Ailton Krenak tomou posse na Academia Mineira de Letras nesta sexta-feira (3/3)
Krenak foi eleito em julho passado para ocupar a cadeira 24 da AML, cuja patronesse é a poetisa e inconfidente Bárbara Heliodora. Dos 39 votos, recebeu 36, sendo eleito para ocupar a vaga aberta pela morte do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis.
"Como deveria ser o discurso de agradecimento?", questionou Krenak no início de sua fala. "Depois de tantas palavras elogiosas, parece que tudo o que eu fiz (na vida) foi bom", brincou.
Ele recebeu o diploma pelas mãos do deputado federal Patrus Ananias (PT). O distintivo foi entregue pelo prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), ambos acadêmicos da AML.
Oralidade
Em sua fala, Krenak leu o texto "Diplomacia indígena - uma escrita possível?" e comentou sobre sua característica literária. "Minha escrita é pela oralidade. Alguém me perguntou certa vez se, agora, eu me dedicaria a sentar para escrever um livro, afinal, as minhas obras são transcrições de palestras. Aí eu respondi: pode ser que eu me dedique a falar um livro, porque é assim que eu escrevo".
Krenak ainda lembrou dos assédios que os povos originários sofreram e ainda sofrem - ele revelou que, desde o início da cerimônia, a presidente da Funai havia saído do auditório três vezes porque uma tribo de povos originários do Mato Grosso do Sul estava sendo atacada por grileiros - e lembrou da falta de políticas públicas para os indígenas ao longo dos anos.
O início da posse foi marcado pela fala do presidente da instituição, Rogério Tavares. Em seguida, Maria Ester Maciel tomou a palavra e afirmou que todos os presentes estavam vivendo um acontecimento inédito e de enorme importância. "É a primeira vez que um indígena ocupa uma cadeira em uma Academia de Letras", afirmou. "Sobretudo num momento em que vivemos (genocidio)", acrescentou.
Krenak recebeu o diploma pelas mãos do deputado federal Patrus Ananias (PT)
Em sua fala, Ester comparou Krenak com a recém-descoberta planta Lippia krenakiana, uma arbusto em extinção que tem como principal característica a capacidade de sobreviver em ambientes hostis, e ainda lembrou do projeto Biblioteca Krenak, um acervo com palestras, textos e livros do ambientalista.
"Conforme diz o próprio Ailton, é uma biblioteca que fala, e que não pede silêncio", afirmou Ester.
Por fim, um grupo de 13 cozinheiros formado especialmente para o evento de posse ofereceu uma degustação de pratos alinhados aos saberes e riquezas dos povos originários.
Humanidade
Crítico às ideias de civilização e humanidade da perspectiva etnocêntrica, Krenak desenvolveu uma linha de pensamento própria, na qual questiona a maneira equivocada como os seres humanos se agrupam enquanto sociedade, afastando-se da natureza e legitimando a violência, enquanto se autodenominam “humanidade”.
“Que humanidade é essa?”, questiona Krenak em “Ideias para adiar o fim do mundo”, lançado em 2019 pela Cia. das Letras, e considerado hoje como uma das principais obras do autor - cumpre dizer que, já naquela época, Krenak denuncia abusos sofridos pelo povo Yanomami, afirmando que eles estavam à beira de sofrer um colapso, como de fato ocorreu quatro anos depois.
Partindo de uma brincadeira - um representante de determinada universidade para a qual Krenak daria uma palestra perguntou o título da conferência, ao que Krenak respondeu em tom de brincadeira: “ideias para adiar o fim do mundo” -, o escritor fez de sua filosofia, de fato, uma série de ideias e sugestões para se evitar o colapso do planeta em função do antropoceno (interferência do homem na natureza).
São essas ideias que Krenak pretende levar para dentro da instituição no intuito de, efetivamente, convencer mais gente a adiar o fim do mundo.
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