A INSISTÊNCIA REVOLUCIONA

Cena de BH é marcada por pessoas que insistiram em ideias inovadoras

Última edição da série 'Um século de sabores' explora lugares que apresentaram para a cidade novos produtos e propostas nas décadas mais recentes

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Cada ano de um restaurante ou operação gastronômica deve ser celebrado. Manter um negócio não é fácil, e mais difícil ainda é se tornar referência em uma cidade como Belo Horizonte, terra de desconfiados. Nesta última edição do especial “Um século de sabores”, reunimos casas que, embora mais jovens (se comparadas aos personagens das últimas semanas), viraram clássicos. E o melhor: fizeram isso vendendo novidades.

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Fundada em 1996, a Bonomi nem sempre fez o sucesso que faz hoje. Na verdade, a padaria surgiu de uma ideia revolucionária de Paula Bonome, que era bailarina do Grupo Corpo e viajava muito. “A gente via produtos como o croissant fora daqui e, no início da Bonomi, vinham muitos clientes que também sentiam falta de produtos como este em BH”, conta a fundadora do espaço, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul da capital mineira.


Apesar de preencher um nicho que estava desocupado ou que sequer existia na cidade, no início da operação, Paula teve algumas dificuldades.

A Casa Bonomi abriu em 1996 com produtos que não existiam na cidade, como o croissant
A Casa Bonomi abriu em 1996 com produtos que não existiam na cidade, como o croissant Toujours Fotografia/Divulgação

“A gente estava acostumado com padarias que tinham um espaço de mercadinho, que vendiam presunto e muçarela. Acho que os primeiros cinco anos da Bonomi tiveram um pouco de estranhamento do público. Claro, havia interesse e curiosidade, mas não foi um ‘boom”, explica, destacando a sua teimosia em manter um negócio daquele.


E esse estranhamento ia além do fato de a casa funcionar como uma boulangerie francesa, que não vende itens de conveniência. “Comecei a servir café da manhã, e o mineiro toma muito café em casa. Coloquei mesas coletivas, também inspirada em negócios de fora.”

Pioneirismo


Se hoje o belo-horizontino observa uma cena crescente de padarias de fermentação natural, devemos ter em mente que isso foi basicamente implementado por Paula há quase 30 anos. Ela diz acreditar ter sido uma das pioneiras nesse sentido: “Aprendi muito na tentativa e erro. Naquele momento nem tinha muito curso.”

'Aprendi muito na tentativa e erro. Naquele momento nem tinha muito curso.' - Paula Bonome, Casa Bonomi
'Aprendi muito na tentativa e erro. Naquele momento nem tinha muito curso.' - Paula Bonome, Casa Bonomi Túlio Santos/EM/D.A Press


Hoje, ela já conta com algumas facilidades. “Atualmente, tem muito mais mão de obra especializada, os produtos importados chegam mais, os equipamentos evoluíram...”


O sucesso da Bonomi não teve uma receita exata, mas se deve, certamente, à qualidade dos produtos vendidos. O croissant (R$ 14,50), um clássico, é referência de França em BH. Os pães variados, a exemplo da baguete (R$ 18), também têm lugar cativo no coração dos moradores da cidade.

Chegou para ficar


Quando Deusa Prado, baiana de Conceição do Coité, no Nordeste do estado, chegou a Belo Horizonte, não achou um lugar para comer frutos do mar na cidade. Ela, que já tinha pensado em abrir um restaurante em outros momentos da vida, morando em outras cidades, decidiu montar seu negócio em BH, o Alguidares.


Encontrou a esquina em que ocupa até hoje, no Bairro Sion, Região Centro-Sul da cidade, e escolheu servir o que fazia em casa, a comida do seu estado. “Quando abri, chamei os vizinhos, depois os amigos e depois a imprensa para inaugurações. Num domingo, dia em que de fato começamos, fez tanto sucesso que faltou tomate”, lembra a proprietária.

