Tiroteio provoca medo e insegurança em bairro de BH
Suspeitas são de que o atentado ocorreu devido a uma disputa de domínio de território na região do Barreiro
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A quadra estava vazia. Nenhuma criança jogando bola como em todas as manhãs. No beiral que serve de arquibancada para os dias de jogos, onde se pode assentar para ver os jogos, uma garrafa de cerveja, pela metade, e ao lado, um copo ainda cheio. No chão, vários copos de plástico, de cerveja, mas tombados. Lá, também, uma churrasqueira, vazia, desligada. Não há mais carnes em cima da chapa. A impressão é que foi deixada para trás na confusão da noite anterior. Na parede, atrás da arquibancada, várias marcas de tiros.
Esse o quadro encontrado, na manhã desta quinta-feira (4/12), na Pracinha da Quadra, como é conhecido o espaço, na Rua Atlanta, no Bairro Flávio Marques Lisboa, em Belo Horizonte (MG) onde acontecia uma festa - um churrasquinho, segundo informações não confirmadas pela polícia, patrocinado por traficantes que dominam a área.
A festa acabou quando chegaram um VW T-Cross, com quatro ocupantes, e duas motocicletas. Três homens, segundo testemunhas, desceram de armas em punho, com camisetas e distintivos da Polícia Civil, já atirando. Começou um corre-corre e o saldo foi de dois mortos e nove feridos.
Na praça, além do espaço esportivo há também equipamentos de musculação e exercícios físicos. Mas também lá, não havia ninguém.
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As lojas, no entorno, assim como as duas igrejas evangélicas, estavam fechadas. Apenas um bar, que serve café da manhã, funcionava e na porta, três clientes, que comentam sobre os riscos dos dias atuais.
“É, a criminalidade está tomando conta. Olha o que aconteceu aqui”, comenta um deles, que não quer dizer o nome.
Aliás, o medo está por todos os lados no Bairro Flávio Marques Lisboa. As pessoas estão com medo de circular, principalmente à noite. “Já não é um lugar seguro, gostoso de se viver”, diz outro cliente do bar, que tomava café.
As pessoas que saíram de casa para ir ao trabalho ou para fazer compras, ao verem qualquer grupo de pessoas reunidos, como esse que tomava café, desviavam. Uma mulher disse que não queria nem cumprimentar um conhecido que lá estava. “Não sei, pois ele pode estar ligado a criminosos. Estou com muito medo”.
Um carro da Polícia Militar passa devagar pela rua Atlanta, o que, de certa forma, dá um alívio, um pouco de segurança nas pessoas. Uma mulher, ao ver a viatura, sai à rua. Sua vizinha faz o mesmo. As duas conversam e o assunto é o tiroteio.
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Uma delas reclama. “Precisamos de segurança, aqui. Tenho seis filhos. Tenho de sair para levá-los à escola. Mas não sei o que pode acontecer. Estou com medo. Depois de ontem, penso até mesmo em tirá-los da escola. Não vai dar agora, pois o ano está acabando. Mas vou pensar em sair daqui”.
Ela diz isso à vizinha e propõe: “Se você for olhar um lugar para mudar daqui, me fale que a gente vai juntas”.
Vítimas
As polícias Civil e Militar acreditam que o tiroteio seja motivado pela disputa do tráfico de drogas. Seriam duas facções rivais, que têm ligações com o Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo do crime seria o de matar o líder da facção que domina o bairro.
A PM foi acionada quando ainda acontecia o tiroteio. Na pracinha, os policiais encontraram um homem morto - o motorista do T-Cross, que tinha no colo um fuzil 556.
E na chegada dos militares, um novo corre-corre, de pessoas que saíam do veículo, suspeitos de serem saqueadores.
Dois dos atiradores, que desceram do T-Cross, conseguiram evadir. Mas o terceiro, um dos quatro ocupantes do veículo, foi avistado, entrando numa casa. Ele foi preso tentando se esconder atrás de um tanque, na lavanderia da casa. Dentro do tanque, havia um carregador. E refazendo o trajeto desse homem, que tinha um ferimento de tiro em uma das pernas, policiais encontraram um fuzil, jogado num canto da rua.
Enquanto isso, outras viaturas policiais se encarregaram de socorrer as vítimas de ferimento. Um deles, identificado como Ezequiel Ramos da Silva, foi levado para o Hospital Júlia Kubitschek, mas como o estado de saúde dele era grave, foi transferido para o Hospital do Pronto Socorro João XXIII (HPS), onde morreu.
Ezequiel é bastante conhecido no bairro. Trabalhava em um depósito de material de construção. “Gente boa”, diz uma testemunha, que como as demais, não quis se identificar.
