128 ANOS DE BH

Mercado Central guarda pratos que contam a história de Belo Horizonte

Do fígado com jiló ao torresmo, a cultura alimentar da capital, que completa 128 anos nesta sexta-feira, encontra força e identidade no seu principal mercado

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“O Mercado Central é um cartão-postal. O belo-horizontino tem orgulho de lá, afinal, é um lugar que reúne diversas partes de Minas Gerais e do Brasil que só encontramos lá.” A frase do professor de gastronomia Sinval Espírito Santo define bem a atmosfera, uma espécie de ecossistema próprio do Mercado Central, homenageado nesta edição do Degusta, que celebra os 128 anos da nossa cidade.

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É verdade que esse orgulho não é exclusivo dos cidadãos de BH e que o interesse pelo espaço não diz respeito apenas aos que visitam a capital mineira. Para muita gente, o melhor jeito de conhecer a cultura, especialmente a alimentar, de uma cidade, é visitando o seu mercado.

É inegável que o Mercado Central, com seus 96 anos, surpreenda qualquer um, não apenas pela vasta gama de produtos oferecidos, mas também pelos petiscos servidos. O centro comercial abastece a cidade, ao mesmo tempo em que serve pratos que se tornaram verdadeiros ícones belo-horizontinos.

Produtos a granel, vozes de vendedores ecoando e os cheiros de diferentes preparos se misturam. Esse espaço é especial não só para os turistas, mas também – ou sobretudo – para a população local.
Há quem busque no Mercado Central uma experiência mineira autêntica. Além de se esbaldar nas compras de queijos e doces tradicionais, ela deve, certamente, acabar em torresmo e cachaça. Nesse segmento, o Rei do Torresmo é referência.

O bar, que já existe há mais de 60 anos, começou a vender barriga de porco há mais de quatro décadas, sob a gestão do já falecido Lorival, mais conhecido como Careca. Na ocasião, o nome da casa já era Bar do Careca Rei do Torresmo. Em 1994, quando Heleno Campos comprou o negócio, manteve o nome Rei do Torresmo.

Hoje, o negócio é comandado pelos irmãos de Heleno, Geraldo e Agnaldo Campos. Eles são os responsáveis pela fritura das porções vistas de longe na estufa. “O torresmo é um dos tira-gostos mais difíceis de fazer. Tem o ponto certo para tirar. Se passar, fica amargo. Tem muitos restaurantes, inclusive, que compram com a gente”, explica Geraldo.

O bar brinca com as variedades da iguaria mineira (R$ 35, a porção) vendidas por lá. Pelo formato, o torresmo pururuca é chamado “camarão mineiro” e o de barriga, “lagosta mineira”.

Primeiro e tradicional

Camarão e lagosta mineiros: Geraldo Campos anuncia o que sai da fritadeira no balcão do Rei do Torresmo
Camarão e lagosta mineiros: Geraldo Campos anuncia o que sai da fritadeira no balcão do Rei do Torresmo Joana El Khouri/EM/D.A Press

Vale destacar que a barriga de porco já era vendida na época em que Careca chefiava a casa, mas o torresmo pururuca foi implementado pelos irmãos Campos. “O Careca foi pioneiro na venda de torresmo dentro do Mercado. Antes, o tradicional aqui eram preparos de chapa como pernil ou o fígado acebolado com jiló”, diz Geraldo.

Por falar nisso, o Rei do Torresmo, apesar de levar esse nome, também serve porções grelhadas na chapa, que são cuidadosamente preparadas por Sebastião Afonso, o Tião, na função desde 2009. Os destaques são o chouriço acebolado (R$ 50), conhecido pelos frequentadores como “caviar mineiro”, e o bom e velho fígado com jiló (R$ 50), considerado por muitos o prato mais tradicional do Mercado.

Apesar de o Rei do Torresmo lotar o corredor onde fica, Geraldo conta que a maior parte das vendas são, na verdade, para retirada. “Cerca de 70% do torresmo que a gente vende é para retirada. As pessoas gostam muito de comprar para comer com caldos, com feijão-tropeiro, feijoada…”

Mercado em transformação

A história do Mercado Central tem relação direta com a criação do Mercado Municipal de BH, inaugurado em 1900 no início da Avenida Afonso Pena, onde fica hoje a rodoviária. Em 1929, foi transferido para um terreno a céu aberto de 14 mil metros quadrados, que reunia vendedores de itens de abastecimento da cidade, sobretudo de hortifrúti, armazéns, açougues e peixarias.

