O palacete da Rua da Bahia onde funciona a sede da Academia Mineira de Letras (AML) guarda segredos curiosos. Marcas na parede dos fundos do casarão foram adquiridas durante a Batalha de Belo Horizonte, na Revolução de 1930, quando tropas legalistas enfrentaram as forças revolucionárias, ligadas a Getúlio Vargas. O subsolo era o local onde o médico Eduardo Borges da Costa – primeiro e único dono do imóvel – atendia e internava seus pacientes.
O segundo andar do palacete abriga bibliotecas que pertenceram a Eduardo Frieiro, Maria José de Queiroz e Olavo Romano. A de Rui Mourão ainda está encaixotada.
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A Casa de Alphonsus de Guimaraens, como é conhecida a sede da AML, vem se consolidando como guardiã de parte significativa da memória literária de Minas Gerais, deixando de ser apenas símbolo da tradição para se tornar um espaço vivo, pulsante e dinâmico.
(Esta reportagem é a sexta parte da série especial "BH: Capital dos livros". Saiba mais no final da matéria)
O processo de transformação da AML é fruto da percepção dos acadêmicos de que instituições culturais fechadas em si mesmas tendem a perder relevância.
Por décadas, a casa manteve perfil voltado sobretudo para cerimônias internas e manutenção do próprio acervo. Atualmente, a AML promove conferências, debates, lançamentos, exposições, cursos e oficinas, apostando também em parcerias com movimentos sociais.
O palacete foi palco da mostra “La maison de Clarice”, dedicada à obra de Clarice Lispector, que marcou a estreia do casarão da Rua da Bahia como espaço expositivo. Mais recentemente, abriga o projeto Sábados Feministas, parceria com o movimento Quem Ama Não Mata, promovendo debates sobre gênero, raça, violência e cultura.
O ponto central, defende Jacyntho Lins Brandão, presidente da AML, é mostrar que a academia, embora guardiã da memória literária da cidade, não pode – e não quer – se limitar a isso.
“A tradição é importante, claro, mas não pode estar dissociada do presente. Precisamos ser o espaço da cultura viva, que dialoga com a cidade, reflete sobre os dilemas contemporâneos e se abre para o novo”, afirma.
Outros espaços que contribuem para a consolidação de Belo Horizonte como “A capital dos livros” são o Acervo dos Escritores Mineiros, mantido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e ações do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet).
No câmpus da UFMG estão reunidos acervos de Fernando Sabino, Henriqueta Lisboa, Murilo Rubião, Cyro dos Anjos e Oswaldo França Júnior, entre outros. A proposta é fomentar a pesquisa, o ensino e a extensão a partir de documentos desses autores, promovendo, assim, a passagem da memória individual dos criadores para a memória coletiva. O espaço está fechado temporariamente para reformas.
Há 15 anos o Cefet desempenha papel fundamental na profissionalização e sistematização do conhecimento na área editorial. Oferece, por exemplo, o bacharelado em edição dentro do curso de letras.
“Além de incentivarmos a produção editorial, hoje a gente tem discussão, debate, formação, um monte de coisas acontecendo em Belo Horizonte”, diz a escritora Ana Elisa Ribeiro, professora do departamento de linguagem da instituição.
“O Cefet não é precursor de nada. Nem tudo é origem e consequência. Mas ele faz parte da cena, com o objetivo de formar gente para debater, produzir, pesquisar e ensinar”, explica.
“Isso é fundamental para fazer com que Belo Horizonte se mantenha como centro de discussão, debate e produção editorial”, conclui Ana Elisa.
BH: Capital dos livros
Esta reportagem faz parte da série "BH: Capital dos livros", na qual o Estado de Minas apresenta um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.
Nas primeiras partes, autoras, editoras, livreiros e produtores culturais, e, agora, os guardiões dos livros, foram protagonistas. Nos próximos dias, leitores e as artistas da literatura infantil serão apresentados nas páginas do EM. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam esse fervoroso cenário literário.
Reportagens publicadas
Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso
Parte 2: Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos
Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos que movimentam a cena literária de BH
Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores
Parte 5: Os guardiões que preservam a memória da literatura de BH
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