A moqueca de camarão é o prato preferido dos clientes que ficam mais perto da Bahia no Alguidares
A moqueca de camarão é o prato preferido dos clientes que ficam mais perto da Bahia no Alguidares Bruno Werneck/Divulgação


Deusa acredita que, para um restaurante cair na boca do povo, é preciso combinar muitas coisas. Comida boa, é claro, atendimento ótimo, mas também um pouquinho de sorte. “Mesmo tendo tudo bom, não é uma garantia de que dará certo.”


E no caso dela, felizmente, deu certo, e muito. O Alguidares completa, no início de 2026, três décadas temperando com dendê o paladar exigente dos belo-horizontinos. Por falar nisso, uma das importantes mudanças feitas no cardápio, ainda no primeiro ano de casa, foi um pedido dos clientes.

“Falavam que o arroz não tinha gosto, mas na Bahia ele é para ser assim, um complemento do prato. Mas seguimos o pedido e passamos a temperar nosso arroz, como fazem os mineiros”, explica Deusa.

Ingredientes da Bahia


Não basta cozinhar bem para chegar a um resultado perfeito. Deusa sabe bem disso, portanto, investe nos melhores ingredientes. As marcas que usa de leite de coco e dendê, por exemplo, são inegociáveis. A farinha vem de Nazaré (BA), o siri, da Ilha de Itaparica (BA), e o camarão seco, da Feira de São Joaquim, em Salvador. “O nosso camarão seco é defumado, não salgado. Isso faz muita diferença.”

'Num domingo, dia em que de fato começamos, fez tanto sucesso que faltou tomate' - Deusa Prado, Alguidares
'Num domingo, dia em que de fato começamos, fez tanto sucesso que faltou tomate' - Deusa Prado, Alguidares Bruno Werneck/Divulgação


Hoje, Belo Horizonte já conta com outros restaurantes que servem gastronomia nordestina e frutos do mar em diferentes contextos, mas o Alguidares segue sendo um ponto certo para quem busca isso. A moqueca de camarão (R$ 189 para uma pessoa) é o xodó dos mineiros, ao lado da porção de camarão ao alho e óleo (R$ 115).


Bistrô mineiro


O Glouton, restaurante contemporâneo fundado em 2013 no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul, revolucionou a gastronomia belo-horizontina. Leo Paixão, que abandonou a medicina para se dedicar à cozinha, foi o responsável pela concepção da casa. “Quis abrir um bistrô para trabalhar técnicas francesas com ingredientes mineiros.”

Papada de porco com mil folhas de mandioca: o Glouton une técnicas francesas e ingredientes mineiros
Papada de porco com mil folhas de mandioca: o Glouton une técnicas francesas e ingredientes mineiros Rubens Kato/Divulgação


Atualmente, isso é mais falado e a cidade já conta com outras casas que apostam nessa linha, mas, há mais de 10 anos, era de fato inédito. “Ele é revolucionário na cidade porque foi o primeiro restaurante contemporâneo a servir comida mineira, focada no produto mineiro sempre com uma roupagem sofisticada”, conta o chef, que se tornou, inclusive, um ícone da gastronomia belo-horizontina.


Pratos que exemplificam tudo isso são a papada de porco com mil folhas de mandioca (R$ 145) e o arroz de galinha com quiabo e jerez (R$ 125).


O que existia muito antes, e ainda hoje existe, é um apreço forte pela cozinha internacional, que tem, claro, seu lugar, mas não deve anular a nossa. “Na época, só comida estrangeira fazia sucesso, mas eu abracei essa causa, os ingredientes mineiros, e deu certo”, completa Leo, que diz enxergar o Glouton como um clássico da cidade no futuro.

'Na época, só comida estrangeira fazia sucesso, mas eu abracei essa causa e deu certo' - Leo Paixão, Glouton
'Na época, só comida estrangeira fazia sucesso, mas eu abracei essa causa e deu certo' - Leo Paixão, Glouton Glouton/ Divulgação

Vinhos descomplicados


Outra casa revolucionária em seu setor é o Cabernet Butiquim, na Região da Savassi. Como o próprio nome entrega, a casa de 10 anos mistura a cultura dos vinhos com a tradição dos botecos mineiros. A ideia veio de Pablo Teixeira, que trabalhava em uma distribuidora de vinhos. “Não tinha nenhum lugar informal para beber vinho na cidade. Achava que não precisava de tanta complicação.”