Os feridos
Outras nove pessoas ficaram feridas e foram levadas para o HPS. Uma delas, um integrante do grupo dos invasores. Os outros oito, moradores do Bairro Flávio Marques Lisboa, que estavam ali apenas para aproveitar a festinha na praça.
“Era uma comemoração. Houve um jogo antes. E aconteceu isso aí. Olha, dá medo até de sair de casa, de caminhar na rua. Estou com medo de deixar meus filhos irem para a escola”, diz um morador, que também omitiu o nome e testemunhou o tiroteio.
Um outro diz que pretende se mudar do bairro porque teme pela segurança dele e da família. “Tenho filhos pequenos, dois meninos, que gostam de jogar bola nessa quadra. Não posso mais deixar”, afirma, mais uma vez pedindo sigilo sobre sua identidade.
Dúvidas
O caso está sendo investigado pela 2ª Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, no Barreiro. São muitas as dúvidas, os questionamentos dos policiais. Primeiro, querem definir quais as facções estão envolvidas e que ligação teriam com o Comando Vermelho (CV e Terceiro Comando Puro (TCP).
Existe um alerta sobre o crescimento da violência na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Se antes a preocupação era com casos de trocas de tiros entre gangues rivais no Alto Vera Cruz, Taquaril, Cabana e Morro das pedras, os últimos acontecimentos apotam situações graves também na Pedreira Prado Lopes e agora no Flávio Marques Lisboa.
Nota do Governo
O vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões (PSD-MG), disse na manhã desta quinta-feira (4/12) sobre o tiroteio que "só foram mortos criminosos", com o intuito de tranquilizar a população. Sobre o fato de os criminosos trajarem uniformes da polícia, Simões afirmou que "vamos intensificar uma cobrança para que o Congresso altere a lei sobre a comercialização de uniformes. Estamos com dezenas de policiais nas ruas com a operação em curso e temos certeza de que vamos identificar outros envolvidos".
Uma nota oficial foi divulgada. Leia abaixo, na íntegra.
“O Governo de Minas reforçou as operações de combate ao crime organizado e às facções criminosas em todo o estado, com atuação conjunta das forças de segurança. Nesse sentido, possíveis conexões entre facções criminosas também estão sob o monitoramento de Inteligência por parte da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp MG).
Por meio do Sistema Estadual de Inteligência de Segurança Pública (SEISP), com atuação conjunta da Sejusp MG, Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), Polícia Penal (PPMG), Ministério Público (MPMG), Tribunal de Justiça (TJMG), Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo (Suase), dentre outros órgãos e Instituições, foram recapturados 360 criminosos foragidos da Justiça apenas em 2024. A atuação estratégica com o uso de tecnologias modernas e inteligência integrada também estão resultando em prisões de outros foragidos da justiça, e de lideranças criminosas, em todo o Estado de Minas Gerais, neste ano.
Além disso, a Sejusp MG implementou rígida política de isolamento de integrantes do crime organizado em unidades prisionais especiais, onde são monitorados e acompanhados com rigor, impedindo novos rituais de associação e enfraquecendo o crescimento de tais grupos no estado. Essas unidades passam por acompanhamento integral do serviço de Inteligência e operações frequentes de buscas e revistas, neutralizando as comunicações entre os diferentes membros.
Vale destacar, ainda, a parceria entre a Sejusp MG e a PCMG para criação, em 2024, do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (GERCO). A unidade é responsável por ações significativas em Minas, como a prisão de integrantes do Comando Vermelho que tinham fugido de unidades prisionais e a desarticulação de lideranças criminosas no estado. Ressaltamos também o Centro Integrado de Inteligência Cibernética (CIBERINT), que atua com o monitoramento de membros de organizações criminosas no ambiente web.
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A Metodologia da Integração da Gestão em Segurança Pública (Igesp), desenvolvida pela Sejusp, garante a troca contínua de informações e o fortalecimento do trabalho em equipe, reforçando as ações em áreas classificadas como Zonas Quentes de Criminalidade (ZQC), em diferentes regiões do estado, para o enfrentamento da criminalidade.
Ressaltamos ainda as operações estratégicas, promovidas pela PMMG, que combinam presença ostensiva em áreas críticas e pontos específicos para restabelecer a ordem. Além de ações conjuntas que combinam as expertises das forças de segurança estaduais e intercâmbios de informações e operações com outros estados, monitoramento pelo serviço de inteligência de alvos envolvidos em organizações criminosas, além de utilização de tecnologias como reconhecimento facial, voltado para localização de foragidos da justiça, e o sistema Hélios, ferramenta de leitura inteligente de placas de veículos que favorece a estratégia de cercamento digital das cidades.”