COMUNICAÇÃO

Pesquisadora aponta a importância das redes sociais para atores políticos

Pesquisadora em comunicação Nina dos Santos afirma que as redes sociais vêm posicionando atores políticos

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As redes sociais têm impactado cada vez mais nossas vidas, moldando a forma como nos informamos e como interpretamos o mundo ao nosso redor. Para a pesquisadora em comunicação, Nina dos Santos, diretora do Aláfia Lab e pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, as plataformas digitais, além de desempenharem o papel de mediadoras de conteúdo, têm se posicionado cada vez mais como atores políticos. Elas influenciam não apenas a decisão de voto, mas também como as pessoas reagem a políticas públicas e se organizam para protestos, demonstrando seu crescente poder sobre o debate público.

Em entrevista ao Estado de Minas, Nina ainda destacou que o fenômeno da desinformação não é apenas um problema comunicacional, mas também político, com estratégias de manipulação influenciando as crenças e comportamentos sociais. Nesse cenário, ela afirma que a regulação das plataformas é essencial para garantir a soberania nacional e proteger a democracia, permitindo que decisões sobre o que é ou não permitido no debate público não sejam tomadas exclusivamente por empresas com interesses privados. Confira abaixo a entrevista completa:

Como as Big Techs influenciam o cenário político?

Estamos no momento de virada de chave em como essa influência acontece, porque tem uma influência na maneira como as pessoas se informam, como constroem suas relações, sua sociabilidade, como buscam informação e como formam as suas visões de mundo. O que a gente tem visto nos últimos anos é que as redes sociais passaram a ser um mediador muito importante dessas fontes de informação. Ainda que as pessoas consumam informação de veículos tradicionais, o consumo muitas vezes se dá via rede social, que tem um poder de decisão sobre a distribuição desses conteúdos.

Ainda há novos atores que emergem nesse contexto digital, sejam influenciadores, comunicadores alternativos, periféricos. Isso influencia muito na nossa vida política, porque as pessoas passam a se informar de outra maneira, passam a formar a sua visão de mundo sobre o que está acontecendo na sociedade de outra maneira e também a sua visão do que elas devem fazer sobre o que está acontecendo. Isso influencia a decisão de voto, como elas reagem sobre uma política pública e se elas acham que devem ou não sair na rua para protestar, como avaliam um governo.

Além dessa influência mais sistêmica, a gente está vendo também que as plataformas estão se colocando cada vez mais como atores políticos. Até agora, o que a gente tinha visto era muito uma posição de tentar se aproximar de uma neutralidade. Ou seja, a rede enquanto plataforma, enquanto aquele lugar que está ali para dar uma infraestrutura para que outras coisas construam sobre elas. Era um discurso de 'o conteúdo é de terceiros’. E o que a gente está vendo agora é que, cada vez mais, elas estão se colocando enquanto atores políticos que querem, sim, ser e se dizer atores ativos na decisão do que pode ou do que não pode no debate público.

Como você avalia os dois primeiros anos de comunicação do governo Lula nesse novo cenário digital?

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Acho que tem um grande desafio na comunicação digital, em várias frentes. A questão das plataformas digitais e a questão da desinformação precisa ser enfrentada numa frente de construção de políticas públicas, discutindo como lidar com essas plataformas, possibilidades de regulação e acordos internacionais para uma governança global do espaço digital. E isso caminhou de maneira interessante nesses primeiros anos (do Governo Lula). Mas há uma outra frente de combate às fake news, combate à desinformação e da comunicação estratégica em plataformas digitais, que é menos política pública e mais essa atuação direta.

Acho que é um ponto que precisa ser aprimorado, tanto que vimos mudanças recentes que vão nesse sentido, de valorizar ou de tentar aproveitar melhor essa dinâmica do que é a comunicação digital e do que pode ser a comunicação política nessa era, integrando essas duas coisas. É muito importante integrar o combate à desinformação com políticas públicas e uma comunicação estratégica no ambiente digital.

A eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016, transformou o uso das redes sociais no âmbito político. O que mudou nessa dinâmica ao longo dos últimos 10 anos? 

A gente viveu momentos muito diferentes. Voltando um pouquinho atrás, em 2013, havia pouca clareza de como as redes sociais poderiam impactar a vida política. Mas as manifestações de 2013 surpreenderam pela mobilização social que foi estruturada a partir desses ambientes digitais. Chega em 2016 com a eleição do Trump, o Brexit, o escândalo da Cambridge Analytica em 2018 e depois a eleição do Bolsonaro. E aí o conhecimento e a preocupação desse fenômeno da desinformação vai aumentando. Nesse caminho, cresce também a percepção de que as plataformas digitais não são neutras e têm um papel ativo. Também vai ficando claro que o fenômeno da desinformação é um fenômeno comunicacional. Ou seja, existe uma série de estratégias, de incentivos e de interesses por trás desses fenômenos, mas é também um fenômeno extremamente político, porque muitas vezes não se trata apenas da criação de discursos falsos.

