CLIMA

Temporal atípico "inunda" a capital. E tem mais

Em poucas horas, chuvas batem a média de abril em algumas regiões de BH e provocam onda de transtornos, com alagamentos e falta de energia

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Melissa Souza e Sílvia Pires 

Nem bem o gabinete de crise do governo de Minas para o período chuvoso foi desmobilizado, Belo Horizonte acordou ontem (16/4) com uma tempestade que fez a cidade se lembrar dos transtornos das chuvas. Em poucas horas, o volume de precipitações se aproximou — ou até superou — da média histórica para abril em várias regiões da cidade. Alagamentos, quedas de árvores, cortes no fornecimento de energia, carros ilhados e moradores resgatados marcaram um dia atípico para um mês que, em geral, é de estiagem. E a previsão é de mais chuvas para hoje (17/4).

O volume esperado para essas 24 horas é maior do que a média de chuva de todo o mês de abril na capital, que é de 82,3mm. Somado o volume de ontem até o esperado na manhã desta quinta, Belo Horizonte deve receber 90 milímetros (mm). No Barreiro, em menos de 12 horas, choveu 95,4mm ontem. Já na Região Nordeste, a marca foi de 92,6 milímetros (mm) de precipitação, ou seja, 112,5% da expectativa de chuvas para o mês. Apenas durante a manhã, em um intervalo de três horas, a regional registrou 75,4mm de chuva, o que representa 91,6% da média histórica de todo o mês de abril.

Ontem, motoristas enfrentaram alagamentos no Anel Rodoviário, próximo ao Shopping Del Rey, na Região da Pampulha, onde choveu 88,5% da média esperada para o mês apenas entre as 5h30 e as 8h30. Um carro chegou a ficar ilhado, mas o condutor foi resgatado sem ferimentos. Ventos de até 50km/h provocaram quedas de árvores em diferentes pontos da capital, afetando o fornecimento de energia. Ao todo, cerca de 500 imóveis ficaram sem luz nas regiões Leste e Nordeste, e a Cemig reforçou o atendimento emergencial. Na Lagoinha, uma árvore derrubou a fiação e causou explosões em um transformador. Já na Avenida Getúlio Vargas, outra árvore atingiu um carro estacionado em frente a uma escola, mas ninguém se feriu.

Na Avenida Cristiano Machado, um dos principais corredores de BH, cenas já conhecidas se repetiram. Na altura do Bairro Suzana, Região da Pampulha, a água tomou pelo menos duas pistas e o passeio, forçando os veículos a se espremerem por apenas uma faixa. Próximo à Estação São Gabriel, o córrego que vem da Lagoa da Pampulha transbordou, espalhou lixo pelas ruas e travou o trânsito, conforme registrou a reportagem do Estado de Minas.

avenida cristiano machado - próximo à estação são Gabriel, córrego transbordou, espalhando lixo pelas ruas

avenida cristiano machado - próximo à estação são Gabriel, córrego transbordou, espalhando lixo pelas ruas

Jair Amaral/EM/D.A Press

TRANSTORNOS CONSTANTES

Moradora da Rua Oscar Castanheira, no Bairro Dona Clara, Região Norte da capital, Joyce Kelly Martins, de 54 anos, viu novamente a água subir. “Atravessamos todo o período de chuva debaixo de lama. Essa chuva intensa que cai vai transbordando tudo, a água do bairro inteiro vem para essa rua e não tem escoamento”, relatou. Desta vez, a água não chegou a invadir o prédio onde ela vive há mais de uma década. Equipes da prefeitura trabalhavam na limpeza da rua no momento em que a reportagem esteve no local.

Segundo Joyce, desde o início das obras da alça do viaduto Waldomiro Lobo, no cruzamento da Cristiano Machado com a Sebastião de Brito, os alagamentos pioraram consideravelmente. Ela aponta um estreitamento no curso do Córrego Onça como agravante. “Antes só transbordava quando chovia muito. Agora, qualquer chuva já alaga tudo. A água do córrego volta, inunda a Cristiano Machado e vem parar na nossa rua. Piorou significativamente”, relata.

A rua, estreita e cheia de buracos, virou retrato do abandono, segundo relatos ouvidos pelo Estado de Minas. Segundo o pastor Paulo Reis, que também é dono de uma clínica médica no local, os problemas são antigos, mas se agravaram. “O tempo fecha, as pessoas já não vêm para a igreja, elas já não vêm cultuar, com medo do alagamento que é recorrente, não só deste período. Vem de muitos anos”, conta.

Ele ressalta a ausência de bocas de lobo nas ruas do entorno. “Se andar pelo bairro, vai ver que só tem uma, ali na esquina da Oscar Castanheira com a Cristiano Machado. Toda a água do bairro desce superficialmente, sem drenagem, e se acumula na parte baixa. É algo sério, que precisa de atenção”, afirma. “O grande problema é que toda chuva, independentemente do volume de água, alaga a rua e entra para as residências e comércios, o que causa transtornos para os proprietários das empresas e também para os moradores”, completa.

