Jacyntho Lins Brandão, novo presidente da Academia Mineira de Letras, posa para foto na sede da entidade

Jacyntho Lins Brandão na varanda da sede da Academia Mineira de Letras. Novo presidente vai propor mudança estatutária para que a AML preserve e divulgue "a língua portuguesa e também as outras línguas do Brasil"

Leandro Couri/EM/D.A Press

'A AML não é fechada às mudanças do tempo, da sociedade, às perspectivas de futuro. Tivemos, recentemente, a posse de Ailton Krenak, o primeiro indígena a assumir esse lugar'

Jacyntho Lins Brandão, novo presidente da Academia Mineira de Letras



Na noite desta quinta-feira (25/5), o jornalista Rogério Faria Tavares passa a presidência da Academia Mineira de Letras (AML) para Jacyntho Lins Brandão. Figura proeminente na área dos estudos clássicos, ele já fazia parte da diretoria da instituição e toma posse disposto a ampliar o diálogo com a sociedade e acolher, cada vez mais, a pluralidade de vozes que dela emergem.
 
Na solenidade de amanhã, será lançado o Prêmio da Academia Mineira de Letras, que vai agraciar com R$ 60 mil o autor do livro que a comissão julgadora considerar o melhor do ano anterior e com R$ 40 mil a editora que o publicou. Na ocasião, também virá à luz o novo número da revista da AML.
 
Jacyntho Lins Brandão é professor titular de língua e literatura grega da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da qual foi vice-reitor e ex-diretor. Doutor em letras clássicas pela USP, escreveu os livros “A poética do hipocentauro: literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de Samósata” (Editora UFMG, 2001), “Luciano de Samósata: como se deve escrever a história” (Tessitura, 2009) e “Em nome da (in)diferença: o mito grego e os apologistas cristãos do segundo século” (Unicamp, 201), entre outros.
 
Em 2018, foi um dos 10 finalistas do Prêmio Jabuti, na categoria tradução, por “Ele que o abismo viu: epopeia de Gilgámesh” (2017), no qual verteu o famoso poema épico diretamente do acádio para a língua portuguesa.
 
“Fico grato aos demais acadêmicos que nos confiaram a condução da Academia nos próximos dois anos. Na companhia dos que assumem comigo a diretoria, Maria Antonieta Cunha, J. D. Vital e Luís Giffoni, espero responder à confiança em nós depositada”, diz.
 
Com que disposição o senhor assume a presidência da Academia Mineira de Letras?
Eu tenho dito que suceder o Rogério é fácil e é difícil. Começando pelo difícil: é dar continuar à forma como ele conduziu a Academia em quatro anos; ela cresceu, ampliou o seu impacto social, botou em dia a revista, se firmou na internet, tudo isso. Então é um desafio que estou assumindo, inclusive com a promessa do Rogério de que ele vai continuar participando da vida da Academia. O fácil é que a nova diretoria nova está assumindo a AML num momento tão bom que não vamos precisar reinventar a roda. Trata-se apenas de receber a herança e investir para que ela produza mais resultados.

Que lugar a Academia Mineira de Letras ocupa na sociedade atualmente?
Pensando no desenho da instituição, quando ela foi fundada, em 1909, em Juiz de Fora, era um espaço relativamente fechado, das pessoas que participavam da Academia. Claro que são pessoas de valor, mas pertencentes a uma elite intelectual, e eram só homens: 40 homens brancos de uma elite intelectual. Com o tempo, foi mudando sua composição. Um fato importante foi a entrada da Henriqueta Lisboa (em 1963), que quebrou esse quadro de serem só homens. Isso aconteceu em Minas antes de acontecer na Academia Brasileira de Letras, quando só 10 anos depois Rachel de Queiroz foi eleita. A AML não é fechada às mudanças do tempo, da sociedade, às perspectivas de futuro. Tivemos, recentemente, a posse de Ailton Krenak, o primeiro indígena a assumir esse lugar. Isso tem acontecido também em outras academias regionais. Na Bahia, por exemplo. Cada pessoa que chega como membro da Academia traz um aporte novo, uma produção, uma visão de mundo, uma perspectiva nova. A AML está se movimentando nesse sentido, o que é necessário e esperado. Outra coisa é pensar que ela não é só lugar de congraçamento entre acadêmicos, o famoso chá das cinco – ele é importante também, porque a Academia é uma confraria. Agora, no caso da AML, acho que foi muito reforçada ultimamente, principalmente na gestão do Rogério, a tendência para o externo. É uma instituição que não cumpre suas funções se ficar voltada só para dentro, é preciso se abrir para a sociedade, no sentido de adiantar aquilo que vai redundar em mais diversidade para nossos acadêmicos. Nossa revista trouxe, na penúltima edição, uma antologia de poesia indígena. A AML é uma instituição de direito privado, mas com uma finalidade pública.
 
