BH: CAPITAL DOS LIVROS

Belo Horizonte é celeiro de talentos da literatura infantil

Capital mineira reúne autores e ilustradores premiados no país e no exterior. Editoras dedicadas ao segmento infantojuvenil começaram a surgir nos anos 1970

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Monteiro Lobato (1882-1948) afirmou: “Um país se faz com homens e com livros”. É profundo – e bonito, diga-se. O escritor aplicou essa ideia à literatura para crianças, fazendo dela porta de entrada para o conhecimento. Seu legado influencia vários autores e editores brasileiros.

Belo Horizonte é polo importante de literatura infantil. Tudo começou na década de 1970, com a editora Comunicação. Depois surgiram Lê, RHJ e Compôr. Nos anos 1980, com a criação da Miguilim, houve maior atenção para publicações destinadas às crianças. “Ela chegou com muitas ousadias em termos editoriais e ganhou prêmios importantes, como o Jabuti e Fundação Nacional do Livro Infantil”, lembra o escritor Leo Cunha.

(Esta reportagem é a sétima e última parte da série especial "BH: Capital dos livros". Saiba mais no final da matéria)

 

Com 32 anos de carreira, Leo é um dos principais autores mineiros do gênero. Seu estilo, que brinca com o ritmo das frases e as rimas, já lhe rendeu o Jabuti de Autor Revelação em 1994 e os prêmios FNLIJ, Nestlé, Biblioteca Nacional, João-de-Barro e Adolfo Aizen.

“Muitas das minhas histórias vêm da infância no interior (ele é de Bocaiúva), de casos que escutava dos meus avós. Minha poesia para criança tem muita influência dos jogos de palavras, dos trocadilhos, das parlendas e cantigas de roda. Brincar com esse universo é importante dentro da minha poesia”, afirma o escritor.

O caráter lúdico dos livros infantis torna as obras atemporais e encantadoras aos olhos dos pequenos. Uma vez mordidos pelo “bichinho da leitura”, eles se tornam leitores contumazes pelo resto da vida. É o caso de Viviane Belga, cuja paixão começou com “A montanha encantada” (1945), livro da paulista Maria José Dupré (1898-1984). “Minha mãe ficava me chamando para lavar louça e eu me escondia embaixo da mesa para continuar lendo”, conta.

A paixão foi tanta que Viviane se tornou professora de língua portuguesa do ensino fundamental. “A biblioteca na escola é excelente espaço para o ensino, as crianças precisam ser incentivadas pelos professores. É o trabalho que faço. Auxilio a leitura quando eles não compreendem”, relata.

A introdução dos pequenos à literatura também deve ocorrer fora das salas de aula. É o que a psicóloga Luciana Ferraz busca fazer, dentro e fora de casa. Ela acompanhou Vitor Ferraz, seu filho, e a amiga dele, Pietra Galego, à Bitita Festa da Palavra e Primavera dos Livros, evento realizado em maio em Belo Horizonte.

As crianças revelam que por causa de eventos assim, apaixonaram-se pelos livros – “O mágico de Oz”, no caso de Vitor, e “O romance em segredo”, no caso de Pietra. Os dois planejam criar um jornal na escola. Quem sabe surjam por lá dois novos escritores?

O artista plástico, chargista, escritor e ilustrador mineiro Nelson Cruz é nome de destaque na literatura infantil brasileiro. O autor de “A máquina do poeta”, “Chica e João” e “O livro do acaso” recebeu o prêmio Jabuti seis vezes, além do francês Octogonal e do Troféu Monteiro Lobato. Foi indicado ao Hans Christian Andersen, aclamado mundialmente, em 2002, 2004 e 2012. É parceiro de Leo Cunha em muitos títulos.

“Há um ambiente espontâneo bem interessante na produção de literatura infantojuvenil em BH e, principalmente, um grupo que estuda e debate a produção nacional”, afirma Cruz. “Estamos não só produzindo literatura ilustrada, como também vários de nossos autores e autoras têm reconhecimento nacional. No entanto, ainda estamos distantes de ter um ecossistema mineiro forte, com autores de imagens, mediadores e editoras. A opção de ficar entre as montanhas mineiras é uma escolha física”, observa.

 

Nelson é casado com Marilda Castanha. O casal lançou títulos bilíngues de texto e imagem, como “Leonardo” (1998) e “Chica e João” (2000). Também adaptou histórias de personagens mineiros, como “Dirceu e Marília” (1999), “Mestre Lisboa, o Aleijadinho” (2008) e “Bárbara e Alvarenga” (2023).

“Nasci em Minas e assimilei nossa cultura e nossa história. O jeito aparentemente alheio e ensimesmado de ser é nossa sina. Mas somos afetivos e acolhedores em nossos grupos”, diz Nelson.

“De certa forma, estou bem com a escolha que fiz de morar em São Paulo para entender o que era o mercado de artista e fiquei muito mais em paz por ter voltado. Estar entre os meus me pacifica a alma. Por outro lado, estar em Minas me ajuda a obter essa ‘força mineral’ criadora”, brinca.

Porém, há uma lacuna no mercado, relativa à publicação de autores negros em Minas. A escritora Madu Costa diz que a produção de literatura infantojuvenil está “muito devagar” na capital mineira. “Não saí de Belo Horizonte antes porque sou professora, agora estou aposentada. Então, uni a docência com minha produção literária. Só consegui publicar meu primeiro livro aos 48 anos. Quem abriu as portas para mim foi a Maria Mazarello, da Mazza Edições. Só a partir de 2000 consegui entrar no mercado editorial de Belo Horizonte com o recorte étnico-racial negro”, afirma.

Os autores entrevistados nesta série criticam outra lacuna: a redução de prêmios e concursos no segmento infantojuvenil. O João-de-Barro, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte desde 1974, é uma das premiações mais longevas do país. “Porém, nos últimos anos, ele não vem tendo a mesma regularidade e o peso que tinha”, diz Leo Cunha. “O Prêmio Guimarães Rosa, que era do estado, desapareceu há mais de uma década”, lamenta.

 Outro desafio enfrentado pelas editoras de literatura infantil é a censura, que resulta em constantes proibições de livros nas salas de aula e bibliotecas escolares, conforme relata Rosana Mont'Alverne, fundadora da Aletria. Ela cita como exemplo o caso do livro “O Menino Marrom”, de Ziraldo (1932–2024).

A obra foi distribuída nos kits escolares de Conselheiro Lafaiete, na Região Central do estado, mas foi censurada pela prefeitura após reclamações de um grupo de pais. O livro só voltou a ser usado nas salas de aula do município após decisão da Justiça de Minas Gerais

"Quando a gente precisa entregar para a Justiça alguma coisa da literatura, eu acho que isso é um grande retrocesso. Mas não há outro jeito", desabafa Rosana.

BH: Capital dos livros

Esta reportagem faz parte da série "BH: Capital dos livros", na qual o Estado de Minas apresentou um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.

Ao longo desta semana, autoras, editoras, livreiros e produtores culturais, guardiões dos livros, leitores e artistas da literatura infantil tiveram destaque nas páginas do EM. O especial também contou com entrevistas em vídeo com alguns dos nomes que formam esse fervoroso cenário literário. Confira abaixo as matérias anteriores.

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Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos que movimentam a cena literária de BH

Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores

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Parte 6: Belo Horizonte: cenário de inúmeras histórias

Parte 7: Belo Horizonte é celeiro de talentos da literatura infantil 

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