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Estado de Minas #PRAENTENDER

Vídeo: entenda como a cultura da pedofilia está presente na sociedade

Psicóloga, cientista social e comunicóloga explicam como a cultura da pedofilia está nos detalhes, ora implícitos, ora explícitos


01/12/2020 12:26 - atualizado 27/12/2020 14:12


“Sempre me coloquei numas relações meio abusivas e, quando eu tinha 14 pra 15 anos, conheci uma pessoa. Eu tinha medo dele. Ele era autoritário comigo, falava de forma autoritária. Não sei, eu era diferente quando era adolescente, não era do jeito que sou hoje em dia. Ele estava muito nervoso, muito estressado, e eu estava com bastante medo das reações dele quando ele estava estressado. Acabei perguntando se ele queria ir pra um lugar só nós dois. Rapidamente o estresse dele parou e ele perguntou se eu tinha certeza. Falei que sim. Mas hoje tenho plena certeza que eu falei sim porque eu estava morrendo de medo do estresse dele.”

Esse relato da cantora e empresária Anitta no documentário “Anitta Made in Honório”, lançado na Netflix em dezembro, revela estupro que ela sofreu aos 14 anos. A recordação de Anitta é um exemplo de como a cultura da violência contra as mulheres se revelam desde cedo.

 

A pedofilia é uma doença classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde os anos 1960. Segundo o Código Penal brasileiro, é crime abusar sexualmente de menores de 14 anos e consumir e distribuir pornografia infantil. Abusar sexualmente de uma criança é abominável, um crime indefensável. Mas será que a pedofilia é algo tão inaceitável assim pela sociedade? Nesta terceira reportagem da série Violências do canal #PRAENTENDER, do Estado de Minas, consultamos especialistas para entender como a cultura da pedofilia está muito presente em nosso cotidiano.

 

O Disque 100, serviço do Governo Federal que recebe denúncias contra violação dos direitos humanos, recebeu em 2019 mais de 17 mil notificações de violência contra crianças e adolescentes. Entre as denúncias, 82% das vítimas eram do sexo feminino e 87% dos abusadores eram homens. A maioria dos casos (52%) ocorreu dentro de casa. Mas, assim como ocorre com outros crimes, muitos nem chegam a ser denunciados.

"Enxergo a pedofilia como a raiz da exploração feminina. Então nós temos que proteger as crianças para proteger as mulheres. Se você não protege as crianças, as mulheres do futuro não serão protegidas"

Ruana Castro, integrante do coletivo antipedofilia Sangra Coletiva

O que diz a lei

A pedofilia em si não é crime, pois é um quadro de psicopatologia, com critérios diagnósticos, e o indivíduo pode nunca chegar a cometer nenhum crime por controlar seus impulsos sexuais. Por crimes ou violências sexuais contra crianças e adolescentes compreende-se o abuso sexual, estupro, exploração sexual, exploração sexual no turismo, assédio sexual pela internet e pornografia infantil.

 

“Enxergo a pedofilia como a raiz da exploração feminina. Então nós temos que proteger as crianças para proteger as mulheres. Se você não protege as crianças, as mulheres do futuro não serão protegidas. As crianças, principalmente as meninas que são as maiores vítimas de exploração sexual, sofrem uma série de abusos que vão levá-las a normatizar as violências, das físicas às sexuais. Elas são socializadas nessas violências. Aprendem por meio da educação”, diz a integrante do coletivo feminista antipedofilia Sangra Coletiva, Ruana Castro. Ou seja, a cultura da peodiflia é a aceitação e até exaltação do abuso e da erotização de crianças.

“A gente cresce com a ideia de que o pedófilo é um doente que se esconde em um terreno baldio e que ataca crianças. Mas, as estatísticas sobre estupro e violência dizem o contrário: os abusos ocorrem em casa. Será que são tantos homens doentes que se escondem em um terreno baldio ou será que é algo permitido e exaltado socialmente?”, questiona a comunicóloga Clara Fagundes.

 

Infância negada pela imagem

“As meninas amadurecem mais rápido”. Será que amadurecem mesmo? Ou elas são expostas ao suposto amadurecimento? É cada vez mais comum se deparar com crianças se portando precocemente como adolescentes. Esse é o processo que os especialistas nomeiam como “adultização” da criança. A atriz Millie Bobby Brown, conhecida pelo papel de Eleven na série Stranger Things, da Netflix, exemplifica esse processo.

Na foto, Millie Bobby Brown, atriz da série Stranger Things
Na foto, Millie Bobby Brown, atriz da série Stranger Things (foto: Reprodução/ Internet )

Desde os 14 anos, a jovem passou a usar cabelos compridos, maquiagem carregada, além de alguns looks com salto alto. A discussão, que já existia, foi intensificada quando a revista W Magazine colocou na capa o nome da atriz abaixo da chamada: “Por que a TV está mais sexy que nunca”. Isso não é culpa da atriz. Inclusive, isso é algo que ocorre com mais frequência do que reparamos. Foi assim com Britney Spears, Emma Watson e com Larissa Manoela.

