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Estado de Minas LITERATURA

Machado de Assis entendeu como poucos a loucura brasileira

Remédios milagrosos e governantes abilolados são personagens dos contos 'O alienista' e 'O anjo Rafael', relançados pela Confraria dos Bibliófilos do Brasil


29/06/2021 04:00 - atualizado 29/06/2021 07:06

(foto: Ilustrações: Naura Timm/reprodução)
(foto: Ilustrações: Naura Timm/reprodução)

"('O alienista') É muito contemporâneo, porque discute a experiência de fazer política de saúde baseada em uma experimentação com as pessoas como cobaias. É uma situação que envolve o médico, o prefeito e demais autoridades"

José Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibliófilos do Brasil


A loucura da gestão de saúde dos governantes sobre a pandemia atualizou a obra de Machado de Assis. O conto “O alienista” promove a inversão de todos os valores de sanidade e loucura. Ao fim, o médico Simão Bacamarte, instalado na cidadezinha de Itajaí, chega à conclusão de que está louco e se interna no hospício.

Para celebrar seus 25 anos, a Confraria dos Bibliófilos do Brasil publica dois contos de Machado sobre o tema tão presente da loucura que nos ronda, com ilustrações da artista plástica brasiliense Naura Timm: “O alienista” e “O anjo Rafael”. As duas ficções têm prefácios assinados por John Gledson, Maria Elisane, Aluisio Ferreira e Maria Vanesse.

Se “O alienista” explora o tema da loucura institucional, “O anjo Rafael” trata da insanidade individual, em trama extremamente engenhosa. Sob o trauma da suposta traição da mulher, o major Tomás se insula em uma casa, se investe da identidade divina do anjo Rafael e envolve a bela filha Celestina no delírio.

Tudo muda quando surge o doutor Antero. “Cansado da vida, descrente dos homens, desconfiado das mulheres e aborrecido dos credores, o doutor Antero da Silva determinou um dia despedir-se do mundo”, conta Machado. Ele se salva ao se envolver em um enredo de peripécias mirabolantes.

“O anjo Rafael” mereceria entrar nas melhores antologias de ficção fantástica. Só faltou para fechar a tríade machadiana da loucura incluir o romance “Quincas Borba”, que tematiza o desvario de um misterioso emplastro capaz, supostamente, de curar qualquer mazela, levando vários personagens rumo ao manicômio. Basta substituir emplastro Brás Cubas por cloroquina para termos um quadro completo dos desmandos das autoridades charlatãs sobre a saúde pública durante a pandemia que nos assola.

“O alienista” é obra-prima da literatura brasileira e mundial, enquanto “O anjo Rafael” é um conto quase inédito de Machado. Publicado apenas três vezes, ficou esquecido nas edições das obras completas do Bruxo do Cosme Velho.

Para José Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibliófilos, “O alienista” chega em hora muito oportuna da história brasileira: “'O alienista' mostra um quadro de loucura institucionalizada”, comenta Salles. “Ele tematiza a questão do charlatanismo da mesma maneira que 'Quincas Borba'. Machado critica e zomba do emplastro Brás Cubas, o nosso cloroquinismo atual.”

MANICÔMIO 

"'O alienista' mostra um quadro de loucura institucionalizada (%u2026) Ele tematiza a questão do charlatanismo da mesma maneira que 'Quincas Borba'. Machado critica e zomba do emplastro Brás Cubas, o nosso cloroquinismo atual"

José Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibliófilos do Brasil


A atualidade de  “O alienista” decorre do fato de que, no Brasil da pandemia, temos loucos cuidando da saúde pública. “É muito contemporâneo, porque discute a experiência de fazer política de saúde baseada em uma experimentação com as pessoas como cobaias. É uma situação que envolve o médico, o prefeito e demais autoridades, que misturam saúde com interesses políticos. O protagonista prende todos e acaba trancafiando a si mesmo no manicômio”, diz o presidente da Confraria dos Bibliófilos.

Machado de Assis foi acusado, durante muito tempo, de ser autor alienado, insensível aos grandes temas da sociedade brasileira. No entanto, para José Salles Neto, “O alienista” é a prova mais cabal da sensibilidade social e da perspicácia do escritor para captar os problemas do país na ficção.

“Isso mostra a agudeza da percepção crítica de Machado”, sublinha. “Se você pega as crônicas dele, a visão crítica sobre os problemas sociais brasileiros está presente o tempo todo. Se ele estivesse vivo, teria escrito mais uns 10 livros de crônicas nada alienadas, embora ele seja sutil e irônico.”

Esse é o segundo livro sobre a obra de Machado que a Confraria publica. O primeiro foi uma coletânea de contos, com apresentação de Silviano Santiago e ilustrações de Antonio Henrique Amaral. Sempre que a entidade promove eleições para indicar livros a serem publicados, o nome de Machado figura no topo da lista. Desta vez, Salles não queria repetir uma antologia de contos. “Optei pelo tema da loucura. Não queria fazer só 'O alienista', então encontrei 'O anjo Rafael' em uma tese sobre a loucura de Machado, elaborada pela professora Maria Elisane. É um conto estranhíssimo e muito bom, só publicado três vezes.”

PUBLICAÇÕES 

A Confraria dos Bibliófilos do Brasil foi criada em Brasília por José Sales Neto, em 1996. A instituição do gênero mais famoso do Brasil, a Sociedade dos 100 Bibliófilos, fundada no Rio de Janeiro, existiu de 1949 a 1964 e publicou 25 livros. Em 25 anos, a confraria brasiliense publicou 65 obras de autores do país ilustradas por grandes artistas gráficos. É a mais importante editora de livros artesanais do Brasil.

“Que eu tenha conhecimento, a nossa confraria é a única editora que publica livros artesanais com regularidade atualmente no mundo”, comenta Salles.

A ilustradora Naura Timm criou figuras abstratas para representar personagens, cenas e situações do livro com uma linguagem que envereda pela senda do fantástico.

Com criaturas informes que parecem fios de arame retorcidos, ela ilustra trechos da narrativa com personagens masculinas e femininas, em alta voltagem dramática. É possível perceber a sintonia fina das figuras e da trama de “O alienista” e de “O anjo Rafael”.

“Fico feliz quando o texto não é de um realismo tradicional, pois isso permite interpretação mais livre do ilustrador”, afirma Salles. “Foi uma experiência apaixonante, tudo ocorreu na base do sentir”, comenta Naura. “É um livro maravilhoso, que desafia o artista”, conclui a ilustradora.

“O ALIENISTA” E “O ANJO rafael” 


De Machado de Assis
Ilustrações: Naura Timm
Confraria dos Bibliófilos do Brasil
92 páginas
E-mail: conbiblibn@yahoo.com.br


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