Pessoas idosas dão dicas de como aproveitar o Carnaval em BH -  (crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Pessoas idosas dão dicas de como aproveitar o Carnaval em BH

crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press

“Para mim, que posso me dizer veterana do Carnaval, o maior desafio é sair do primeiro dia e chegar até a Quarta-feira de Cinzas”, conta Luci de Fátima Pereira, de 55 anos, coordenadora do Bloco Oficina Tambolelê. Apesar de ainda não estar na faixa etária de pessoas idosa – 60+ –, sua relação com o Carnaval desde pequena a torna uma grande especialista na folia, e ela dá algumas dicas de como curtir com mais segurança e tranquilidade.

Para ela e muitos outros foliões mais experientes, o Carnaval está aí para ser aproveitado, mas é importante que se mantenham alguns cuidados para que a festa dure mais e seja ainda melhor. Descansar bem durante a noite, reconhecer seus limites e ter uma boa alimentação são essenciais para se sustentar ao longo do dia.

“Muito cuidado com os excessos logo no primeiro dia, porque as pessoas se emocionam, e não falo somente de bebida. Se a pessoa não descansa, não dorme, não bebe água e não se alimenta direito, não tem como aproveitar por muito tempo”, explica Luci. “Precisamos prestar atenção ao corpo da gente. Se chega uma hora que vê que a perna já está ficando ‘doce’, não deixa ela paralisar, procure dar uma descansada”, complementa.

Ela não é a única a fazer recomendações desse tipo. Para Sirlene Gonçalves, 70 anos, mãe de uma das integrantes do Bloco Truck do Desejo, como muitos dos blocos belo-horizontinos saem pela manhã, é importante não pular o café para durar o dia todo.

“Eu sempre gostei de tomar um bom café da manhã. Não precisa acordar tão cedo, mas é bom levantar, tomar um café e comer uma proteína. Também é importante beber muita água, levar uma castanha ou algo do tipo, para não passar fome durante o dia”, afirma ela.

Maria Aparecida Campagnacci, 79 anos, reforça que “é importante tomar água, mas não pode faltar a cervejinha”. Ela costuma curtir a folia junto da filha, Vivian, 38 anos, que possui atrofia muscular e é cadeirante. “A gente também evita comer coisas de fora, porque o calor pode azedar as comidas muito rápido, então levo coisas de casa, como barrinhas de cereal, chocolate, coisinhas pequenas para comer e que dão sustância”, complementa Vivian.

“Outra coisa que vejo nos blocos é o horário. Eu prefiro os blocos mais cedo, porque o sol ainda não está no pico, mas ainda assim é sempre importante não esquecer do filtro solar, ter alguma coisa para proteger a cabeça, tomar muita água, porque só o álcool não ajuda, levar uma barrinha de cereal, uma paçoquinha, porque não dá para ficar sem comer nada”, recomenda Edwiges Lempp, 68 anos, mais conhecida como Hedy.

E para além da alimentação, Sirlene afirma que é muito importante estar fisicamente preparado para aproveitar o Carnaval. “Não adianta se preparar uma semana antes, tem que se preparar igual a quem sai tocando tambor, trompete, pandeiro. É o ano inteiro se preparando e tendo essa visão, porque ainda é perigoso para mulheres maduras. Belo Horizonte tem muito buraco nas ruas, você vai beber, então é essencial pelo menos estar equilibrada”, explica ela.

Onde curtir a folia

O Carnaval de Belo Horizonte atende às mais diversas demandas e gostos, mas é consenso que o melhor é frequentar blocos menores e menos lotados por conta do conforto e da segurança.

Hedy faz parte do coletivo Mães pela Liberdade que, durante o Carnaval, costuma atuar em blocos como apoio, oferecendo hidratação e comida para os membros, borrifando água para aliviar o calor e recolhendo o lixo que vai ficando para trás. Apesar de irem a blocos grandes por se identificarem com as causas e movimentos defendidos por eles – como o Abalô-Caxi –, ela costuma escolher dias de blocos mais tranquilos, ou até dar uma escapada.

“Acompanhei o Baianas Ozadas enquanto ele tinha aquele carro de som pequenininho. A partir do momento em que teve aquele salto para um bloco gigante, eu me afastei, porque não tem espaço e eu quero dançar, eu amo dançar Carnaval. Enquanto estou ajudando o povo, eu estou dançando, não paro, meu corpo tem vontade própria”, afirma.

