Assim como os sistemas de transporte público de todo o país, o transporte metropolitano da Grande BH passou por uma queda vertiginosa de passageiros durante a pandemia, que levou a um corte de viagens como forma de reduzir custos. Passada a crise na saúde, as viagens estão longe de voltar ao patamar de antes, e o sistema voltou a perder passageiros. Especialistas em mobilidade urbana, e o próprio Plano de Mobilidade da Grande BH, alertam que esse cenário pode levar o sistema a um círculo vicioso, com quedas cada vez maiores na demanda, que levam a novos cortes e outras reduções no número de usuários...

Em 2020, primeiro ano da pandemia e que teve restrições de circulação mais atenuadas, o número de passageiros transportados nos ônibus metropolitanos despencou dos 184 milhões de 2019 para 112 milhões. A demanda ensaiou uma retomada em 2021 (119 milhões) e 2022 (140 milhões), mas voltou a cair em 2023 (133 milhões) e em 2024 (126 milhões), apontam dados da Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra).

A queda no número de passageiros levou à redução no número global de viagens, que passaram de 4,2 milhões em 2019 para 2,7 milhões em 2024 (redução de 35%). Os maiores prejudicados são os passageiros dos horários de menor demanda, em que ocorre uma explosão no intervalo entre as viagens.

(Essa reportagem faz parte de um especial em três partes. Confira as outras matérias no fim da página).

“Dormindo” no ponto

Em Nova Lima, por exemplo, passageiros têm que esperar pelo menos 40 minutos no ponto aos domingos. Antes, eram 43 viagens ao longo do dia, com intervalo médio de 25 minutos entre cada uma. Hoje, são apenas 17 partidas, redução de 35%.

Em Lagoa Santa, a redução foi ainda maior, de 48%. Antes da pandemia, eram feitas 33 viagens de ônibus aos domingos, com intervalo de 30 minutos entre elas. Atualmente, são feitas apenas 17, e o intervalo dobrou para 60 minutos – tempo que se soma à espera pelo Metrô ou pelo Move Metropolitano para seguir em direção ao Centro da capital.

“A ponta do iceberg é a retirada das viagens nos horários de menor demanda, mas desde 2014 já se anunciava uma crise no sistema, que a pandemia apenas fez acelerar”, explica o especialista em transportes e professor do Cefet-MG Renato Guimarães Ribeiro.

Bancada pela tarifa

A redução no número de viagens de uma linha e o consequente aumento do intervalo entre os ônibus faz com que parte dos passageiros deixe de usar o transporte público, insatisfeitos com o tempo perdido no ponto. Essa situação gera um círculo vicioso, já que quanto mais passageiros saem do sistema, mais viagens são cortadas – e o intervalo entre elas aumentará novamente. O próprio governo estadual alerta para este problema no Plano de Mobilidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Planmob RMBH), elaborado entre 2018 e 2024.

O professor Renato Guimarães Ribeiro explica que, em um cenário como esse, a tendência é haver cortes especialmente nos horários de menor demanda, como aos fins de semana e nas madrugadas, a fim de fazer com que viagens em horários menos rentáveis não tornem a tarifa mais cara.

“Nos sistemas em que não há subsídio, a tarifa pública (cobrada dos passageiros) é igual à tarifa de remuneração. Só quem custeia o sistema é o usuário. Se o número de usuários cai, o rateio de quem vai financiar é maior, e acaba havendo aumento da tarifa. Uma coisa é consequência da outra. A solução para isso é trazer mais pessoas para o sistema e torná-lo menos dependente da tarifa de remuneração, como ocorre em outros países”, defende o especialista.

Diferentemente do transporte municipal de Belo Horizonte, no qual a prefeitura subsidia parte da tarifa, o sistema de ônibus metropolitano é custeado apenas pela passagem cobrada dos usuários. O mais próximo de subsídio que as empresas tiveram foi a assistência dada pelo governo federal em 2022, para auxiliar no custeio da gratuidade de pessoas idosas. Na ocasião, as empresas de ônibus metropolitano da Grande BH receberam cerca de R$ 96 milhões.

Quem paga pela gratuidade?

Atualmente, assim como antes desse auxílio federal, a gratuidade das pessoas idosas e de outros grupos no transporte metropolitano é bancada pelo chamado subsídio cruzado, no qual o custo para zerar a tarifa dessas pessoas é dividido entre os usuários que pagam a passagem – as gratuidades no sistema representam cerca de 15% dos passageiros. A mudança dessa lógica de financiamento é uma das principais demandas atuais das empresas de ônibus.

Em setembro, a Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU) pediu urgência para aprovação do Marco Legal do Transporte Público Urbano, em tramitação na Câmara dos Deputados. O texto estabelece, entre outras medidas, que a concessão de gratuidades deve ser custeada com recursos financeiros específicos, “sendo vedado atribuir o referido custeio aos usuários” – como ocorre hoje no sistema da Grande BH.

No fim do ano passado, empresários do transporte metropolitano cobraram do governo estadual a implantação de subsídio a fim de baratear a tarifa. Contudo, na época o governo afirmou que a concessão de subsídio ao sistema de ônibus não estava em cogitação – decisão que foi reforçada à reportagem. “No momento, não há previsão de concessão de subsídios para o transporte coletivo”, informou a Seinfra.

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Uma alternativa que surgiu no horizonte é o projeto de lei proposto para implantar a tarifa zero universal no transporte metropolitano. A proposta, de autoria da deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), estabelece que o sistema seja custeado por um aumento da alíquota de IPVA dos carros de locadoras – passando dos atuais 1% para 4%, mesmo valor cobrado dos carros particulares. O texto foi protocolado no começo do mês e ainda vai passar pelas comissões da Assembleia Legislativa antes de ir a plenário.

Reportagens publicadas

Parte 1: O último "Trem" da noite: a luta da volta para casa em cidades da Grande BH

Parte 2: O que são as "viagens fantasmas" que ameaçam a volta para casa na Grande BH

Parte 3: Queda de demanda e redução de ônibus alimentam risco de colapso no "Trem"

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