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Estado de Minas SEXUALIDADE

'Só o sim é sim': por que lei de consentimento sexual causa polêmica na Espanha

Recém-aprovada, Lei da Liberdade Sexual exige consentimento claro antes de toda interação sexual, o que causou críticas em alguns setores


29/08/2022 07:43 - atualizado 29/08/2022 09:36

Mulher durante manifestação
(foto: Getty Images)

O nome oficial é Lei da Garantia Integral da Liberdade Sexual, embora seja mais conhecida apenas como como Lei da Liberdade Sexual e, sobretudo, como Lei do "só o sim é sim".


Ela foi aprovada na quinta-feira (25/8) pelo Congresso dos Deputados na Espanha, após mais de um ano de burocracia.

Foram 205 votos a favor e 141 contra.


Após ser assinada pelo rei, será registrada no Diário Oficial do Estado e provavelmente entrará em vigor em questão de semanas.


A coalizão de esquerda que governa a Espanha garante que é uma das leis mais vanguardistas do mundo em favor dos direitos das mulheres.




Seus críticos, no entanto, acreditam que ela viola a presunção de inocência e igualdade perante a lei.


Abaixo, entenda os pontos principais da Lei da Liberdade Sexual.

A sua origem

A lei tem suas raízes no polêmico caso "La Manada".

 

Esse era o nome do grupo de WhatsApp em que interagiam os cinco homens que estupraram uma jovem de 18 anos durante as festividades de San Fermín em Pamplona, na Espanha, em 2016.


José Ángel Prenda
José Ángel Prenda é talvez o membro mais conhecido da "Manada", cujo julgamento foi um dos mais mediáticos da história de Espanha. (foto: Getty Images)

A justiça espanhola os condenou somente por abuso sexual por entender que não houve violência ou intimidação, mas depois isso foi retificado e a Suprema Corte acabou elevando as penas de 9 para 15 anos de prisão por estupro.

 

O que diz a lei sobre estupro no Brasil?

De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213, na redação dada pela Lei  2.015, de 2009, estupro é ''constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.''

No artigo 215 consta a violação sexual mediante fraude. Isso significa ''ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima''  

O que é assédio sexual?

artigo 216-A do Código Penal Brasileiro diz o que é o assédio sexual: ''Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.''

Leia também: Cidade feminista: mulheres relatam violência imposta pelos espaços urbanos

O que é estupro contra vulnerável?

O crime de estupro contra vulnerável está previsto no artigo 217-A. O texto veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos.

No parágrafo 1º do mesmo artigo, a condição de vulnerável é entendida para as pessoas que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, devido a enfermidade ou deficiência mental, ou que por algum motivo não possam se defender.

Penas pelos crimes contra a liberdade sexual

A pena para quem comete o crime de estupro pode variar de seis a 10 anos de prisão. No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se o crime resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.

A pena por violação sexual mediante fraude é de reclusão de dois a seis anos. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

No caso do crime de assédio sexual, a pena prevista na legislação brasileira é de detenção de um a dois anos.

O que é a cultura do estupro?

O termo cultura do estupro tem sido usado desde os anos 1970 nos Estados Unidos, mas ganhou destaque no Brasil em 2016, após a repercussão de um estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro. Relativizar, silenciar ou culpar a vítima são comportamentos típicos da cultura do estupro. Entenda.

Como denunciar violência contra mulheres?

  • Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
  • Em casos de emergêncialigue 190.
 

 

O caso gerou manifestações em todo o país e a exigência da sociedade espanhola de reformar as leis para proteger as mulheres de agressões sexuais e endurecer as punições para quem as comete.

 

O atual governo espanhol, declarado abertamente feminista, começou então a desenhar a nova lei, que implica mudanças importantes no tratamento dos crimes sexuais e no atendimento às vítimas.

O consentimento

"Só o sim é sim" refere-se ao mais importante e também o mais polêmico dos postulados dessa lei: o consentimento antes de qualquer interação sexual.

 

"Só se entenderá que há consentimento quando este tiver sido livremente expresso por meio de atos que, diante das circunstâncias do caso, expressem claramente a vontade da pessoa", afirma o texto da Lei.

 

Assim, as condutas sexuais sem consentimento serão consideradas agressões e serão punidas com penas diferentes, dependendo das circunstâncias e dos agravantes do caso.

 

Isso pressupõe que uma agressão sexual não implique necessariamente o uso da força ou que a vítima tenha tentado resistir, pois, por exemplo, sua passividade pode ser condicionada pela intimidação ou pela ingestão de álcool ou outras substâncias.

"Nenhuma mulher terá que provar que houve violência ou intimidação em uma agressão para que seja considerada uma agressão. Reconhecemos todas as agressões como violências machistas", disse à imprensa a ministra espanhola da Igualdade, Irene Montero.