“Eu, pessoalmente, vou em três blocos no domingo: começo no Abalô-Caxi, devo dar uma escapada até o Todo Mundo Cabe no Mundo, e volto para o Bloco da Fofoca-Carimbó. Este último também é uma boa dica, porque não é um bloco grande e que atrai muita gente, mas para quem gosta de Maracatu, é ótimo”, complementa.

Além dos blocos já citados, Hedy recomenda dar uma passada nos blocos Magnólia, Filhas de Gaby, Sou Vermelho, Mimosas Borboletas, Gafieira, Beiço do Wando e Corte Devassa, além de incentivar a procura por blocos de bairro, fora do Centro belo-horizontino.

“Mas uma boa dica para quem gosta desse tipo de Carnaval mais tranquilo, minha recomendação mesmo é o Todo Mundo Cabe no Mundo, no Santa Efigênia, que vai acontecer no domingo (11/2) a partir das 10h. É um bloco inclusivo que reúne muita gente, crianças, PcD, pessoas idosas. Eu amo. É uma boa porque as ruas lá são planas, já diminuíram o trajeto para o pessoal dar conta de acompanhar todo o cortejo”, relata ela.

E Hedy não é a única a defender a descentralização da folia de Belo Horizonte. “As pessoas que querem estar no Carnaval, mas não querem estar nesse turbilhão do Centro, é bom procurar na programação blocos que tenham cortejos pelos bairros. No bloco Oficina Tambolelê, vamos fazer o nosso cortejo no bairro Novo Glória, no sábado (10/2), com concentração a partir das 15h; tem, no Cidade Nova, o Bloquim duBem, para crianças; temos blocos vizinhos, como o Transborda, o Bloco da Língua, o Arrasta de Favela. São muitas opções”, diz Luci Pereira.

Maria Aparecida e Vivian recomendam os blocos dos quais fazem parte. Vivian toca diversos instrumentos nas baterias dos blocos Baianas Ozadas, Fúnebre, Samba Queixinho, As Pandeiristas e Então, Planta!, enquanto sua mãe vai acompanhando. “Se eu tocar, vou perder a essência do meu objetivo, que é acompanhá-la”, explica ela, feliz em fazer parte da festa. “Quero viver e curtir o momento com arte”, completa.

“Mas para quem quer muvuca, tem o Bloco da Calixto, que virou uma coisa gigante. A Getúlio Vargas ficou pequena para o tamanho do bloco, mas é muito legal para quem gosta. Mas tem que ver o estilo da pessoa, porque felizmente o Carnaval daqui tem para todo gosto e estilo. Eu sou mais dos blocos que têm alguma mensagem, porque o Carnaval é um movimento extremamente democrático e a nossa preocupação é que esse movimento, que começou de forma espontânea em Belo Horizonte, seja capturado politicamente”, afirma Hedy, que não pretende frequentar as avenidas sonorizadas neste Carnaval, ainda que considere o movimento válido.

Dicas para uma festa segura

As veteranas da folia têm um outro consenso: cuidado com os pertences, principalmente o celular. Maria Aparecida já foi furtada durante o Carnaval, mas seguindo um protocolo da filha, não teve grandes perdas.

“Para manter a segurança, é bom carregar um celular não muito novo. Quem tem um celular ‘top’, pode comprar um ‘lero lero’, daqueles pequenininhos. Eu deixo até meu chip original em casa, compro outro e fico só com meu Whatsapp, aí caso aconteça alguma coisa, eu tô com meu chip e consigo resgatar tudo sem problemas maiores. Minha mãe é prova viva disso, foi furtada e não perdeu nada além disso”, conta Vivian.

“É preciso estar atento, então não leve coisa de valor, não fique dando mole com o celular, bolsas fáceis, porque infelizmente algumas pessoas são oportunistas, e se veem uma pessoa mais frágil, vão atrás dela. Eu já estou habituada a esses espaços e me sinto, de certa forma, segura, mas é preciso prestar atenção não só na hora do bloco, mas durante a dispersão também”, complementa Hedy.

Para quem ainda tem apreensão de curtir a folia por conta da segurança, a recomendação é estar sempre acompanhado e, quem sabe, não criar um novo amor – ou uma nova amizade – de Carnaval.