Jacyntho Lins Brandão, novo presidente da Academia Mineira de Letras, segura livro

Jacyntho Lins Brandão diz que a AML não cumpre suas funções se ficar voltada só para dentro. 'É preciso se abrir para a sociedade', defende

Leandro Couri/EM/D.A Press

'Temos tido o cuidado de acolher as manifestações que geralmente não se inserem no âmbito de uma academia de letras, como o movimento dos slams, dos saraus, com os poetas do improviso. A gente abriu espaço na AML para isso'

Jacyntho Lins Brandão, novo presidente da Academia Mineira de Letras

 

Que caminhos o senhor entende como mais eficazes para promover, estudar e divulgar a literatura e a língua portuguesa?
Dentro do que nos compete, eu diria que a AML tem função importante na área de educação. Não diretamente, porque não somos uma escola, mas os currículos dos cursos superiores, em geral, passaram a exigir horas extraclasse – geralmente 200 horas –, em que os alunos participem de atividades artísticas e culturais. A AML pode oferecer isso, no sentido de tirar o aluno da sala e fazer com que ele tenha experiências em outros espaços. Quando Krenak tomou posse, Rogério disse que não se podia pensar que a Academia era só para preservar, estudar e divulgar a língua portuguesa, porque existem outras línguas no Brasil. Vou propor mudança estatutária para a AML dizer que, sim, tem que preservar, estudar e divulgar a língua portuguesa, mas também as outras línguas do Brasil, o que, acho, cumpre o objetivo de pluralidade. Esse vai ser um dos tópicos do meu discurso de posse. Outro ponto do discurso é que a AML deve se colocar como instituição do nosso tempo, o que é importante para que ela tenha sentido social.
 

'Queremos fazer oficina sobre a poesia oral. São demandas que chegam, e temos buscado priorizar. Queremos lançar um livro sobre vivências de mulheres excluídas e que produzem literatura'

Jacyntho Lins Brandão, novo presidente da Academia Mineira de Letras

 

Ao longo dos últimos anos a Academia tem procurado ampliar os canais de comunicação com a população, por meio de palestras, cursos e atividades afins. Como dar continuidade a esse processo?
Isso aí é o principal elo da AML com a comunidade, é o que ela sabe fazer e pode fazer em termos de investimento cultural. O que está no estatuto, desde a fundação da Academia, é preservar, estudar e divulgar. O que se tem agora é uma outra perspectiva: a Academia é para a sociedade, se dirige a ela, e isso precisa ser uma via de mão dupla, porque o que vem da sociedade para a Academia enriquece o cabedal da própria instituição. Temos tido o cuidado – e isso é um investimento para continuar – de acolher as manifestações que geralmente não se inserem no âmbito de uma academia de letras, como o movimento dos slams, dos saraus, com os poetas do improviso. A gente abriu espaço na AML para isso. Queremos fazer oficina sobre a poesia oral. São demandas que chegam, e temos buscado priorizar. Queremos lançar um livro sobre vivências de mulheres excluídas e que produzem literatura. Temos uma sociedade muito plural, graças a Deus, e dentro disso, para usar um termo da moda, temos vários lugares de fala. É importante para a AML abrir espaço.

Em sua posse, será lançado o prêmio da Academia Mineira de Letras. Como vê essa iniciativa?
Os prêmios são sempre importantes na área da cultura, enquanto reconhecimento e incentivo também. Temos em Minas agora uma situação interessante, porque tem muita gente escrevendo e muitas editoras, inclusive pequenas, publicando material de ótima qualidade. Então, é um prêmio que chega em muito boa hora.
 

'A entrada da Henriqueta Lisboa (em 1963) quebrou esse quadro de serem só homens. Isso aconteceu em Minas antes de acontecer na Academia Brasileira de Letras, quando só 10 anos depois Rachel de Queiroz foi eleita'

Jacyntho Lins Brandão, novo presidente da Academia Mineira de Letras

 

Com relação à revista da AML, cujo número 83 será lançado na noite de sua posse, o que ela representa para a instituição?
A revista foi reconfigurada pelo Rogério, é um dos trabalhos da gestão dele. Em princípio, lá atrás, ela servia para os acadêmicos publicarem. Não é mais assim. Uma iniciativa importante foi colocar tudo isso na internet. Muitas vezes, tem-se pouca informação sobre nomes que pertenceram à Academia. A revista traz não apenas textos que essas pessoas publicaram, mas também a biografia delas. É instrumento de pesquisa importante para a história da literatura em Minas. Atualmente, o foco de cada número é um dossiê, o que faz com que a revista seja um objeto referencial de cultura. O último número foi sobre os 300 anos de teatro em Minas Gerais, abordando autores, atores, cenógrafos, o teleteatro da TV Itacolomi, coisas que andavam meio esquecidas. Então, ela é uma referência sobre o teatro em Minas desde o século 18. Deixando a presidência, Rogério toma posse como membro do conselho da revista. Ela continua, e ele também, o que é um bom prognóstico.

Como o senhor vai conciliar a presidência da AML com suas atividades acadêmicas, além de autor e tradutor?
A AML tem os acadêmicos, que são a alma da instituição, mas se não tivesse Inês Rabelo (diretora-geral) e sua equipe, seria uma alma penada. Eles fazem as coisas acontecerem. A AML não tem renda própria, e gerir essa movimentação de recursos que vêm de fora fica a cargo dessa equipe. O presidente faz a supervisão, mas o dia a dia é garantido pela equipe que trabalha aqui. É um trabalho que, na minha perspectiva, será extremamente prazeroso. Até pelo lugar, porque é um espaço que respira cultura, gentileza, acesso. Enfim, é um lugar muito bom para se estar.