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GASTRONOMIA

Além da ardência: veja como a pimenta pode dar um sabor especial aos pratos

Da comida de boteco à alta gastronomia, a pimenta está presente para dar um charme à comida ou ser a estrela do prato

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Uma única mordida e logo vem o calor, o suor e a ardência. A pimenta, uma especiaria para lá de antiga, tem os seus adeptos no mundo todo - estando presente em petiscos de boteco, quitutes, refeição do dia-a-dia e até em sobremesas.

Sua origem data de antes do período colonial, cerca de nove mil anos atrás, onde indígenas das Américas, utilizavam as pimentas do gênero Capsicum, conhecidas hoje pelos nomes: pimenta vermelha, pimenta-de-cheiro e pimenta malagueta, conforme explica a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Com a chegada dos europeus, a especiaria foi espalhada para outros continentes, incluindo a Europa e a Ásia. Hoje, depois do sal, a pimenta é o condimento mais utilizado no mundo, gerando uma grande variedade de produtos e subprodutos, como molhos, geleias, pastas e salgados.

No Mercado Central, o Paraíso das Pimentas exemplifica o sucesso desse condimento. Com três gerações à frente da administração, a loja, inaugurada em 1991, vende pimentas frescas, conservas e uma ampla variedade em pó. Lucas Henrique Bastos, neto dos fundadores, revela que as preferidas dos belo-horizontinos são a biquinho, a dedo-de-moça e a malagueta. Mas o carro-chefe do momento tem sido a pimenta-de-cheiro e a jalapeño, originária do México.

Pimentas
As preferidas dos belo-horizontinos são a biquinho, a dedo-de-moça e a malagueta, mas o carro-chefe do Paraíso das Pimentas tem sido a pimenta-de-cheiro e a jalapeño, originária do México Jair Amaral/EM/D.A Press.

“A dedo-de-moça combina com vários pratos à base de carne, assim como a malagueta. Já a pimenta-de-cheiro, muito apreciada no interior de Minas Gerais, não arde, mas mantém uma leve picância, ideal para farofas, carnes e molhos”, explica Lucas.

A ardência característica, fruto da capsaicina, traz todo um “quê” para a culinária brasileira e também internacional. A intensidade dessa sensação está relacionada à quantidade de capsaicina presente na placenta do fruto e nas sementes. A substância ativa células do sistema nervoso responsáveis por detectar estímulos como picadas, pancadas e queimaduras.

É um mecanismo semelhante ao que acontece quando batemos o dedo mindinho ou encostamos o braço em uma panela quente: os neurônios da dor, espalhados pela pele e por diversos órgãos, incluindo a língua, são ativados e enviam ao cérebro a sensação de ardência.

Uma curiosidade é que essa queimação não é apenas uma impressão. O mesmo receptor da capsaicina é ativado por temperaturas superiores a 43 ºC, ou seja, nosso corpo interpreta o consumo da pimenta como uma situação de calor intenso.

Lucas Henrique ensina que, ao contrário do que muitos pensam, beber um copo d’água não alivia a ardência. Na verdade, a água espalha a capsaicina, aumentando o incômodo. “O mais indicado é consumir leite, farinha, açúcar ou um pedaço de pão para amenizar a sensação de queimação”, aconselha.

E fica a dica: para suavizar o ardor, basta retirar as sementes da pimenta. Mas, diferentemente de um prato salgado, que pode ser corrigido com água ou batata para absorver o excesso de sal, uma comida apimentada só perde a intensidade se os ingredientes forem dobrados.

CENÁRIO BRASILEIRO 

De acordo com a Embrapa, relatos de exploradores do período colonial mostram que a pimenta era amplamente cultivada e fazia parte da dieta das populações indígenas. Até hoje, seu uso vai além da culinária, estando presente em crenças, na medicina tradicional e alopática e até como arma de defesa.

Os indígenas Caetés foram os primeiros brasileiros a usarem a pimenta como estratégia de proteção. Há registros de que eles esmagavam os frutos e os espalhavam em pontos estratégicos para que o vento levasse o ardor até os invasores, afastando-os. Séculos depois, essa ideia evoluiu para a produção de sprays de pimenta e espumas - amplamente usados pelas forças de segurança.