“Procure formas de se sentir seguro, evite sair sozinho para poder se deslocar, para ir aos lugares. O importante é estar sempre com alguém, mas que seja alguém que dê prazer de estar junto, porque o Carnaval oferece um conjunto de coisas, e podemos descobrir com quem me sinto bem e quem eu desejo que esteja comigo. As pessoas que se dizem apaixonadas pelo carnaval podem ser porque são experiências amorosas de pessoas que conhecem novos amigos”, aconselha Luci.

Mobilidade e acessibilidade

Um outro ponto importante para se pensar a folia para pessoas idosas – e não só elas –, é a questão da mobilidade e da acessibilidade.

“Infelizmente, BH não vai ter transporte gratuito e conseguir Uber para casa vai ser uma fortuna, além de muito disputado. Eu ainda ando de ônibus porque não me custa um tostão [por ser pessoa idosa], mas procuro saber onde estão as linhas. Ainda assim, não vejo as pessoas andando de ônibus nesse período, mas ajuda muito, só precisa saber onde as linhas estão passando, porque muitas vias estarão fechadas”, explica Hedy.

Para a filha de Maria Aparecida, Vivian, os empecilhos são ainda maiores. Com distrofia muscular, ela usa uma cadeira de rodas que a impede de acessar certos espaços.

“Até que Belo Horizonte tem ruas que estão acessíveis, mas peca em questão de transporte. Alguns ônibus estão com o elevador estragado, agarrando, principalmente nos ônibus mais velhos. Apesar de ser mais fácil ir de um lugar para outro quando estamos perto de algum ponto, essas falhas nos ônibus dificultam a minha acessibilidade”, conta ela.

“Uma das alternativas quando não consigo pegar ônibus é o Uber, mas sempre preciso pegar o ‘Comfort’, que é sempre R$ 10 mais caro, por conta da cadeira. Se eu for querer pegar o Táxi acessível, ainda é muito difícil de encontrar, e trajetos de 2km saem a R$ 35”, complementa.

Já nos blocos, a atenção a grupos que precisam de mais acessibilidades parece ser maior, com áreas exclusivas dentro das cordas dos cortejos.

“Uma dica boa é que vários blocos têm espaços reservados para pessoas idosas, pessoas com crianças pequenas e PcD dentro das cordas, para que não precisem ser arrastadas pelo lado de fora. Ainda assim, não entre nesses blocos muvucão, porque até eu, que gosto de Carnaval, não quero virar ‘rolo de pastel compressor’, saindo rolando no meio do povo”, afirma Hedy, bem-humorada.

Conselho de mãe

As veteranas da folia também dão recomendações que parecem mais vir de uma mãe: vá sem medo, porque “não existe nada igual ao Carnaval. Eu gosto, sempre gostei, e acho que enquanto minhas pernas estiverem aguentando, eu estarei lá”. É o que diz Sirlene, que dá uma palavrinha para as mulheres que ainda temem a saída para a festa carnavalesca.

“Queria dar um conselho para as mulheres que têm medo de um desafio maior, ou algo que as prenda que fica se sobrepondo ao desejo, à vontade inconsciente dos desejos pessoais. A vida é tão curta, e uma coisa tão simples parece tão grande. Vai, põe o pé na rua, aproveita a oportunidade. Nós temos um Carnaval tão extenso aqui em BH, então dá para arrumar uma brechinha. Arruma uma amiga, uma companhia se não quiser ir sozinha. Tenta ir, porque vale a pena, porque faz muito bem e quando passa, você tem lembranças, dá um certo orgulho para o pessoal mais jovem”, recomenda.

Ela mesma diz que idade, pessoa ou circunstância alguma a impede de sair, e que a experiência vale a pena o risco.

“Agora, eu já não tenho a mesma resistência física de 10 anos atrás, mas ainda assim sou uma pessoa bem fora da curva, bem saudável, graças a Deus. Então, dá para ir em qualquer coisa, não tem nada que me impeça. Até mesmo meu marido, que não curte essas coisas, nunca me impediu, porque sempre fui uma mulher independente. Ele diz que não vai me dar dinheiro, mas eu tenho meu próprio, então saio. Também tenho muitos amigos que gostam, então saímos juntos”, finaliza.