Além da água, veio a lama. E com ela, poeira nos dias secos, trazendo consequências à saúde dos moradores. Joyce associa o problema a casos de doenças respiratórias entre os moradores. “Já tive pneumonia, minha vizinha vai se internar para operar porque ela também está superatacada por rinite”, disse, ao citar as rachaduras e trincas que se abriram nas casas desde o início da obra. A reportagem procurou a prefeitura para comentar as queixas dos moradores, mas, até o fechamento desta edição, não houve resposta.

Já na Avenida Vilarinho, em Venda Nova, os moradores observaram, com tensão, o nível da bacia de contenção subir perigosamente. A água ficou próxima da margem, mas não chegou a transbordar. Edmeia Viana, moradora da região há 35 anos, disse ter ido trabalhar de Uber por medo da chuva. “Acho que a bacia está ajudando bem, dando certo. Desde que foram feitas as obras, até inunda, mas não entra nas lojas. Se não fosse a bacia, aquela água toda lá ia entrar”, conta. A lanchonete em que ela trabalha fez uma barreira na porta para evitar a entrada da água.

Entre as 5h30 e as 16h de quarta, Venda Nova registrou 98,2% da chuva esperada para todo abril. Por lá, as obras dos reservatórios subterrâneos para macrodrenagem dos córregos Vilarinho, Nado e Ribeirão Isidoro, iniciadas há três anos, estão na terceira fase. A conclusão dos trabalhos está prevista para o segundo semestre deste ano. Finalizadas, o sistema terá capacidade total para reter até 230 milhões de litros de água das chuvas. Só o reservatório profundo Vilarinho 2 terá capacidade de 115 milhões de litros d’água.

RISCO GEOLÓGICO

Com o solo encharcado e chuvas intensas previstas até o fim de semana, a Defesa Civil de Belo Horizonte emitiu alerta para risco de deslizamentos e desmoronamentos de terra em todas as regionais. O risco é alto nas regiões Noroeste, Venda Nova, Pampulha, Nordeste e Leste, e moderado nas regionais Barreiro, Oeste, Centro Sul, Hipercentro e Norte. O aviso segue válido até sábado (19/4).

Em áreas de encosta, o perigo cresce silencioso. Rachaduras nas paredes, portas que emperram, água na base de barrancos são alguns dos sinais que podem indicar movimentações de terra. Por isso, o órgão reforça a importância de atenção redobrada em regiões sujeitas a deslizamentos. A orientação é que moradores observem o grau de saturação do solo, evitem permanecer próximos a barrancos e procurem abrigo seguro caso percebam alterações no terreno.

NOVO NORMAL?

Abril costuma ser um mês seco, com massas de ar frio impedindo a formação de nuvens. Mas este ano, o clima não tem dado trégua. O meteorologista Claudemir de Azevedo, do Inmet, explica que a situação resulta da combinação de um sistema de baixa pressão com uma frente fria. “É atípico, mas não inédito. Estamos sob influência de um sistema de baixa pressão aliado a uma frente fria. Isso traz muita umidade, pancadas intensas e risco de granizo”, explicou.

Dados da Defesa Civil de Belo Horizonte mostram que o volume de chuvas neste mês já superou a média histórica para abril em todas as regionais. Até as 16h de ontem, quando foi divulgado o último balanço, a regional Nordeste já tinha acumulado 129,2mm, o que representa 157% da média esperada para o mês. A Pampulha vinha logo atrás, com 125,6mm (152,6%), seguida por Venda Nova (149%), Oeste (148,5%) e Barreiro (143,1%).

A instabilidade deve persistir ao longo da semana. Hoje, pancadas isoladas e trovoadas são esperadas. As temperaturas variam entre 17°C e 27°C. Amanhã (18/4), o cenário se repete. No sábado, as chuvas devem perder força, mas não cessar completamente. E, no Domingo de Páscoa, a previsão é de céu parcialmente nublado com possibilidade de pancadas. Já no feriado de Tiradentes, na segunda (21/4), o céu deve permanecer encoberto, com temperaturas mais amenas.

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O último temporal que registrou tamanho volume de chuva em BH foi em 23 de janeiro do ano passado. Na ocasião, o então prefeito da cidade, Fuad Noman (PSD), disse que aquele seria "o novo normal", diante das mudanças climáticas no mundo. “Depois de uma chuva extremamente violenta, a gente costumava dizer que era fora do normal, mas agora a gente tem que dizer que essa chuva é o novo normal”, disse Fuad, em coletiva de imprensa realizada em 24 de janeiro do ano passado.

MORTES EM MINAS

Durante o último período chuvoso, encerrado em 31 de março, 27 pessoas morreram em Minas Gerais. A última vítima foi a adolescente Raphaela Vitória de Oliveira Moura, de 14 anos, arrastada por uma enxurrada no Barreiro em março. Entre outubro de 2024 e março deste ano, 170 municípios decretaram situação de emergência, e um, de calamidade pública em decorrência das chuvas. O número de pessoas desalojadas cresceu 249%, com quase 10 mil atendimentos. Já os desabrigados — que precisaram de abrigo público — saltaram de 399 para mais de 2 mil: um aumento de 417%. As informações foram divulgadas ontem pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec).

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

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