O negócio da saudade: o mercado que lucra com a nostalgia
Entenda como empresas faturam alto ao investir na memória afetiva dos consumidores
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Aquele tênis que era moda na sua adolescência, o chocolate com a embalagem antiga ou a música que tocava sem parar nos anos 1990. Se você sentiu um pingo de saudade, saiba que não está sozinho.
Empresas de diversos setores no Brasil estão transformando essa memória afetiva em uma poderosa estratégia de negócios, faturando alto ao resgatar produtos e ícones que marcaram gerações.
O comportamento de consumir produtos “vintage” entre os brasileiros é influenciado principalmente pelas redes sociais. Segundo pesquisa realizada pelo Mission Brasil, com 400 pessoas, 92,3% afirmam perceber a influência direta de conteúdos digitais na compra de produtos considerados nostálgicos.
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Quando se trata da faixa etária das pessoas que adquirem esses tipos de produtos, a maioria dos consumidores pertence às gerações Y – os millennials, e Z – nascidos entre 1997 e 2012 –, representando, respectivamente, 50% e 43%.
No topo do ranking dos produtos vintage mais adquiridos estão os videogames, favoritos por 25% das pessoas, seguidos por:
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Roupas (22%)
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Alimentos e bebidas (17%)
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Doces e chocolates (10%)
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Jogos de tabuleiro e brinquedos (8,5%)
Também aparecem na lista os calçados e celulares, com 4% das indicações cada, seguidos por revistas ou livros (3%) e maquiagens (2,5%). Os produtos vintage menos comprados são câmeras fotográficas (2%), bolsas (1%) e óculos (1%).
Como se chama esse fenômeno?
O fenômeno, conhecido como marketing da nostalgia, vai muito além de apenas vender um item antigo. A ideia é oferecer uma experiência - um portal de volta a uma época percebida como mais simples e segura.
Em um mundo de incertezas e excesso de informações, a familiaridade do passado se torna um refúgio confortável para o consumidor. Essa conexão emocional explica o sucesso de relançamentos de roupas, alimentos e até carros com design retrô.
A estratégia se baseia na ideia de que as emoções associadas a uma marca na juventude criam um laço de confiança e lealdade que perdura por décadas, influenciando diretamente a decisão de compra na vida adulta.
Para 42% das pessoas, segundo a pesquisa, a ligação com uma memória é decisiva para a compra.
Mas não são apenas os produtos que voltam. A estética de décadas passadas inspira novas coleções de moda, trilhas sonoras de filmes e séries e campanhas publicitárias. Ídolos do esporte, como Pelé, são constantemente evocados para reacender o orgulho e a paixão, mostrando como a nostalgia é uma força presente em quase todos os aspectos da cultura brasileira.
Como a nostalgia é usada para vender mais?
Entender como as marcas utilizam a memória afetiva pode ajudar você a identificar essa estratégia no dia a dia. As abordagens mais comuns incluem:
1. Edições limitadas
Trazer de volta um produto icônico por tempo limitado cria um senso de urgência e exclusividade, atraindo tanto quem o consumia no passado quanto novos clientes curiosos.
Um exemplo é o lançamento do filme Barbie (2023), de Greta Gerwig, que trouxe a venda limitada da “Barbie Estranha”, vivida no longa pela atriz Kate McKinnon.
O exemplar, criado pela Mattel - empresa responsável pela fabricação da boneca -, chegou a custar US$ 50, algo em torno de R$ 244,84 na conversão da época. Uma pesquisa rápida, no entanto, mostra que a edição hoje vale mais de R$ 1.000.
Na mesma época, a marca lançou uma linha de bonecas inspirada nas Barbies e Kens do filme, vividos por Margot Robbie, Issa Rae, America Ferrera, Ryan Gosling e Simu Liu.
2. Embalagens retrô
Manter a fórmula atual de um produto, mas vesti-lo com uma roupagem antiga. A embalagem vintage se destaca na prateleira e ativa uma memória positiva quase instantaneamente.
Em 2020, a Elma Chips, em comemoração aos 40 anos do jogo Pac-Man, retomou os Tazos, pequenos discos que vinham nos salgadinhos nos anos 1990 e 2000.
Foram 40 modelos exclusivos na temática, com fases especiais criadas especialmente para o lançamento da campanha. A ação durou um tempo limitado, trazendo nostalgia para quem se lembrava de colecionar Tazos e “bater” os discos em campeonatos com colegas.
Neste ano, o Guaraná Antarctica trouxe de volta a garrafa de vidro retornável, reacendendo a memória afetiva de milhares de brasileiros.
A novidade faz parte de uma estratégia que une sustentabilidade, economia circular e um poderoso apelo nostálgico. O retorno da icônica embalagem de 250 ml de vidro, que marcou gerações, trouxe também o retorno do “litrinho”, presente na memória afetiva do público.
De acordo com a empresa, o novo litrinho estaria disponível inicialmente em algumas regiões do Sudeste, com expansão gradual prevista para outras cidades.
3. Campanhas com referências culturais
Usar músicas, personagens de desenhos animados ou celebridades que fizeram sucesso há 20 ou 30 anos em novos anúncios. A conexão emocional é imediata e cria uma simpatia pela marca.
É inegável que a série "Stranger things", da Netflix, conquistou sua audiência com elementos característicos dos filmes dos anos 1980 e 1990, como referências a "Os Goonies", "E.T." e outros clássicos. Um fator especial foi a trilha sonora, que trouxe músicas de bandas como Metallica na última temporada, reforçando ainda mais o clima retrô.
4. Colaborações estratégicas
Unir uma marca nova a uma clássica e consolidada também é uma forma de acionar a nostalgia.
No ano passado, a Brasil Cacau e a Nestlé se uniram para lançar duas apostas: Chokito e KitKat. Clássico da Nestlé, o Chokito ganhou uma releitura em forma de ovo de Páscoa: uma casca recheada com caramelo cremoso e crocantes flocos de arroz.
Já o KitKat, sucesso entre a Geração Z, chegou com uma proposta de inovação. O ovo da marca tinha casca recheada com camadas de wafer e creme de chocolate, combinando textura e sabor em uma experiência irresistível.
Na época, foram cerca de 50 unidades com esse espaço exclusivo, e o produto esteve disponível em todas as 500 lojas da marca.