Ele quis fazer justamente o que observava que as pessoas tinham receio, misturar a comida considerada simples, de boteco, com os vinhos. “A gente veio com essa quebra de paradigma, colocamos o vinho no lugar da cerveja.”

A couve-flor crocante com coalhada, molho teriyaki e furikake se destaca entre os petiscos quentes do Cabernet Butiquim
A couve-flor crocante com coalhada, molho teriyaki e furikake se destaca entre os petiscos quentes do Cabernet Butiquim Marcos Vieira/EM/D.A Press


No começo, conforme explica Pablo, tinha gente que não entendia bem a proposta. “Tinha gente que achava equivocado servir água no copo lagoinha só porque eu trabalhava com vinho.”

Coquetelaria


Em 2017, ainda com pouco tempo de casa, Pablo viu a oportunidade de levar os coquetéis para o menu e, em 2019, abriu o bar Garagem do Cab, focado na coquetelaria. O responsável pelos drinques desde então é o mixologista Xandão Loureiro, que usa os vinhos, inclusive, no preparo deles.


A responsável pelas comidas é a chef Jana Barrozo, que precisa equilibrar os desejos dos clientes com a proposta da casa. “Tem cliente que vem sempre e pede novidades e tem outros que vêm buscando um prato específico. Por isso, temos dificuldade de atualizar o cardápio”, explica Pablo.

O balcão é a grande estrela do Garagem do Cab, que aposta na coquetelaria, inclusive, com vinhos
O balcão é a grande estrela do Garagem do Cab, que aposta na coquetelaria, inclusive, com vinhos Marcos Vieira/EM/D.A Press


Um dos clássicos servidos lá é o Mexido do Cab (R$ 63), com arroz, ovo mexido e ovo frito, bacon, salsicha, brócolis, couve, feijão e banana frita. A couve-flor crocante com coalhada, molho teriyaki e furikake (R$ 58) é um dos destaques entre os petiscos quentes.


Unidos pelo chope


Pode ser uma missão difícil, ainda hoje, achar um chope gelado e com colarinho generoso em BH, afinal, a bebida precisa de rotatividade para estar sempre fresca e congelante (como o brasileiro gosta) e deve ter técnica para ser servida.


Por cumprir tudo isso, o Redentor, bar localizado na Região da Savassi, se consagrou como o ponto ideal para beber chope em Belo Horizonte. Essa história começou há quase 23 anos, quando a bebida era ainda menos presente nas mesas mineiras. “O Redentor nasceu inspirado no Rio de Janeiro, que é uma cidade apaixonante para o mundo todo e especialmente para o mineiro, que não tem praia”, diz o gestor do grupo Redentor, Daniel Ribeiro.

'Nós fomos pioneiros. Na época, não se vendia chope em BH' - Daniel Ribeiro, Redentor
'Nós fomos pioneiros. Na época, não se vendia chope em BH' - Daniel Ribeiro, Redentor Victor Schwaner/Divulgação


Inspirado em casas cariocas como Jobi, Bracarense e Boteco Belmonte, o Redentor conseguiu fazer o mineiro trocar a cerveja pelo chope. “Nós fomos pioneiros. Na época, não se vendia chope em BH. Tinha até uma ideia de que ele era uma bebida elitizada, que um público mais velho consumia, mas nós desmistificamos isso ao longo dos anos.”


O movimento da casa é reflexo do que Daniel chama a atenção. De segunda a segunda, o salão, a calçada e o parklet em frente ao bar ficam lotados de pessoas de diversas idades.

Bolinhos


O menu da casa é bastante variado, mas alguns ícones da boemia carioca têm protagonismo. É o caso dos bolinhos, inspirados nos feitos por Alaíde, cozinheira de mão cheia que atuava no Bracarense, no Rio de Janeiro, e hoje tem seu próprio negócio em BH.

