos melhores vizinhos do mundo. Sua trajetória de um extremo a outro é o que pode ou não ser interessante, cômico ou comovente.
 
O fato é que por trás de Otto existe uma história, a de sua mulher. Conhecemos um pouquinho mais da trama a cada tentativa frustrada de suicídio perpetrada pelo homem, para quem a vida não faz sentido desde que sua inesquecível Sonya deixou este mundo.

Marisol e o viúvo

Talvez o que o tenha salvo de novos atentados à própria vida seja a mudança para uma casa em frente à sua da intrépida Marisol, uma mexicana. Marisol é o que se pode chamar de desinibida. Não hesita em bater à porta de Otto, oferecer-lhe comida – fazer boa vizinhança, enfim, quase sem se dar conta de que lida com um viúvo hidrófobo, ou quase isso.

Pode-se aceitar a premissa, por velha que seja: por trás da máscara é que está o verdadeiro ser humano. Nossa história tratará de resgatá-lo, mas para isso Marisol terá de suar muito.

Enquanto ela se esforça, o filme se desenvolve num andar irritantemente burocrático: nada parece capaz de lhe dar vida, exceto alguns achados de casting (Marisol e, claro, Otto) e personagens como Malcolm, o trans. Marc Foster deixa escapar quase tudo sob o seu nariz. Por exemplo, mal se percebe de que o assunto do filme não são bem os efeitos da morte de Sonya sobre Otto, mas sim o fim de um mundo.
 
 

Otto lamenta o fim do mundo em que viveu com Sonya, em que a especulação imobiliária não atormentava os donos das casas, em que os americanos compravam carros feitos nos EUA (sim, estamos num vasto merchandising de Ford e Chevrolet), em que quando falávamos com uma companhia telefônica do outro lado da linha havia algum ser humano. É à humanidade que respeita regras inúteis e desrespeita aquelas que podem ser úteis que Otto nomeia como um banco de idiotas.
 
Pode até ser, mas seu mau humor é conveniente para desenvolver um tipo de hawksianismo de algibeira. Com exceção dos momentos em que leva flores ao túmulo de sua amada imortal, Otto não se comove com nada e com ninguém. Faça um gesto simpático e ele responderá com indiferença.
 
Assim prepara-se o final água-com-açúcar da trama (desses que, cá entre nós, faria Howard Hawks se revirar de ódio na tumba; Clint Eastwood, de cujo “Gran Torino” este filme não deixa de ser um decalque pálido, também não há de sorrir demais).

Quer dizer que “O pior vizinho do mundo” é um mau filme? Não, porque tem Tom Hanks, e a ele pode-se entregar o pior ou o melhor papel, sempre terá versatilidade bastante para honrá-lo e buscar algo encantador ali.

No mais, a mexicana Mariana Treviño, como Marisol, irradia uma simpatia capaz de contagiar mesmo o sorumbático Otto.

“O PIOR VIZINHO DO MUNDO”

Filme de Marc Forster. Com Tom Hanks, Mariana Treviño e Rachel Keller. Em cartaz em salas do Pátio Savassi, Diamond Mall, Shopping Cidade, BH Shopping, Del Rey e Minas Shopping.