Tradição, fé e cultura se mantiveram firmes e iluminadas, na noite de ontem, na tricentenária Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Sob o céu nublado, mas sem chuva, a imagem da padroeira da cidade e protetora da visão saiu em cortejo pelas ruas do Centro Histórico, num clima de grande alegria para milhares de moradores e visitantes que acompanharam a procissão iniciada às 18h30. O 281º Jubileu de Santa Luzia só terminará no próximo dia 21, havendo hoje o Dia dos Romeiros, com peregrinação ao templo barroco da Praça da Matriz das pessoas com deficiência visual e profissionais da oftalmologia.
Com público estimado em 60 mil pessoas, durante o jubileu, os festejos em louvor a Santa Luzia têm missas, bênçãos, cortejos com banda de música, barraquinhas e um espaço gourmet com alimentos típicos. Desta vez, está aberta a Casa dos Romeiros, para acolher os visitantes. No mesmo espaço, ao lado do Santuário, outra novidade: o Museu Sacro Luziense, com imagens e outras peças religiosas históricas.
O mais emocionante no jubileu, com certeza, se vê no espetáculo de devoção, amor à cidade e respeito às tradições vindas do século 18. “A cada ano, a devoção popular aumenta, com peregrinos de várias cidades. A Festa de Santa Luzia, hoje patrimônio cultural imaterial do município, tem uma estrutura maior para receber os visitantes, então há um bom acolhimento”, afirma o reitor do santuário, padre Felipe Lemos de Queirós. Também como novidade, a carreta que transporta a imagem pelas ruas ficou estacionada, já enfeitada e pronta para o cortejo, diante do santuário – anteriormente, a ornamentação ocorria horas antes da procissão. “As rosas vermelhas representam o sangue derramado da Mártir Santa Luzia”, explicou o reitor.
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Como é costume, a procissão luminosa saiu da Praça da Matriz, no Centro Histórico, passando pelas ruas do Serro, Floriano Peixoto Bonfim e Direita, ao som das bandas Geraldo de Brito, Benício Moreira e Estrela de São João. Antes do cortejo, o bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, dom José Otácio Guedes, celebrou missa na Tenda da Fé, atrás do santuário. Houve homenagem a Santa Luzia, pelos jovens da Pastoral da Crisma. O encerramento, após a procissão, teve a Missa da Luz , presidida pelo padre Felipe Lemos de Queirós e com participação do vigário paroquial, padre Matozinhos.
O reitor lembrou a história da devoção à padroeira. “Completamos 281 anos da paróquia e do jubileu. A devoção a Santa Luzia é muito anterior à criação da paróquia, pois essa pertencia à de Roça Grande, em Sabará. A partir de 1744, no antigo Arraial do Bom Retiro, nossa paróquia começou sua vida própria”.
DIA DE FESTA
A primeira missa deste 13 de dezembro foi celebrada à meia-noite, com rito em latim, e participação do Coro Angélico e da Orquestra Sacra na execução de obras do compositor luizense José Maria Lopes, e os presidentes do jubileu, Vicente da Silveira Saraiva e Márcia Saraiva de Andrade, e vice-presidentes, Fábio Rafael Marçal Moreira e Natália Marcela Souza de Paula.
Durante todo o sábado, moradores e romeiros de várias cidades da RMBH estiveram no Santuário Santa Luzia para pedir graças, agradecer bênçãos alcançadas e fortalecer sua crença. Na companhia do pai, Expedito Fernandes Ribeiro, de 60 anos, Ana Paula Ribeiro veio de Lagoa Santa para agradecer a Santa Luzia uma graça. “Meu pai teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e ficou com problema de visão. Rezamos a Santa Luzia com muita fé e agora ele começa a enxergar”, contou Ana Paula, que ajudou o pai a se locomover e ficou na fila para beijar a fita da padroeira da cidade.
ESPAÇO DE DEVOÇÃO
Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), o Santuário Santa Luzia é considerado um dos templos católicos mais seguros do estado, dispondo de moderno sistema de vigilância. Tornou-se também símbolo das campanhas de bens culturais devido ao resgate, em 2003, de três anjos barrocos que iriam a leilão no Rio de Janeiro (RJ). As peças sacras podem ser contempladas na nave: dois ladeando a tarja do arco-cruzeiro e outro, o do sepulcro, no coroamento do altar de Nosso Senhor dos Passos.
