"Papa Francisco tem no DNA a simplicidade"
Na Semana Santa, Dom José Otacio Oliveira Guedes fala sobre os ensinamentos do pontífice. Ele destaca a riqueza dos santuários em Minas e o turismo da fé
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Siga noDom José Otacio Oliveira Guedes foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte pelo papa Francisco. A nomeação foi comunicada pelo Vaticano no dia 15 de maio de 2024 e a ordenação aconteceu em 10 de agosto do ano passado, em Niterói, no Rio de Janeiro. Mineiro de São Sebastião do Maranhão, na divisa entre o Vale do Rio Doce e o Vale do Jequitinhonha, ele nasceu em 26 de fevereiro de 1974.
Começou sua trajetória religiosa no Seminário São José da Arquidiocese de Niterói, em 1991, concluindo a formação inicial no Colégio Maria Mater Ecclesiae, em Roma. No decorrer de seu caminho pela fé, adquiriu conhecimento em teologia bíblica e filosofia, foi pároco, capelão e padre. Coordenou cursos para leigos sobre a natureza de Deus, dos seres divinos, e da relação entre eles e os seres humanos, e de formação para catequistas. Tem passagem pelo universo acadêmico como professor universitário e reitor.
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Dom José Otacio Oliveira Guedes é o convidado do EM Minas que foi ao ar na TV Alterosa nesse sábado (19/4). Ao jornalista Ricardo Carlini, ele falou sobre o significado das celebrações da Semana Santa e a mensagem deixada por Jesus Cristo.
Na entrevista, menciona o trabalho peculiar do papa Francisco, que foge do conservadorismo, diferente de outros que já passaram pelo Vaticano. Com suas atitudes de proximidade e a simplicidade em seu DNA, para o bispo, o chefe da Igreja católica tem uma sensibilidade que admira. “Com perfil latino, também com a sua densidade espiritual, jesuítica, percebeu que não está bom como está, e isso toca o olhar sobre o essencial”, diz.
O bispo fala ainda sobre a fé dos mineiros, em particular. Um estado onde a cultura e a religião estão unidas em diferentes expressões de louvor. Para ele, há ainda muito a ser feito quando o assunto é o turismo religioso em Minas Gerais – é urgente a necessidade de tornar mais fáceis o acesso a santuários, como acontece em trilhas de reflexão e adoração pelo mundo.
Dom José Otacio reforça o papel da religião em aproximar as pessoas do que realmente é o essencial. Afinal, sobre o que é o cristianismo? Para ele, diz respeito à própria vida, a quem evitou que a humanidade se afogasse para ofertar uma existência plena. “São a fé e seus mistérios que estamos celebrando nesses dias.”
Nós tivemos missas e celebrações maravilhosas nos últimos dias em municípios de Minas que carregam a religiosidade, a fé, como Diamantina, Sabará, Ouro Preto, Mariana. Minas é religião? Minas é fé?
Essa é a percepção. Embora eu seja mineiro e tenha estado fora, é o que se percebe nas terras mineiras. A questão cultural e religiosa está entranhada, muito costurada. Uma sensibilidade que se observa nas procissões. Estive em Caeté e Sabará nesses dias e foram dias muito especiais. Sentir a proximidade das pessoas com o religioso e o cultural. Está nos mineiros, eles vivenciam isso.
A Igreja sente o turismo religioso? Já há dois ou três anos, o governo do estado tem incentivado esses roteiros religiosos dentro de Minas Gerais. A Igreja sente isso? Há esse turismo dedicado às celebrações?
Temos procuras. Existem santuários importantes, com destaque especial para o santuário estadual de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, um lugar extraordinário. Mas pode ser feito mais, justamente pelo motivo que falávamos, essa proximidade entre o cultural e a fé. Tem muito a ser feito ainda quanto ao turismo religioso. Construir caminhos, estradas, como existem em outros lugares, acessos para essas caminhadas, considerando também o aspecto ecológico. Seria um bom casamento entre cultura, fé e o chamado ecoturismo.
Trilhas religiosas...
Perfeitamente.
Existem trilhas famosas no mundo, como o caminho de Santiago de Compostela, que muitas pessoas de variadas religiões percorrem, caminhos de reflexão e celebração.
Perfeito. Em Minas, existem trajetos históricos. Por que não pensar no acesso até a Basílica de Aparecida, por exemplo, ou pensar em alguma assistência aos peregrinos? Já existe alguma coisa, mas podemos ser mais.
Procede que a Basílica de Aparecida é uma das maiores do mundo e só perde para a Basílica de São Pedro, catedral do Vaticano?
Me parece que sim. Como templo, como construção. Temos no mundo catedrais enormes.
O senhor foi nomeado pelo papa e hoje é bispo auxiliar de uma arquidiocese tão relevante como a de Belo Horizonte. O papa Francisco tem feito um caminho um pouco diferente dos papas que o antecederam. O senhor concorda?