Atualmente, não há um número exato sobre a produção nacional, já que boa parte das pimentas é cultivada por pequenos produtores espalhados pelo país. No entanto, estima-se que a área plantada chegue a cerca de cinco mil hectares, com uma produção de 75 mil toneladas anuais.

Os principais estados produtores são Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Sergipe. A produtividade varia conforme a espécie cultivada, podendo alcançar entre 10 e 30 toneladas por hectare. O crescimento da demanda tem impulsionado a expansão das lavouras e o fortalecimento do agronegócio das pimentas doces e picantes. Além de abastecer o mercado interno, parte da produção brasileira é exportada em diferentes formas, como páprica, pasta, pimentas desidratadas e conservas ornamentais.

BENEFÍCIOS X MALEFÍCIOS 

Ao incluir a pimenta na alimentação, ingere-se diversos nutrientes essenciais, como vitaminas A, C e E, ácido fólico, zinco e potássio, além de fibras e carboidratos. Além disso, a capsaicina, utilizada na medicina há séculos, tem propriedades termogênicas, acelerando o metabolismo e favorecendo dietas de emagrecimento. Além disso, pesquisadores continuam investigando sua ação antioxidante e anti-inflamatória, que tem potencial para ajudar a melhorar o fluxo sanguíneo e retardar o envelhecimento precoce.

Por outro lado, algumas pessoas não podem consumir pimenta devido a intolerâncias ou alergias. Os sintomas variam desde reações leves, como formigamento na língua e erupções ao redor da boca, até quadros graves de anafilaxia, que podem comprometer o sistema respiratório e cardiovascular.

ESCALA SCOVILLE: A MEDIDA DO ARDOR DAS PIMENTAS 

Como saber qual pimenta é mais ardida? A Escala de Scoville, criada pelo farmacêutico norte-americano Wilbur Scoville por volta de 1910, mede a quantidade de capsaicina, substância responsável pela sensação de queimação.

Originalmente, o método envolvia diluir a pimenta em água com açúcar até que a ardência não fosse mais percebida por um grupo de provadores. Hoje, a medição pode ser feita com mais precisão por meio da Cromatografia Líquida de Alta Pressão (HPLC).

Escala Scoville
A Escala de Scoville, criada pelo farmacêutico norte-americano Wilbur Scoville por volta de 1910, mede a quantidade de capsaicina Soraia Piva/Artes EM/D.A Press

Há diversos guias que apresentam uma grande variedade de pimentas e seus respectivos níveis de ardência. No entanto, não há um consenso sobre os valores exatos da escala, por isso os números são aproximados. Selecionamos algumas pimentas que se destacam, como biquinho, malagueta e jalapeño.

O pimentão, embora não apareça na maioria dos guias, é o zero absoluto da escala, pois não contém capsaicina. Já a pimenta mais ardida registrada é a Pepper X, que, em 2023, superou a famosa Carolina Reaper, ultrapassando 2 milhões de unidades Scoville (SHU). A regra é simples: quanto maior o número na escala, mais fogo na boca.

Não se engane!

CURIOSIDADES


A pimenta-do-reino não pertence à mesma família dos pimentões e malaguetas. Ela é o fruto das sementes de uma planta trepadeira da família Piperaceae. Diferente das pimentas do gênero Capsicum, seu sabor característico vem da piperina, um composto químico distinto da capsaicina, responsável pelo ardor das demais. A variação entre pimenta-preta, branca e verde depende apenas do estágio de colheita e do método de processamento. Já a chamada pimenta-rosa vem de uma planta diferente: são as sementes da aroeira.

A ardência da pimenta também é diferente da sensação provocada pela mostarda e pelo wasabi. Isso acontece por causa dos compostos químicos presentes em cada um. Nas pimentas, predominam as alquilamidas, moléculas maiores e mais persistentes, que deixam a boca queimando por mais tempo. Já a mostarda e o wasabi contêm isotiocianatos, compostos menores e voláteis, que sobem para as vias nasais e causam ardência no nariz, não na boca.