Inspirado no Rio de Janeiro, o bar aposta em bolinhos, entre eles o de linguiça com queijo minas
Inspirado no Rio de Janeiro, o bar aposta em bolinhos, entre eles o de linguiça com queijo minas Victor Schwaner/Divulgação


Entre as porções, as mais vendidas são rabada (R$ 54), bacalhau (R$ 58), aipim com carne seca e requeijão (R$ 48), camarão (R$ 58) e carne (R$ 58), além do mais famoso deles, o bolinho cervejeiro (R$ 58). A criação do chef Fabiano Braga leva linguiça de pernil e queijo Canastra.

Atualizações


Daniel acredita que o sucesso da casa tem grande relação com o fato de sempre se atualizarem e entenderem as novas demandas da clientela. “Alguns itens clássicos estão sempre no cardápio, mas trazemos sempre novidades”, conta, destacando os festivais de verão e de inverno que servem como um termômetro para a casa entender seu cliente.


Em alguns momentos, ele adicionou itens no menu que iam contra a sua ideia, mas pensando sempre no seu público. “Me lembro de falar que o Redentor nunca se renderia ao ceviche, mas acabamos nos rendendo e servimos até hoje.”


Entre as bebidas, as grandes estrelas são as caipis, também super cariocas. São seis opções especiais criadas pelo mixologista Tiago Santos: rapadura e três limões; caju e limão siciliano; morango e cereja amarena; lichia, tangerina e limão; tangerina, gengibre e hortelã; e uva verde, manjericão e limão. Todas são vendidas a R$ 37.

As caipis reforçam o clima carioca e convidam para viver como se fosse na beira da praia
As caipis reforçam o clima carioca e convidam para viver como se fosse na beira da praia Victor Schwaner/Divulgação


“Em 2014, com a chegada do Tiago, começamos a qualificar mais a nossa coquetelaria e investir em mais variedade”, explica Daniel.

Novas casas


O chope abriu muitas portas, não só para o Redentor, mas para as outras operações do grupo que abriram posteriormente. A primeira delas foi o Moema, inspirado na capital paulista. Neste ano, chegaram o Marú, com a proposta de servir japonês e chope num mesmo espaço, e o Bar da Fila, como um lugar para o cliente ficar em pé e comer e beber enquanto aguarda uma mesa no Redentor.


“A nossa essência, que une todas as casas, é o chope três dedos perfeito [com três dedos de colarinho] e a qualidade do atendimento”, completa Daniel.

Casas vitoriosas


Dez anos ou mais de um restaurante só parece pouca coisa para quem não acompanha o desenvolver da cidade e da gastronomia. A cada ano, os estabelecimentos lutam e enfrentam diversos problemas, que vão desde as cargas tributárias até a questão da mão de obra.

Simone Lopes, analista do Sebrae Minas, explica que o planejamento é imprescindível para que qualquer negócio prospere. “Quando um empreendedor decide empreender na área da gastronomia, é preciso saber qual é o perfil de seu cliente, ter controle de seus custos operacionais, ter fichas técnicas…”

A professora do curso de gastronomia do Senac Carol Haddad também destaca a importância da “teoria” na vida de um restaurante. “É preciso que haja uma busca por excelência na gestão e na operação. Não se deve menosprezar a parte técnica”, diz.

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Serviço


Casa Bonomi (@padariacasabonomi)

  • Avenida Afonso Pena, 2600, Funcionários
  • (31) 99206-2772
  • De terça a sábado, das 7h às 19h

Alguidares (@alguidares)

  • Rua Pium-Í, 1037, Cruzeiro
  • (31) 3221-8877
  • Terça e quarta, das 12h às 15h e das 18h30 às 23h;
  • De quarta a sábado, das 12h às 23h;
  • Domingo, das 12h às 18h.

Glouton (@gloutonbh)

  • Rua Bárbara Heliodora, 59, Lourdes
  • (31) 3292-4237
  • De segunda a sábado, das 19h às 23h

Cabernet Butiquim (@cabernetbutiquim)

  • Rua Levindo Lopes, 22, Funcionários
  • (31) 98447-4102
  • De terça a sábado, das 11h30 às 23h30;
  • Domingo, das 11h30 às 16h.

Redentor (@redentorbar)

  • Rua Fernandes Tourinho, 500, Savassi
  • De segunda a domingo, das 11h à 00h
  • (31) 3568-8469

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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