Filmes de terror costumam ganhar destaque nesta época de Halloween. Embora o gênero seja contemplado em exibições especiais e eventos dedicados aos amantes da estética sombria, o terror ainda enfrenta resistência em premiações cinematográficas mundiais.

O Oscar tende a valorizar produções consideradas mais sérias, como dramas e biografias. Rose May Carneiro, professora de audiovisual na Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília (UnB), diz que o terror é frequentemente visto como produto de entretenimento popular, associado a fórmulas sensacionalistas, impacto imediato e apelo ao medo. “Isso colide com a ideia de 'cinema de prestígio' cultivada pela Academia”, ressalta. Para ela, preconceitos históricos e o fato de muitos filmes de terror explorarem o grotesco ou o sobrenatural reforçam essa barreira.

A resistência ao terror começou a se dissolver com o surgimento de produções como “O exorcista” (1973), primeiro longa do gênero a disputar o Oscar de Melhor Filme, “O silêncio dos inocentes” (1991), “Tubarão” (1975) e, mais recentemente, “A substância (2024)”.

“Esses filmes têm em comum a capacidade de usar elementos do gênero para discutir questões humanas profundas, além de serem realizados com rigor técnico e artístico, conquistando tanto o público quanto a crítica”, afirma Rose Carneiro.

A comercialização do gênero contribui para a visão de que terror se relaciona com entretenimento, e não com arte. “O marketing do terror tradicionalmente enfatiza sustos, efeitos visuais, violência e a experiência coletiva nos cinemas. Isso resulta na percepção de que se trata de um produto 'menor', voltado para adolescentes e fãs de entretenimento fácil”, observa.

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ESTÉTICA REFINADA

No entanto, nos últimos anos, filmes como “Hereditário” (2018), “Midsommar” (2019) e “Corra!” (2017) elevaram o status do terror. Para a professora da UnB, tais produções representam a renascença do horror autoral. Longas de Ari Aster e Jordan Peele, respectivamente, aliam estética refinada, subtexto social e experimentações narrativas.

“Eles mostram que o terror pode ser veículo para discussões relevantes e complexas, o que tem ampliado o respeito do gênero no circuito de festivais, crítica especializada e até premiações”, diz Rose. Em 2018, “Corra!” foi indicado a quatro estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor (Jordan Peele) e Melhor Ator (Daniel Kaluuya). Peele levou o prêmio de Melhor Roteiro Original.

“A substância”, primeiro longa de terror dirigido por uma mulher indicado ao Oscar principal, sinaliza a abertura há muito reivindicada. “Coralie Fargeat traz não só olhar feminino ao terror, mas uma abordagem autoral, questionando padrões de gênero, corpo e poder”, argumenta a especialista.

“A conquista reflete movimentos mais amplos por diversidade na indústria, mostrando que mulheres podem redefinir gêneros antes dominados por homens, inspirando novas narrativas e rompendo barreiras institucionais”, diz Rose Carneiro.

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Clássicos como “Psicose” (1960) e “O iluminado” (1980) foram subestimados pela Academia, apesar de atualmente serem considerados obras-primas. A professora diz que o conservadorismo da promotora do Oscar dificultou o reconhecimento de filmes fora dos moldes tradicionais.

Obras de Alfred Hitchcock e Stanley Kubrick já foram consideradas controversas e nichadas, o que revela como o prestígio institucional muitas vezes demora a acompanhar as transformações culturais e artísticas.

Ao inserir temas universais sob a camada de horror, o filme híbrido desafia o preconceito crítico e expande as possibilidades do gênero enquanto arte.

“Diretores atuais usam o terror para falar de racismo ('Corra!'), luto, trauma ('Hereditário') e misoginia ('A substância')”, destaca Rose May Carneiro. A partir da consolidação de temas sociais, existenciais e contemporâneos em produções do gênero, ela acredita que o terror será capaz de conquistar prestígio em premiações.

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