 

Pimentas
O acarajé do restaurante Alguidares tradicionalmente leva um molho feito com pimenta malagueta e azeite de dendê Leandro Couri/EM/D.A Press


 UMA QUESTÃO DE SABOR

A culinária de países como México e Índia têm a pimenta como ingrediente essencial, presente em molhos e acompanhamentos. No Brasil, a comida baiana é frequentemente associada ao uso intenso de pimenta. No entanto, a chef Deusa Prado, do restaurante Alguidares, esclarece que essa é uma percepção equivocada. "As comidas baianas não são, de fato, apimentadas. A pimenta sempre está ao lado, como um complemento opcional", explica. A exceção é o acarajé, que tradicionalmente leva um molho feito com pimenta malagueta e azeite de dendê. Entretanto, devido à fumaça intensa gerada no preparo, a própria Deusa opta por adquirir o molho pronto por quem domina a técnica. Além disso, há versões da iguaria sem a ‘quentura’.

No Alguidares, os clientes também encontram uma conserva de pimenta malagueta com azeite, disponível para quem deseja intensificar os sabores. “Mas os mineiros usam mais pimenta do que os baianos”, brinca a chef, revelando que muitos clientes pedem opções ainda mais picantes.

Com quase 30 anos de história, o restaurante tem entre seus pratos mais pedidos a moqueca, o acarajé, a casquinha de siri e o ensopado sem dendê – todos podendo ser acompanhados por pimenta. Segundo Deusa, a receptividade dos mineiros à comida baiana é grande - a prova é que as vendas continuam a crescer.

Mas será que os mineiros realmente gostam tanto de pimenta? Phillip Augusto Pinheiro, filho de Ronaldo Lúcio dos Santos, fundador do Café Bahia, confirma que "sim, os mineiros gostam de uma ardência". Segundo ele, quando a casa fica sem pimenta-biquinho ou molho apimentado, logo surgem reclamações.

O Café Bahia tem pratos tradicionais que são acompanhados da pimenta biquinho, como o Virado do Bahia, o Bolinho de Carne e o Sertô - esse último participante do Comida Di Buteco 2024 e servido com geleia de abacaxi com pimenta. Além disso, a casa produz seu próprio molho de pimenta, em parceria com o chef Penninha. A marca Gustin – uma homenagem ao filho do chef, Augusto – oferece duas versões: uma mais suave e outra com pimenta malagueta, a versão hot.

“A parceria já dura quatro anos. Nosso molho está nos pratos do restaurante, mas também é vendido em supermercados e bares. Para mim, o mineiro gosta da pimenta como um complemento, para realçar o sabor do torresmo e da comida, mas sempre na medida certa.”

Pimentas
Brigadeiro com geleia de pimenta Nívea Silva/YT

 

Brigadeiro com geleia de pimenta 

Receita


Por: Lucas Henrique do Paraíso das Pimentas

Brigadeiro com geleia de pimenta
(Receita para 30 unidades)

Ingredientes:

  • 1 lata de leite condensado
  • 3 colheres (sopa) de chocolate em pó
  • 1 colher (sopa) de manteiga
  • Manteiga para untar
  • 3 pimentas dedo de moça médias, picadas e pouca semente
  • 2 colheres (sopa) de açúcar

Preparo
Para fazer o brigadeiro, em uma panela, misture o leite condensado, o chocolate em pó e a manteiga e leve ao fogo baixo, mexendo sempre até desprender do fundo da panela (cerca de 10 minutos). Retire do fogo, passe para um prato untado com manteiga e deixe esfriar. Enrole em bolinhas e coloque em formas de papel. Reserve. Para fazer a geleia, em uma panela, misture a pimenta, o açúcar e 3 colheres (sopa) de água. Leve ao fogo, deixando ferver por cerca de 2 minutos para apurar. Espere esfriar e, com uma colher pequena, pressione o centro de cada doce, fazendo uma cavidade.

Coloque uma porção de geleia e sirva a seguir.


 

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