Patrícia Lorete

Patrícia Lorete tem atrofia muscular espinhal desde os 6 anos. Hoje, ela conscientiza as pessoas sobre estereótipos e preconceito

Arquivo pessoal/Divulgação

Capacitismo é o termo usado para formas discriminatórias contra pessoa com deficiência, nas quais têm sua existência relacionada à incapacidade e inferioridade. Sendo um problema estrutural, comumente essas pessoas sofrem com o preconceito, falta de acessibilidade, representações desrespeitosas e são motivo de piada. Buscar informação sobre o assunto e apoiar a causa contra essas atitudes segue sendo a melhor maneira de aprender e desconstruir pensamentos preconceituosos que permeiam a sociedade.

Com mais de 20 mil seguidores no Instagram, Patrícia Lorete, de 42 anos, aborda temas relacionados a pessoas com deficiência, como o capacitismo, a inclusão, acessibilidade, mercado de trabalho e outros, na página @Janeladapatty. Diagnosticada aos 6 anos com atrofia muscular espinhal (AME) tipo II, a niteroiense (RJ) formada em gestão de recursos humanos e pós-graduada em saúde mental e atenção psicossocial usa a rede social para conscientizar as pessoas sobre comportamentos que perpetuam o estereótipo e a exclusão social das PCDs. 

Desconstrução 

A iniciativa se une às consultorias e vistorias técnicas realizadas por Patrícia, que, ao perder o Benefício de Prestação Continuada (BPC), em 2020, ficou sem a renda de um salário mínimo que recebia desde os 16 anos. “Sem essa renda, minha mãe, que recebe pensão por morte, ficaria sobrecarregada financeiramente. Foi então que lembrei da fala do meu professor de marketing que dizia: ‘Crise é o momento no qual alguns choram e outros vendem lenços’. Analisei a situação e percebi que eu tinha experiência vivencial e informação de qualidade sobre a temática da deficiência e um Instagram com bom engajamento, no qual chegavam vários convites para lives e palestras”, conta. Hoje, palestrante e consultora em capacitismo, Patrícia precisou se tornar Microempreendedora Individual (MEI) para dar nota fiscal às empresas e clientes.
Nem sempre as marcas e empresas com iniciativas inclusivas, que visam a representatividade, põem realmente a teoria em prática. A consultora relata que já foi contratada para um evento focado em discutir a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho em um local que não era apropriado para receber o público. “Era por uma porta lateral que estava no meio de uma ladeira extremamente íngreme e me pareceu que a rampa tinha sido construída um dia antes, pela cor do cimento. Precisei de três pessoas para me ajudar a desembarcar do carro adaptado, que mal conseguiu descer sua rampa devido à inclinação. Quando vi aquilo, quase voltei pra casa”, explica. 

Além disso, a falta de representatividade e diversidade nas mesas de conversa e palestras era evidente, sendo dominadas por homens brancos. “No fim do evento, chamei quem me contratou e expliquei como aquilo tudo estava errado e ofereci meu trabalho de assessoria para um próximo evento, mas não fui contratada” , relembra.

Segundo dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), voltada para PCD’s, a população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões, correspondendo a cerca de 9% do total. 

Os números expressam a quantidade de pessoas que sofrem com a falta de lugares acessíveis, como rampas, elevadores, banheiros adaptados em locais públicos, além de enfrentarem calçadas esburacadas e transporte público sem acessibilidade. “Essas barreiras limitam a independência, a autonomia e, consequentemente, a inclusão social”, diz Patrícia, que disponibiliza o serviço de vistoria, em que vai presencialmente ao local para fiscalizar se o ambiente é acessível.

Rede de apoio e motivação 

Nascida em 1995, época em que havia pouca informação sobre a atrofia muscular espinhal (AME), Natália Luiza Barnabé, hoje com 28 anos, teve o diagnóstico de AME tipo II confirmado com 1 ano de idade. Desde então, sempre conviveu com as condições e limitações geradas pela doença. Tendo seus pais e amigos como rede de apoio, a psicóloga e psicanalista sempre recebeu incentivo e motivação para se esforçar, ainda mais, para conquistar o que tinha como objetivo: transformar sua condição em algo natural e orgânico em sua existência.  

Natália Barnabé

Natália Barnabé convive com a AME tipo II desde 1 ano, e aprendeu a lidar com a doença de forma natural e orgânica

Arquivo Pessoal/Divulgação
Mesmo que em menor frequência, Natália se une a criadoras de conteúdo como Patrícia Lorete, Ana Clara Moniz e Marina Melo Abreu, para dividir experiências profissionais e pessoais como mulheres com deficiência; além de abordarem temas informativos sobre a AME e suas formações profissionais, nas páginas do Instagram. 

Natália divide a rotina entre atuar na análise clínica, nas modalidades on-line e presencial em um consultório montado; se cuidar diariamente; e desenvolver seus hobbies, os quais ela compartilha na rede social. Leitora assídua desde o início da adolescência, ela descobriu na literatura uma forma de aprender e de experienciar outras realidades, culturas e vivências. Soma-se a paixão por livros, a música e os filmes – responsáveis por moldar sua personalidade e capazes de ampliar visões e opiniões sobre o mundo, bem como a possibilidade de ser levada a lugares fantásticos, que segundo ela, na maioria das vezes, são melhores que a realidade.  

Saúde mental

Quando perguntada sobre uma inspiração, Natália cita sua mãe: “Sem ela, eu não seria quem eu sou – inclusive, estou aqui falando sobre tudo isso, por causa dela”. Em segundo lugar, ela se diz fã da artista Selena Gomez, que também tem uma deficiência imunológica e fala sobre isso abertamente. “A cantora apoia causas direcionadas à promoção da saúde mental, pauta muito importante para mim, pessoalmente e profissionalmente.”  

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Em relação à presença de diversidade e representatividade nas mídias, a psicóloga acredita que a ausência desses elementos ainda é muito frequente – e quando se trata sobre realidade, é necessário pautar PCD’s sem preconceitos e estereótipos. Ainda mais, quando, segundo ela, o Brasil segue sendo um dos países que menos avançaram em inclusão, acessibilidade e transformações que possibilitam uma real abertura de desenvolvimento e crescimento nessa área. 

Entenda a doença 

O termo amiotrofia espinhal progressiva foi usado pela primeira vez pelo neurologista alemão Johann Hoffmann, em 1893. O tipo infantil da AME foi descrito pelo neurologista austríaco Guido Werdnig em 1891. O tipo juvenil da AME (III) recebeu o nome dos neurologistas suecos Lisa Welander e Erik Kugelberg, que diferenciaram a doença das distrofias musculares, em 1956.

Cápsula do conhecimento 

Patrícia Lorete dá dicas de palavras e atitudes segregacionistas que perpetuam o preconceito, adotadas incorretamente no cotidiano e que devem ser evitadas:

• “Você é tão corajoso por fazer isso, mesmo com sua deficiência”
• “Você não tem cara de deficiente”
• “Te vejo como uma pessoa normal”
• “Você é inspirador por superar suas limitações”
• Perguntar sobre a PCD para quem está acompanhando
• Não tratar a pessoa com deficiência como uma criança, mas sim, um adulta 
• Não ficar encarando a PCD na rua
•Não fazer perguntas íntimas sem ter intimidade
• Não usar termos como aleijado, deficiente, especial, inválido
• Respeitar os espaços das pessoas com deficiência (banheiro adaptado, vaga de estacionamento, assento preferencial...)

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.