
Garçons fazem malabarismos com dois talheres; conheça a técnica de servir
Serviço com dois talheres é uma atração à parte, principalmente em restaurantes mais antigos e tradicionais. Habilidade dos garçons impressiona
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Siga noAlicate na cozinha? No primeiro instante, soa como inapropriado, fora do lugar. Mas, no mundo mágico da cozinha, ele se encaixa perfeitamente. Na verdade, a ferramenta original, que todos têm em mente, própria para apertar, cortar, agarrar ou dobrar foi adaptada com a criação da chamada técnica do alicate, que faz parte do serviço à la carte. Os garçons servem a comida com duas colheres ou uma colher e um garfo em movimentos precisos e pegadas que lembram o alicate.
Se os chefs e cozinheiros recebem toda a honraria por preparar as delícias que vão para os pratos, os garçons são responsáveis por servi-los aos clientes. Ou seja, além do uniforme impecável, apresentação pessoal, postura, higiene, simpatia, diplomacia, preparo físico, agilidade, regras de etiquetas da gastronomia (como arrumar a mesa, dispor os talheres, equilibrar a bandeja...), enfim, profissionalismo singular, eles têm que exibir técnicas e a habilidades próprias da profissão.

Segundo Guarcindo Neto, do Maestro Bar e Butequim, a técnica do alicate pode ser aplicada em qualquer prato, mas de maneiras diferentes
Ao longo dos anos, o trabalho de garçom mudou muito, principalmente nos restaurantes e bares mais contemporâneos. E algumas técnicas foram desaparecendo, como a de servir com duas colheres. Mas é uma das mais interessantes e envolve as pessoas ao redor da mesa, que param para visualizar tal habilidade diante dos olhos, a agilidade das mãos dos garçons com os talheres.
Não há uma data precisa de quando surgiu a técnica do alicate, presente nos restaurantes mais antigos e tradicionais. Flávio Gomes, professor de gastronomia do Senac em Barbacena, no Campo das Vertentes, diz que “ela surgiu quando o cliente passou a ser servido à mesa de maneira mais formal. O uso da colher e do garfo é o mais comum, o original, ainda que a técnica possa ser executada com duas colheres. A colher ajuda nos pratos com molho, mas, em casos de purê, tutu, arroz à piemontese, por exemplo, com duas colheres fica mais complicado e o garfo ajuda na transferência de todo o alimento, mais pastoso, para o prato.”
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O professor ensina que a técnica do alicate se baseia no garçom do lado esquerdo da mesa apresentando a bandeja ao cliente. E isso ocorre por dois motivos. “Primeiro, para que o cliente confira o pedido e, segundo, para ver a beleza da travessa, o preparo do alimento. Na sequência, o garçom fará o transporte da comida para o prato”, explica.
Professor do Senac há 38 anos, com atuação na área de atendimento ao cliente, Flávio enfatiza que aprender a técnica do alicate é obrigatório. Nunca se sabe quando o profissional vai se deparar com uma situação em que terá de usá-la: “No curso, há aulas práticas, simulações e é uma questão de treino, não é difícil. Ele terá a travessa na mão esquerda e fará o alicate com a direita”, ensina.
Talento nato
Há quem nasça para um ofício. E feliz de quem descobre o talento cedo e segue sua trajetória exercendo aquela função. É o que faz Odair Fernandes Santos, de 54 anos, com 35 de carreira e há 15 na Casa dos Contos, restaurante clássico de Belo Horizonte, com quase meio século de caminhada. Desde 1975, é um reduto de intelectuais, artistas mineiros e de gerações que gostam de degustar o tradicional filé surprise, cartão de visitas da casa, referência da gastronomia belo-horizontina.