Garotas estão expostas ao padrão de beleza desde muito novas. Pesquisa feita pela organização australiana Pretty Foundation revelou que 38% das meninas de 4 anos não estão satisfeitas com seus corpos. E 34% de garotas de 5 anos pretendem fazer dieta. Os concursos de beleza já levantam diversas problemáticas ao avaliar o corpo como seu maior requisito para as mulheres, mas a questão se torna ainda mais preocupante quando envolve crianças. Os concursos de beleza infantis tiveram início na década de 1960 nos Estados Unidos. Mas, até o ano passado, havia concursos infantis ocorrendo no Brasil.

E essa adultização não vem apenas na forma de se portar. Mas, na forma em que desde cedo as crianças enxergam como as mulheres são representadas pela indústria dos brinquedos. A Bratz é uma boneca muito famosa no mundo e exemplifica bem a boneca “sexy”. Ela se veste com roupas curtas, meia arrastão e maquiagem carregada.

 

Em protesto contra a sexualização excessiva que alguns brinquedos propõem, a artista australiana Sonia Singh decidiu remover toda a maquiagem presente em bonecas Bratz de segunda mão e mostrou a feição natural que elas têm. O projeto, chamado Tree Change Dolls, troca a aparência “sexy beleza padrão” que essas bonecas buscam ter por algo mais realista, que faça parte do dia a dia da criança.

 

Diferença entre gêneros

A lógica com as mulheres adultas ocorre ao contrário. Quando o assunto é idade, há formas comuns e sutis de forçar uma jovialidade feminina e, consequentemente, penalizar o envelhecimento, que é algo natural. A indústria vende que ser bela é ser uma mulher sem pelos, bochechas rosadas, pele lisa como a de um bebê. “A cultura da peodifilia propaga o terror do envelhecimento feminino.

Cena da animação Branca de Neve, da Disney
Cena da animação Branca de Neve, da Disney (foto: Reprodução/Internet)

A mulher mais velha é uma bruxa, ela tem que ser voltada para rejuvenescimento”, diz a comunicóloga Clara Faguntes. Os exemplos vão desde a bruxa de Encantada até a da Branca de Neve, que fica com inveja da mulher mais jovem e mais bonita.

 

“A estética hoje é uma estética pedófila. O corpo das mulheres tem que ser um corpo infantil, sem pelos, um corpo que vai ser maquiado como corpo infantil. Irão ter um comportamento infantilizado, com roupas curtas, apertadas, justas. E as crianças serão vítimas dessa pedofilia justamente porque toda a sexualidade masculina é voltada para gostar de crianças e mulheres infantilizadas. Não é gostar de uma mulher adulta”, diz Ruana Castro, da Sangra Coletiva.

 

Ou seja, a mulher considerada “sexy” é a uma mulher inofensiva, jovem e até infantil. Muitas vezes essa mulher aparece usando roupas infantis como, por exemplo, roupas de colegial. Juliana Caetano tem 22 anos, vocalista do Bonde do Forró, chama a atenção nas redes sociais devido a hipersexualização e os trajes infantis. E, mais uma vez, a culpa não é da mulher. Mas, da forma em que a sociedade enxerga a figura feminina.

 

Romantização dentro da cultura pop

“Ele não é o pedofilo que se esconde no terreno baldio, mas acha extremamente normal um homem de 40 anos com uma menina de 17”, questiona Clara Fagundes. Essa é uma representação muito comum dos filmes mais famosos de Hollywood às novelas brasileiras. E todos esses homens, apesar de mais velhos, são representados como galã. “E, na grande parte das vezes, para não ficar tão descarado, é a mulher que se interessa. É a mulher que seduz e o homem não consegue se controlar”, analisa Clara.

Personagens a animação Sailor Moon: infantilização e erotização de mulheres é recorrente em desenhos japoneses
Personagens a animação Sailor Moon: infantilização e erotização de mulheres é recorrente em desenhos japoneses (foto: Reprodução/Internet)

Os animes e mangás são os grandes representantes da cultura pop japonesa no Brasil. É muito comum que mulheres em cenas de ação permaneçam focadas na estética, com salto alto, roupas justas e decotadas, cabelos bem arrumados, acessórios e maquiagem. Ver uma criança adultizada ou uma mulher exageradamente “sensual”, ou seja, objetificada, pode mudar o jeito de enxergar a mulher em sociedade.

 

Não por acaso “teen” e “hentai” são algumas das buscas mais procuradas nos sites de pornografia. “Essas são as grandes pesquisas no mundo. Mas também temos busca de ninfeta, novinha, quase ilegal, chave de cadeia. São várias pesquisas que demonstram esse desejo pela mulher que não é mulher ainda”, afirma Clara.

"A gente cresce com a ideia de que o pedófilo é um doente que se esconde em um terreno baldio e que ataca crianças. Mas as estatísticas dizem o contrário: os abusos ocorrem em casa"

Clara Fagundes, comunicóloga

Da ficção para a realidade, no Japão esse desejo pode ser explorado em “Maid Cafes”, onde as funcionárias vestem-se com uniformes de empregada, muitas vezes vestidas de colegial, e tratam seus clientes como “mestres” de uma mansão. Foi apenas em 2014 que o governo do Japão decretou uma lei que proíbe e penaliza a posse de fotos e vídeos abusivos de menores.

 

Para denunciar

Ligue 100 - em casos de violência contra crianças, adolescentes ou vulneráveis.
Ligue 180 - para os demais casos
Ligue 190 - para urgência


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