Com o passar dos anos, novos negócios, inclusive bares e restaurantes, foram surgindo. O espaço, que abastece ainda hoje a cidade e as malas de tantos turistas que por aqui passam, tornou-se também ponto de encontro, de boa comida e bebida.

Geraldo Henrique Figueiredo Campos, presidente do Mercado, conta que houve um momento importante para que o estabelecimento se firmasse como tal. “O Mercado sempre teve uma cultura dos bares, mas isso se tornou mais forte a partir dos anos 1980, com o advento do Ceasa, supermercados e sacolões, que esvaziou o comércio atacadista do Mercado Central.”

Tudo e todos

Não por acaso, o espaço se tornou referência no setor da alimentação. Há inúmeros outros bares e negócios que formam filas quase que diárias por lá. O Comercial Sabiá é exemplo disso. Serve a famosa broa de fubá com queijo e o irresistível pão de queijo com pernil e queijo. Para acompanhar, muita gente busca a famosa limonada da Tradicional Limonada. Além da versão clássica, há opções mais novas como a limonada com mate ou com cachaça.

Sinval Espírito Santo analisa: “Acho que o Mercado tem alguns papéis. O primeiro é ser um cartão-postal da cidade. Em segundo lugar, é um espaço importante para profissionais da cozinha, que só encontram alguns itens ali. E um terceiro ponto é que é um lugar ocupado pelo belo-horizontino no dia a dia, seja em dias de semana ou no fim de semana. O Mercado é muito especial do ponto de vista histórico, cultural e gastronômico.”

De figurantes a protagonistas

O prato mais representativo do Mercado Central vem da ideia dos trabalhadores de juntar fígado, jiló e cebola
O prato mais representativo do Mercado Central vem da ideia dos trabalhadores de juntar fígado, jiló e cebola Túlio Santos/EM/D.A Press

Dois itens menosprezados ou, no mínimo, pouco valorizados deram origem ao prato mais famoso do Mercado Central. O fígado de boi vai na chapa com cebola e jiló fatiado bem fininho, perfumando, a qualquer hora do dia, os corredores. “O fígado com jiló é o prato mais emblemático do Mercado. Poderíamos chamar de prato da casa”, destaca o presidente do Mercado.

São muitos os lojistas que servem esse petisco por lá, mas uma que se destaca é Eliza Fonseca, mais conhecida como Lora. Ela, que assumiu há mais de 20 anos o bar do pai, enfrentou uma realidade machista, manteve-se forte atrás do balcão e se tornou um ícone da boemia belo-horizontina.

Não por acaso, o seu bar, batizado Bar da Lora – já que era assim que todos os clientes o chamavam, antes mesmo da mudança de nome do estabelecimento, até então batizado de Lumapa – conta hoje com mais duas unidades. Uma fica ali do lado, na Praça Raul Soares, também no Centro, e o outro fica na Região da Savassi. Assim, apresentou o fígado com jiló para BH, para o Brasil e para o mundo.

A história do prato é um tanto inusitada e começa com a junção, literalmente, de itens que eram pouco aproveitados.“Os jilós e as cebolas caíam dos sacos que chegavam ao Mercado e os homens que descarregavam os caminhões pegavam e iam ao açougue e pedir alguma carne barata para fazer junto com aquilo. Chegavam ao bar e pediam para passar na chapa para eles. Assim, pouco a pouco, os clientes foram pedindo para provar também e a criação se tornou esse sucesso”, conta.

Há mais de 20 anos, Eliza Fonseca comanda o bar fundado pelo pai, que é parada obrigatória
Há mais de 20 anos, Eliza Fonseca comanda o bar fundado pelo pai, que é parada obrigatória Túlio Santos/EM/D.A Press

Lora acredita que a qualidade e o frescor da carne são um diferencial do seu fígado com jiló. “A cebola e o jiló também precisam ser cortados fininhos, o fígado fatiado em iscas, sem cortes grosseiros”, completa a proprietária, que vende a porção por R$ 49.

Virou recheio

Antes de se especializar em empadas, Joel do Carmo Maia, à frente do Ponto da Empada, vendia salgados em geral no Mercado. Desde que decidiu trabalhar com uma produção própria, investiu no salgado assado. “Começamos fazendo a empada de frango. Hoje já temos 22 sabores”, destaca o dono do negócio.