O fato de uma desinformação se espalhar depende muito também do clima social a partir do qual ela é construída ou onde ela vai ser disseminada. Uma mesma informação falsa ou distorcida pode ser ignorada em um determinado contexto social, mas ser extremamente apelativa em outro e se relacionar com outras crenças e visões de mundo que as pessoas já vêm construindo ao longo do tempo.

Recentemente, um conteúdo do deputado Nikolas Ferreira sobre a discussão das novas regras do Pix atingiu milhões de visualizações, levando até mesmo a revogação de uma decisão do governo. Quais fatores contribuíram para esse impacto?

Eu acho que, primeiro, tem um clima social para que aquele tipo de discurso circule; então, apesar de impreciso ou distorcido, ele acaba dialogando com uma série de crenças que já estão circulando na sociedade, o que faz com que ele tenha aderência. Ao mesmo tempo, tem uma estratégia digital por trás, tem conhecimento, dinheiro, uma série de fatores para fazer com que esse conteúdo chegue muito longe, se aproveitando justamente da estrutura dessa plataforma digital. A gente não pode ter uma visão tecnocentrista, ou seja, achar que o problema está só na tecnologia ou na técnica.

Quais são os principais desafios para o governo na sua comunicação digital? 

Acho que tem um desafio que já está no cenário desde o começo do governo Lula, que é a regulação de plataformas. Eu acho que esse é um grande desafio: conseguir ter regras e fazer com que a soberania nacional seja respeitada. O que a gente tem visto mais recentemente é uma certa disputa entre atores ligados às plataformas digitais e estados de diversos lugares pelo mundo. Então, fortalecer a capacidade das instituições brasileiras de serem aquelas que decidem o que vale ou não no debate público parece ser algo muito importante. Uma outra coisa que eu acho importante é justamente esse olhar para o combate à desinformação na junção entre comunicação estratégica e políticas públicas. Me parece que tem um desafio de linguagem, de como se comunicar a partir dessas redes, mas tem um outro desafio também, que é como combinar isso com ações de longo prazo.

Como avalia a decisão dessas redes sociais de encerrarem a parceria com agências de checagem de informações? 

Eu acho que essa decisão é muito ruim. Primeiro, isso se enquadra em um contexto mais amplo desse novo discurso das plataformas, iniciado por Elon Musk e seguido com Mark Zuckerberg, de descriminalização do trabalho profissional do jornalismo, de checagem de fatos. Eu acho que isso é muito perigoso, porque o jornalismo é um pilar democrático muito importante em vários sentidos.

Além disso, ao revogar essa parceria com a agência de checagem, o argumento é que elas teriam vieses políticos e retirar essas checagens seria uma forma de garantir mais liberdade de expressão. Mas na prática isso me parece uma medida de concentração na própria plataforma da tomada de decisão sobre o que é verdade ou não.

Acho que é uma falácia achar que a gente está passando a decisão sobre o que é verdade e o que é mentira para os cidadãos. A gente está passando dos checadores de fatos para as próprias plataformas, que estão concentrando cada vez mais poder.

Um terceiro elemento que eu acho muito ruim é que agora me parece que não há nem uma compreensão de que esse tipo de conteúdo seja nocivo, de que conteúdos com desinformação, com discurso de ódio contra grupos minorizados, sejam nocivos e que, portanto, eles são simplesmente partes da liberdade de expressão, construída de um jeito extremamente individual e extremamente difícil de construir junto com outros direitos.

Como você vê o cenário da desinformação nos próximos anos? 

Eu acho que a regulação é essencial, justamente para conseguir trazer para as instituições democráticas o poder de estabelecer as regras que regem o nosso debate público. Não se trata de pensar em conteúdos específicos, de manter liberdade de expressão, que é um pilar extremamente importante, mas a gente precisa que essas decisões sejam tomadas com base no interesse público e não com base no interesse privado de determinadas plataformas, empresas ou atores que têm como objetivo final o lucro.

Acho que a gente vai ter um outro desafio, que é o de conseguir observar o que de fato está acontecendo dentro dessas plataformas, num cenário em que a gente tem visto, nos últimos tempos, a diminuição muito grande da possibilidade de acesso a dados dessas plataformas, que têm sido cada vez mais restritos e, portanto, também a nossa capacidade, enquanto pesquisadores, enquanto sociedade, de olhar para o que está acontecendo dentro dessas plataformas tem sido cada vez mais limitada. O que dificulta também a própria percepção de como está esse fenômeno.

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