Concordo. Cada papa tem o seu específico. Esse papa me toca muito. Suas atitudes de proximidade, suas frases, expressões com padres, bispos, dizendo que têm “cheiro de ovelha”. São expressões que falam de proximidade. Ele tem no DNA a questão da simplicidade em seus gestos. Ele quer que a vida dele seja assim, mas gostaria de passar essa mensagem também para outras pessoas. Imagina se isso fosse não só intraeclesial, se também os nossos governantes tivessem atitudes assim.
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Lembrando da época em que ele foi eleito, me recordo que abriu mão das vestes protocolares de um papa – o sapato e outros itens das vestes. Dizia que ia seguir usando o mesmo sapato de quando era padre, um padre como outro qualquer. Inclusive não foi morar na residência oficial do papa, continuou na residência dos bispos em Santa Marta. Foram sinais muito fortes.
O próprio nome dele. Francisco já faz ecoar uma mensagem muito forte. Mesmo para quem não é católico, todos sabem quem foi São Francisco de Assis. Um homem que se despojou de tudo. Pelo seu estilo de vida, é uma pessoa reconciliada profundamente consigo, com o criado, com o criador. Jorge Bergoglio. O nome Francisco foi escolhido depois do conjunto dos gestos dele. Penso que a mensagem já foi dada. Muitas vezes, quando chego em ambientes como bispo, onde nem todos são católicos, os gestos dele (papa Francisco) são lembrados. Então, a mensagem chegou e está deixada para a posteridade.
Se fala ainda que, se ele viesse a falecer (esperamos que se restabeleça por completo em saúde), teria até estabelecido novos ritos de homenagem no que diz respeito ao funeral de um papa. Teria aberto mão até de ser sepultado na cripta dos papas dentro da Catedral São Pedro. Procede?
É notícia ouvida, publicada, que ele desejaria ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maggiore, Santa Maria Maior. Suas viagens são sempre iniciadas e concluídas lá. Ele tem essa relação com a Virgem Maria muito particular. Mas se fala sobre os protocolos, como o duplo caixão, como outros dentro do ritual. Pensemos em um papa antes dele, o papa Bento 16. É outro perfil. O que estava, ele tendia a seguir.
Mais tradicional e conservador...
Sim... Agora, o papa Francisco, de perfil latino, também com a sua densidade espiritual, jesuítica, percebeu que não está bom como está, e isso toca o olhar sobre o essencial. São coisas que poderiam ser só circunstanciais – querer ser sepultado dessa maneira ou escolher esse nome –, mas nos faz ver o essencial, que é a pessoa de Jesus, a mensagem dele, no aspecto mais genuíno. Para que a nossa mochila de coisas, de adereços, fique mais leve. Para que o essencial seja proposto.
Fico pensando como isso deve ser um choque dentro da Igreja. Uma instituição milenar ter esses dogmas alternados, essas mudanças de comportamento. Percebemos, até como leigos, algumas alternâncias. Francisco vem com esse despojamento depois de um conservador. Antes do conservador, um homem também bastante libertador, hoje um santo – São João Paulo II. Antes dele, João Paulo I (claro que não teve a oportunidade, já que morreu com 33 dias de papado) e Paulo VI, que também era um seguidor de ritos. Parece que há uma alternância dentro da Igreja.
Importante só distinguir que, quando falamos de dogmas, elementos de fé e de moral, essas coisas permanecem. Mas a sua reflexão procede. Vejo, nessa perspectiva, que essas coisas permanecem, mas o nosso olhar sobre elas muda. Pensemos: qual é o essencial sobre o cristianismo? E quanto à fé e ao mistério que estamos celebrando nesses dias? Vamos celebrar hoje o ressuscitado. Se juntarmos muitas coisas a isso, como o jeito de vestir ou os costumes, pode ser que a gente perca o essencial. Penso que as atitudes do papa Francisco não mudam as coisas essenciais, mas mudam nosso olhar sobre elas.
O senhor é um homem que conhece tudo lá em Roma. Dirigiu o Pontifício Colégio Pio Brasileiro, que recebe os padres brasileiros que estão estudando em Roma...
Sim, estudando. Os bispos enviam para que estudem lá. Há um processo de envio deles. O bispo faz essa triagem nas dioceses do Brasil. De regra, são mais jovens, entre 30 e 40 anos de idade. Tendo já feito a graduação, em filosofia ou teologia, vão para fazer mestrado e doutorado, ou uma coisa somente. Há quem faça o mestrado aqui, o doutorado lá, e vice-versa. Vão estudar nas universidades romanas, que são várias. Os padres brasileiros são acolhidos nesse colégio e estudam nessas universidades. O colégio comporta até cerca de 150 padres. E pode acontecer que, enquanto está estudando, colabore também junto ao Vaticano. O colégio fica a três quilômetros do Vaticano.
A hierarquia da Igreja Católica é tão rígida quanto uma hierarquia militar?
Nós estávamos falando do papa Francisco. Depende sempre de quem está à frente. Não é tão rígida quando pensamos nessa obediência ao que é estabelecido. Os bispos têm uma relativa autonomia na sua diocese. Se a Santa Sé explicitamente pedir uma mudança de bispo, propuser a um bispo ir para uma determinada diocese, e se o bispo tiver motivos para não ir, ele pode argumentar. O papa não vai falar: “Eu quero que você vá de qualquer maneira.”