E por lá a produção é levada a sério. A todo momento, o cliente consegue ver por uma parede de acrílico transparente novas empadinhas sendo montadas para depois irem ao forno. No balcão, as duas filhas de Joel, Júlia Silveira Maia, estudante de psicologia, e Joyce Silveira Maia, de gastronomia, já auxiliam no atendimento, que, diga-se de passagem, precisa ser ágil para dar conta de tanta gente.

Os sabores, evidentemente, agradam qualquer um, afinal, vão dos mais básicos, como o próprio frango, passando pelos vegetarianos, como o mais recente lançamento, de antepasto de berinjela ou mesmo de jiló com queijo, até o mais famoso e inusitado deles: carne com bacon e jiló.

“Costumo dizer que o jiló sofre um estigma, talvez por ser fácil de ser produzido, por ser barato. Mas é preciso saber fazer, ele precisa da intervenção humana, o trabalho que se faz nele é o que traz um sabor especial”, comenta Joel.

Por isso, ele tem todo o cuidado com esse polêmico legume. “É um dos recheios mais trabalhosos. Compro o jiló no Ceasa, cortamos, depois passamos em uma máquina que o tritura, depois ferventamos e lavamos e, enfim, misturamos com os outros ingredientes.”

O sabor que mescla o jiló, a carne e o bacon foi criado para a participação em um evento de gastronomia que sugeria a criação de pratos com jiló. “Isso foi há mais de 15 anos. No começo, era difícil fazer algumas pessoas experimentarem, hoje essa empada é o nosso carro-chefe. As pessoas vêm de longe só para comê-la.” Todas as empadinhas são vendidas a R$ 9.

Linha do tempo do Mercado Central 

  • 1900 – Criação do Mercado Municipal de Belo Horizonte no início da Avenida Afonso Pena
  • 1929 – Chegada do Mercado Municipal ao novo endereço, na Avenida Augusto de Lima
  • 1948 – Constituição da Associação Beneficente dos Comerciantes no Mercado Municipal de Belo Horizonte, com 52 assinaturas.
  • 1964 – Mercado é privatizado pelo então prefeito Jorge Carone e passa para as mãos dos comerciantes. Recebe o nome de Mercado Central
  • 1973 – Comerciantes passam a eleger, para um mandato de quatro anos, 31 associados para compor o Conselho de Administração. Desse grupo, seriam eleitos, a cada dois anos, um diretor- presidente, um diretor-financeiro e um diretor-secretário
  • 1999 – Em pesquisa da Belotur, é apontado como o lugar mais conhecido e mais acolhedor de BH
  • 2008 – Tentativa de tombamento do Mercado por parte do poder público
  • 2023 – Recebe a estátua de bronze de Dona Lucinha na entrada da esquina da Rua Curitiba

Anote a receita: antepasto de berinjela do Ponto da Empada

Empada de antepasto de berinjela do Ponto da Empada
Empada de antepasto de berinjela do Ponto da Empada Túlio Santos/EM/D.A Press

Ingredientes:

  • 8 berinjelas descascadas e picadas em cubos;
  • 6 pimentões (verde, vermelho e amarelo) picados em cubos;
  • 750ml de azeite de oliva;
  • 300g de azeitona verde picada;
  • 1kg de cebola picada;
  • 200g de uva-passa preta;
  • 200g de uva-passa branca;
  • Sal (a gosto);
  • Pimenta (a gosto);
  • Páprica picante e defumada (a gosto);
  • Chimichurri (a gosto).

Modo de fazer:

  • Antes de picar os ingredientes, lave e seque bem para que não acumule água.
  • Adicione o azeite à berinjela picada.
  • Misture todos os ingredientes e leve em fogo baixo, mexendo de tempos em tempos até reduzir o volume entre 30% e 40%.
  • O antepasto poder ser usado para rechear empadas, como no Ponto da Empada, em outras receitas ou mesmo para consumir acompanhado de pães.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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Serviço

Mercado Central
Avenida Augusto de Lima, 744, Centro

Rei do Torresmo (@reidotorresmomercadobh)
Loja 166
(31) 99302-9552
De segunda a sábado, das 8h às 18h; domingo, das 8h às 13h

Bar da Lora (@bardalora)
Loja 115
(31) 3274-9409
De segunda a sábado, das 9h às 18h; domingo, das 9h às 13h

Ponto da Empada (@pontodaempadabh)
Lojas 11, 34, 36 e 186
(31) 3274-9570
De segunda a sábado, das 8h às 18h; domingo, das 8h às 13h



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