Irene Montero, ministra de Igualdade da Espanha
Irene Montero, a ministra da Igualdade, é conhecida pelas causas feministas que defende (foto: Getty Images)

Mudanças nos termos

A nova lei remove a atual distinção entre abuso sexual e agressão sexual.

 

Assim, qualquer interação sexual sem o consentimento da outra pessoa será uma agressão e será punida com pena de 1 a 4 anos de prisão.

 

Também há um agravante por submissão química.

 

Isso significa que usar remédios ou drogas para diminuir ou anular a vontade da vítima, algo que é considerado abuso até agora, se tornará agressão.


Mulheres participam de manifestação nas ruas
(foto: Europa Press News)

Assassinatos, assédio nas ruas e mais

Sobre homicídios por violência sexual, a nova lei busca diferenciar o homicídio de mulheres vinculado à violência sexual de outros tipos de crimes com morte.

 

O "feminicídio sexual" será considerado "a mais grave violação dos direitos humanos ligada à violência sexual, que deve ter visibilidade e à qual deve ser dada uma resposta específica".

 

O que é feminicídio?

Feminicídio é o nome dado ao assassinato de mulheres por causa do gênero. Ou seja, elas são mortas por serem do sexo feminino. O Brasil é um dos países em que mais se matam mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

A tipificação do crime de feminicídio é recente no Brasil. A Lei do Feminicídio (Lei 13.104) entrou em vigor em 9 de março de 2015.

Entretanto, o feminicídio é o nível mais alto da violência doméstica. É um crime de ódio, o desfecho trágico de um relacionamento abusivo.

O que diz a Lei do Feminicídio?

Art. 121, parágrafo 2º, inciso VI
"Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher."

Qual a pena por feminicídio?

Segundo a 13.104, de 2015, "a pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima."

Como denunciar violência contra mulheres?

  • Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
  • Em casos de emergência, ligue 190.

Leia mais:

 

 

O assédio na rua passa a ser punido como um delito leve e a justiça pode aplicar sanções a quem praticar isso, caso a vítima denuncie o caso.


Homem se aproxima de forma inconveniente de mulher na rua
O assédio na rua passa a ser punido, segundo medida que ficou conhecida como "só o sim é sim" (foto: Getty Images)

Este tipo de atitude será punido com 5 a 30 dias de prisão domiciliar, trabalho comunitário durante o mesmo período ou multa.

 

A violência sexual digital, que se refere à extorsão sexual por meio de redes ou pornografia não consensual, também será processada.

 

Também prevê a proibição da publicidade pornográfica, que consiste em vetar propagandas que apresentem uma imagem humilhante ou discriminatória de mulheres usando seu corpo ou partes dele, ou associadas a comportamentos estereotipados e considerados ofensivos.


Mulher em uma janela
Imagens como esta podem ser censuradas na publicidade, segundo nova Lei (foto: Getty Images)

Esse ponto servirá também para proibir anúncios que promovam a prostituição ou que possam ser considerados racistas, homofóbicos ou discriminatórios.

Apoio às vítimas e educação sexual

Para as vítimas de agressão sexual que ganham menos do que o salário mínimo local (atualmente 14.000 euros por ano, cerca de R$ 70 mil ao ano), a lei prevê ajuda financeira generosa e acesso prioritário à habitação pública.

 

Também planeja estabelecer pelo menos 50 centros de crise 24 horas em toda a Espanha, onde vítimas, familiares e amigos próximos possam receber assistência psicológica, jurídica e social.

 

Atualmente já existem dois - um em Madrid e outro nas Astúrias, no norte do país - e o governo espanhol já destinou 66 milhões de euros (aproximadamente R$ 330 milhões) a esse projeto.

 

Com a nova Lei da Liberdade Sexual, a educação sexual será obrigatória em todas as etapas do ensino, bem como nas carreiras universitárias ligadas ao ensino, à saúde e ao judiciário.

 

Além disso, os criminosos sexuais também terão de receber educação sexual de modo obrigatório.

As críticas à Lei

Desde que começou a ser discutida, há mais de um ano, a lei tem recebido críticas da direita, assim como de juízes e de parte da sociedade por meio das redes.

Os 21 magistrados do Conselho Geral da Magistratura (CGPJ), órgão da justiça espanhola, aprovaram por unanimidade um relatório em 2021 que questionava aspectos fundamentais da lei.

Os juízes consideraram que o princípio da presunção de inocência pode estar em perigo: definir o que é o consentimento - em vez do que não é - obriga o acusado a demonstrar que a vítima disse "sim" antes do encontro sexual.

Essa é a mesma preocupação expressa pelo principal partido da oposição, o Partido Popular (PP), que votou contra no Congresso.

Enquanto isso, o partido de extrema-direita Vox considera a lei "ideológica e sectária" e acredita que ela "abre a porta para o uso de falsas acusações" para obter benefícios, como a regularização no caso de imigrantes ilegais.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62703308

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