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Quando a paróquia foi criada, ainda não existia a Arquidiocese de Mariana (de 1745), a primeira de Minas e sexta do país. Assim, o bispo do Rio de Janeiro, dom Frei João da Cruz, cria a Paróquia Santa Luzia, que passa a pertencer a Mariana. Muito depois, em 1921, ela começa a fazer parte territorialmente da então instalada (1921) Arquidiocese de BH. A capela primitiva dedicada a Santa Luzia foi erguida por volta de 1701, formando-se no entorno um rancho para tropeiros que chegavam da Bahia a fim de abastecer a região das minas de ouro. No início, quando era capela, a edificação ficava de frente para a Rua do Serro. Ao se tornar igreja, ficou virada para a Rua Direita, como está hoje.
A história se completa com informações contidas no Inventário do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de BH/PUC Minas. Entre 1721 e 1729, a capela foi ampliada por iniciativa do capitão-mor João Ferreira dos Santos e de outros pioneiros, com apoio do padre Lourenço de Valadares Vieira, vigário de Sabará. Assim, o templo se tornou capela filial da Freguesia de Santo Antônio de Roça Grande, pois Santa Luzia estava vinculada à Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará.
Mas nem tudo foi tranquilo nos primórdios da paróquia criada em 19 de novembro de 1744. A população de Roça Grande, por perder a posição da sede, foi se queixar ao bispo. Relatos do cônego Raimundo Trindade, autor de “Instituições de igrejas no bispado de Mariana” mostram que a transferência foi anulada pelo desembargador do Paço da Bahia e só regularizada bem mais tarde, em 29 de fevereiro de 1780, por meio de ordem régia.
De 1744 a 1778, a pequena construção sofreu alterações, tendo contribuído nos serviços o sargento-mor Joaquim Pacheco Ribeiro, em agradecimento à cura da visão. Os elementos artísticos do interior do santuário saltam aos olhos. “Além da excepcional qualidade do entalhe da segunda fase do barroco (estilo dom João V), a igreja apresenta o requinte do rococó e a linguagem despretensiosa dos padrões neoclássicos”, explica a historiadora Elizabete Tófani. Ao longo dos séculos 19 e 20, houve intervenções arquitetônicas e artísticas, algumas alterando a fachada original, outras promovendo a conservação.
HISTÓRIA DE LUZ
O nome de Santa Luzia vem do latim, significa “portadora da luz”, e, para os fiéis católicos, ela é a protetora dos olhos. Nascida em Siracusa, na Itália, pertencia a uma família rica, da qual recebeu formação cristã, a ponto de ela ter feito um voto de viver a virgindade perpétua. Porém, com a morte do pai, Luzia soube que sua mãe queria vê-la casada com um jovem de distinta família. O rapaz era pagão.
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Ao pedir um período para analisar o casamento e tendo a mãe gravemente enferma, Santa Luzia propôs à mãe que fossem em romaria ao túmulo da mártir Santa Águeda, e que a cura da grave doença seria a confirmação do “não” para o casamento. Reza a tradição que, milagrosamente, foi o que ocorreu com a chegada das peregrinas e, assim, Santa Luzia voltou para Siracusa com a certeza da vontade de Deus quanto à virgindade e quanto aos sofrimentos pelos quais passaria, a exemplo Santa Águeda.
Santa Luzia vendeu tudo o que tinha, deu aos pobres, e logo foi acusada pelo jovem que a queria como esposa. Não querendo oferecer sacrifício aos falsos deuses nem quebrar seu voto, ela teve que enfrentar as autoridades perseguidoras. Conta-se que antes de sua morte teriam arrancado seus olhos. Assim, Santa Luzia é reconhecida pela vida que levou Jesus até as últimas consequências.
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O prefeito da cidade, Pascásio, quis levar à desonra a virgem cristã, mas não conseguiu. Nem as chamas do fogo, às quais foi exposta, até que por fim a espada acabou com sua vida. Ela morreu no ano 304.
SERVIÇO
Jubileu de Santa Luzia, em Santa Luzia, na Grande BH
Domingo dos Romeiros (14/12)
Missas às:
6h, 8h, 10h (presidida pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, com Júlio César Moreira)
12h, 14h, 16h e 19h30 (presidida por dom Nivaldo dos Santos Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de BH)
11h – Procissão dos Romeiros, saindo do Santuário em direção à Igreja do Rosário, no Centro Histórico