Como ensina Wallison Nunes, da Cantina do Lucas, o movimento é feito com o polegar e o indicador e os outros três dedos ajudam a fixar
“Nasci em Jordânia, divisa de Minas com Bahia, perto de Almenara, e cheguei a BH com 17 anos. Gostei e fiquei. Fiz primeiro o alistamento no Exército e, dispensado, fui trabalhar. Comecei no mundo de eventos, me enfronhei na cozinha, no universo da gastronomia e nunca mais saí. Fiz questão de aprender tudo de importante para a profissão, busquei a teoria, qualificação, já fui gerente no ramo da alimentação, mas estar no salão me define”, conta.
De aluno a professor
Como se lançou cedo no trabalho, foi num curso rápido de 90 dias no Senac que Odair foi apresentado à técnica do alicate.
“Encontrei ajuda, não é difícil, mas com o tempo passei a ensinar. Fui voluntário uma, duas vezes por semana e passei a transmitir meus conhecimentos, principalmente, em como receber o cliente, uma família, o comportamento do garçom, postura. E, hoje em dia, na Casa dos Cantos, quando servimos com o alicate, as pessoas observam, se espantam, clientes de fora, que não a conhecem, pedem para tirar foto enquanto servimos. Até mesmo quem é de BH se encanta com a perfeição do serviço. Dizem ser impossível, que jamais conseguiriam. Digo sempre que é como comer comida japonesa com os dois pauzinhos, com o hashi, o palito japonês. É questão de hábito, repetição, treinamento.”
Odair reforça que pode usar a técnica do alicate para servir qualquer prato. Mas revela uma mudança: “Em uma pizzaria é diferente. Sei que neste salão, o alicate é formado por duas facas, uma adaptação, própria para lidar com as fatias com queijo derretido, que forma aquela linha e, com as facas, o servir será mais fácil, com o corte dos fios de queijo. E para massas, como talharim, fettuccine, o ideal são duas colheres do mesmo tamanho e formato para igualar a pinça”, ensina.
Atração a mais
No Maestro Bar e Butequim, o garçom Guarcindo de Souza S. Neto, de 64 anos, com 47 de profissão, destaca, antes de tudo, que existe uma sequência obrigatória para servir à mesa: “Primeiro as crianças, depois idosos e mulheres”, não importa o tipo de serviço.

No recém-inaugurado Maestro Bar Butiquim, Guarcindo Neto surge como um guardião da técnica e está sempre pronto para usá-la
Quanto à técnica do alicate, confessa que “no início tive dificuldade de manuseio”, mas, com a experiência ao longo dos anos, hoje faz com maestria. Para ele, é uma pena que ela esteja ficando de lado: “Ela está desaparecendo lentamente. Sobrevive em restaurantes ou bares mais antigos. Hoje em dia não se faz profissionais como antes”, lamenta.
Mas ele assume o compromisso de preservá-la e está pronto a exibi-la sempre que necessário e tiver uma chance. Mesmo no Maestro, casa supernova, inaugurada neste mês de maio, com a proposta de ser um bar voltado para os boêmios, com autêntica raiz do boteco mineiro, mas que prima pela qualidade dos pratos e atendimento, de acordo com os sócios-proprietários Pedro Henrique Amorim e Henrique Lacerda.
“É um bar novo, mas a técnica está presente. Pode ser uma atração a mais. Além da importância de seguir as normas de um bom atendimento, as regras e ser cortês”, enfatiza Guarcindo.
Com sua habilidade, o garçom destaca que é possível aplicar a técnica alicate em qualquer prato. “Mas não da mesma forma. Cada um tem uma técnica diferente: os peixes e crustáceos, por exemplo, são mais complicados, enquanto carne é mais fácil”, ensina.
Tradição viva
Wallison Ferreira Nunes, de 48 anos, é garçom na Cantina do Lucas há 16 anos e domina a técnica do alicate no serviço à inglesa direta: “Tenho mais de 25 anos de profissão e fui aperfeiçoá-la com um curso no Senac, até já trabalhava. A técnica requer precisão, mas basta treinar para manejar corretamente. O cabo tem de estar centralizado na palma da mão para garantir mais habilidade, o movimento é feito com o polegar e o indicador e os outros três dedos fixam.”

Garçom na Cantina do Lucas, Wallison Nunes conta que recebe elogios ao servir com o alicate: "Me sinto bem"
Wallison conta que “também podemos utilizá-la para servir molhos e caldos, daí precisamos de conchas, posicionadas de forma paralela. Não é uma técnica simples, mas, com o tempo, ficamos mais ágeis, rápidos e é preciso ser dinâmico.”
Para o garçom, a técnica está sumindo porque “predomina nos restaurantes o modo de servir com o prato montado pelo chef na cozinha direto para o cliente. Mas, na Cantina do Lucas, preservamos a tradição, o clássico e todos recebemos elogios ao servirmos com o alicate. E eu me sinto bem.”
Mesmo que a técnica tenha ficado de lado, Wallison destaca que todo garçom é obrigado a aprender, seja porque pode se deparar com um empregador que vai exigir ou para ser desafiado a ter mais conhecimento: “Sempre será útil. Ele pode precisar em diversas situações. De repente, vai trabalhar em um restaurante que exige que entregue ao cliente o guardanapo sem tocá-lo e o fará pela técnica do alicate”, avisa.
Será o fim?
No mundo da gastronomia, há vários tipos de serviço (veja quadro), que indicam como o cliente terá acesso à comida. “A modernidade tem pressa, um dinamismo maior e é o momento do serviço empratado. Com o boom da gastronomia autoral, é o prato que o chef cria, decora e quer apresentar para o comensal”, aponta o professor de gastronomia do Senac em Barbacena, Flávio Gomes.

