Ailton Krenak, de perfil, em frente a sala da Academia Mineira de Letras

Com "emoção gigante", Ailton Krenak terá a presença da família e do cacique Rondon Krenak na solenidade desta noite

Guto Cortes/Divulgação

'Agora quero viver a experiência de desacelerar. Quem sabe, sentar na cadeira de Bárbara Eliodora. Para mim, o maior sentido na posse na Academia é poder ocupar a cadeira 24 dessa senhora maravilhosa, além de seu tempo, cantada por Cecília Meireles'

Ailton Krenak, escritor


É com “emoção gigante” que Ailton Krenak vai receber na noite desta sexta-feira (3/3) os convidados para sua posse na Academia Mineira de Letras (AML). Primeiro indígena a se tornar imortal no Brasil, o ambientalista, filósofo, poeta e escritor está recebendo um “presente” no ano em que chega aos 70 (em 29 de setembro). 

A importância desta posse – que começou com sua eleição, em junho de 2022, com 36 votos do total de 39 votantes – vai reunir os Krenak, que vivem na zona rural de Resplendor, no Vale do Rio Doce. Estarão presentes à cerimônia a mãe de Ailton, de 92 anos, sua mulher, o casal de filhos, além do cacique Rondon Krenak.

Três acadêmicos terão participação ativa: a professora Maria Esther Maciel fará o discurso de recepção, o deputado federal Patrus Ananias (PT) vai entregar o diploma, e o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo (PV), o distintivo. Na entrevista a seguir, Krenak fala do significado de sua chegada à AML. 

Qual o sentido simbólico de sua chegada à Academia Mineira de Letras?
Nós estamos experimentando tantas novidades este ano que me tornar o mais novo membro da Academia é algo que me enche de surpresa e entusiasmo. A gente vinha atravessando um longo período de negacionismo e de derrotas políticas, e essa situação que se instala com a minha posse na AML se reveste também de um amplo sentido para além da academia, das letras, exatamente por isto. Quem sabe, se o convite tivesse acontecido em outro contexto, ele ia ter um tamanho mais modesto? Agora, é uma novidade total. Não me sinto totalmente à vontade diante de uma novidade. Não cultivo uma experiência literária. Minha experiência de publicar livros e o impressionante sucesso editorial não foram um plano meu. Mas me aproximou de grandes autores contemporâneos e me fez participar de debates públicos interessantes. Então, me sinto premiado.
 

O ofício da escrita fica complicado quando a agenda do autor, como é o seu caso, abrange outras atividades. Há tempo para refletir e escrever?
Desde outubro, tomei a decisão de diminuir a minha circulação física. Terminadas as eleições, não fui a nenhum evento literário. Voltei agora, segunda-feira (27/2), fazendo um sarau na Lagoa do Nado, um encontro maravilhoso em que meu amigo Ricardo Aleixo me fez companhia numa conversa animada sobre poesia e literatura. A acolhida simpática, ligada não só aos livros, mas aos movimentos sociais e à questão ambiental, cria outro ambiente de relacionamento, diferente do que se pensa que é o universo de um escritor. Eu, pelo menos, não imaginava que meus colegas escritores tivessem uma inserção tão plural em debates que falam desde a água que a gente bebe, das enchentes, da tragédia yanomami… É uma agenda tão vasta que se eu não tomar cuidado com a minha própria saúde, vou ser consumido. Acredito que o fato de a gente ter vivido uma experiência muito traumática nos últimos quatro, cinco anos, me acelerou. Agora quero viver a experiência de desacelerar. Quem sabe, sentar na cadeira de Bárbara Eliodora. Para mim, o maior sentido na posse na Academia é poder ocupar a cadeira 24 dessa senhora maravilhosa, além de seu tempo, cantada por Cecília Meireles. Algumas pessoas se surpreendem: ‘Ela é mineira?’ Não estou falando da jornalista, estou falando da poetisa, da revolucionária Barbara Eliodora, que a seu tempo compartilhou com os inconfidentes a ideia de liberdade. Então, é essa ideia de liberdade que me anima, me alenta.
 

"Estou imerso, há dois anos, num projeto mais demorado, de entregar um livro que não é resultado das minhas interações com o público. Um trabalho que supõe refletir sobre a questão dos povos indígenas no Brasil, a história, a colonização, a região do Rio Doce onde meu povo vive, a tragédia ambiental, esse 'ecocídio''

Ailton Krenak, escritor

 

Uma vez empossado, o que virá, além do retorno para casa?
Se eu puder fazer valer o meu desejo, vou deixar os livros seguirem o rumo deles. Quero ter um pouco mais de vida doméstica, inclusive porque estou imerso, há dois anos, num projeto mais demorado, de entregar um livro que não é resultado das minhas interações com o público. Um trabalho que supõe refletir sobre a questão dos povos indígenas no Brasil, a história, a colonização, a região do Rio Doce onde meu povo vive, a tragédia ambiental, esse ‘ecocídio’. Vou entregar um trabalho mais alentado que a Companhia das Letras vai publicar no final deste ano ou no próximo. A própria editora considera que a gente encerrou um tríptico. As três publicações (“Ideias para adiar o fim do mundo”, este traduzido para 17 idiomas, “A vida não é útil” e “Futuro ancestral”) abordaram uma questão ampla, de que homem e natureza não são coisas distintas. Os três tiveram a capacidade de se manter firmes no mesmo questionamento: somos mesmo uma humanidade, existe uma comunidade humana planetária?