Também entre bispos e padres, nessa relação, diríamos uma experiência de obediência, a gente procura sempre respeitar o caminho espiritual do padre. Então, não é igual ao que eu conheço no meio militar, que é falou e obedeceu. Há nuances. Mas a gente sempre espera que o espírito evangélico possa ser o ar que respiramos em todas essas decisões.
O arcebispo Dom Walmor sonhou com a Catedral Cristo Rei, buscou apoio e está aí a catedral, praticamente pronta.
Já está sendo utilizada. O último projeto de Oscar Niemeyer, a cereja. A obra está 65% concluída, mas isso não quer dizer que não estejamos já utilizando. A parte construída foi preparada para já ser aproveitada onde estão as instalações de governo da diocese – os espaços de culto e de assistência com os mais pobres. Então, já está em funcionamento.
O que falta mais é o acabamento arquitetônico...
Perfeitamente. São aqueles pórticos de 100 metros de altura. A catedral foi pensada para dar aquela ideia das catedrais da Idade Média. Não era somente o templo, havia a universidade, o aspecto cultural... Essa catedral tem esse complexo. É um lugar onde as pessoas terão vida social. Tem esse detalhe das igrejas góticas, que é a pessoa ficar maravilhada ao olhar para uma estrutura assim. Quase “um vislumbrar” do que é criado diante de uma obra.
O senhor é especialista, doutor em teologia bíblica. Isso quer dizer que o senhor fica estudando a Bíblia o dia inteiro?
Isso quer dizer que eu estudei as línguas nas quais a Bíblia foi escrita. O Antigo Testamento foi escrito em hebraico e aramaico, e o Novo Testamento em grego.
Então, o senhor domina o grego e o hebraico, e estuda a sagrada escritura no original. O que me faz perguntar: tem diferença no texto?
Faz diferença. Por mais que você traduza, cada língua carrega uma perspectiva sobre o real. Você não só traduz. É uma perspectiva, um jeito de olhar. O hebraico, por exemplo, é uma língua plástica, é uma língua que você fala, ela tem conceitos mais abstratos.
Como se encontra hoje a Igreja Católica no Brasil? Somos ainda a maior nação católica do mundo? Vemos grandes movimentos de jovens na Igreja, em encontros mundiais, mas também percebemos os jovens um pouquinho grudados nos devices, um pouco longe do espiritual. Como o senhor analisa isso?
Há movimentos que são além da Igreja. As grandes instituições, nesse momento, estão abaladas nas suas propostas de totalidade, e a Igreja católica entra aí também, no seu intuito de dar uma verdade para todos, que seja universal, perene. As linhas de filosofia foram desconstruindo isso. É o nosso tempo.
Especificamente sobre a Igreja no Brasil, ainda somos a maior nação católica, mas temos nossas questões internas. Uma sensibilidade diferente que, por vezes, causa divisões e uma dificuldade nesse diálogo, mas penso que estamos em caminhos muito interessantes.
Entre o final de abril e início de maio, os bispos vão se reunir em Aparecida, justamente para elaborar diretrizes, pensar a pastoral para o futuro. Acredito que vão sair coisas muito interessantes sobre esses desafios, como o desinteresse dos jovens, já que a nossa proposta é extraordinária – a pessoa de Cristo. É o nosso jeito, nossa linguagem. Não é que a gente vai encontrar soluções, mas pelo menos vamos continuar tentando.
Sete cardeais brasileiros têm condições para votar em um eventual conclave. No próximo processo de escolha de papa, vão participar. São eleitores e podem ser eleitos. O senhor vislumbra um papa brasileiro?
Por que não? Mas eu não tenho a capacidade de fazer uma leitura do nosso momento. Isso é a Igreja que vai sentir. Cremos que é o Espírito Santo que age e utiliza esses meios. Mas podemos vislumbrar, por que não? Os brasileiros têm uma capacidade de síntese muito boa. Falamos dessas questões internas de tensões na Igreja, mas a maioria dos nossos bispos são homens universais, agregadores. Penso que existe essa possibilidade.
Qual a mensagem que o senhor nos deixa nessa Páscoa?
Gostaria que nós sentíssemos que esses fatos foram por causa de nós, para que nos sentíssemos envolvidos. Não são fatos para contemplar externamente. Dizem respeito à nossa vida. Nós estávamos como que afogando e alguém nos tirou de lá e nos deu a oferta de uma existência plena. Uma feliz Páscoa para todos e que não seja só a celebração de Jesus. Estamos todos envolvidos, e que nós também sejamos pascalizados com ele.
O EM Minas é uma parceria entre a TV Alterosa, o jornal Estado de Minas e o Portal Uai. O programa vai ao ar aos sábados, a partir das 19h30, simultaneamente na televisão e no YouTube (youtube.com/portaluai). A versão online tem um bloco exclusivo.
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