"Saber nunca é demais", diz o professor do Senac em Barbacena, Flávio Gomes, lembrando que o alicate não serve apenas para transportar o alimento ao prato
Como ele destaca, a alta gastronomia limita a divisão de pratos, que passam a ser individuais. “Encaro o desuso da técnica do alicate, simplesmente, como evolução. Agora, está em alta o empratado. Assim, o cliente ganha um serviço melhor, com mais tempo e atenção do garçom, que terá mais liberdade para atendê-lo e também será obrigado a saber mais do prato, como apresentá-lo, ter o zelo na hora de servir para manter a decoração e pode dar mais atenção ao serviço de bebida.”
Apesar disso, o professor enfatiza que a técnica do alicate ainda é utilizada e que deve ser preservada.
“É interessante e fundamental que o profissional da área tenha o conhecimento da técnica. Se for preciso, vai saber aplicá-la. E o alicate não serve apenas para transportar o alimento à mesa. É útil em outras situações, como entregar o guardanapo ao cliente, sem tocá-lo, assim como colocar ou repor o naperon (pano de renda que decora a mesa), pedidos em algumas casas. O alicate também é usado quando o cliente pede alguma reposição, de batata frita, por exemplo, e ainda tem comida em seu prato. Tudo depende do nível da casa, do nicho de mercado, da exigência do cliente, mas saber nunca é demais.”
Com cursos em andamento no Senac, Flávio destaca que o mercado, desde a pandemia, “anda carente, precisando de profissionais, já que muitos depois da onda mortal do coronavírus não retornaram para o setor. E é um ótimo caminho, escolha assertiva, com boas oportunidades, já que o mercado está absorvendo a mão de obra. Basta investir em qualificação e conhecimento”, recomenda o professor.
Os principais tipos de serviços à mesa*
1 – Serviço volante: é uma das opções mais modernas e requintadas. Os convidados ficam em pé, livres para circular pelo local, enquanto os garçons oferecem aperitivos e bebidas em uma bandeja. É comum haver mesas de degustação e alguns sofás ou mesas em pontos específicos. Por isso, o cardápio geralmente é formado por finger foods, ou seja, mini porções que podem ser consumidas com as mãos, sem a necessidade de pratos e talheres.
2 – Serviço empratado: outra opção sofisticada, muito comum em restaurantes à la carte. Nesses locais, a refeição é preparada e finalizada na cozinha e o garçom traz o prato pronto para o cliente na mesa.
3 – Serviço à americana ou bufê: é um dos mais comuns em restaurantes. Os pratos são organizados em uma mesa principal para que os clientes se sirvam sozinhos.
4 – Serviço à brasileira: prático e despojado, é o mais usado em jantares de família. Nesse tipo de serviço, os garçons levam as refeições à mesa e os próprios clientes se servem. Ideal para restaurantes com comida caseira e um clima aconchegante.
5 – Serviço à francesa: tem este nome porque era amplamente usado pelos nobres da França até o século 19, por isso tem formalidades e exige garçons qualificados e experientes. Desta forma, diversos pratos são levados até a mesa e servidos ao mesmo tempo. Os garçons devem estar posicionados ao lado esquerdo do cliente, para que ele possa se servir livremente.
6 – Serviço à russa: semelhante ao estilo francês, também exige uma quantidade maior de garçons experientes. Em restaurantes que adotam esse tipo de serviço à mesa, as travessas com os alimentos são levadas até os clientes em um guéridon (pequena mesa móvel) com um réchaud (fogareiro) para manter a temperatura. Depois, o garçom-chefe finaliza o prato diante dos clientes e os serve pelo lado esquerdo, retirando os pratos vazios pela direita após a refeição.
7 – Serviço à inglesa direto: similar ao praticado em restaurantes de rodízio, como pizzarias e churrascarias. O garçom mostra o prato ao cliente, aguarda a sua aprovação e então o serve pelo lado esquerdo. Em ambientes formais, os profissionais são orientados a organizar a disposição dos alimentos no prato da maneira adequada. Aqui, entra a técnica do alicate.
8 – Serviço à inglesa indireto: também demanda profissionais hábeis e qualificados. O garçom traz a travessa da cozinha e mostra ao cliente para aprovação. Depois, o profissional monta o prato no guéridon, de acordo com as orientações do chef, e serve os visitantes pelo lado esquerdo. Por ser um estilo formal, demanda mais tempo e espaço para que seja executado, portanto é utilizado em eventos com poucos convidados.
*Fonte: Blog Tasselo
Serviço
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Maestro Bar e Butequim (@maestrobh_)
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