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Estado de Minas AMEAÇA AOS DIREITOS DA POPULAÇÂO TRANS

Abaixo-assinado chama atenção para saúde de adolescentes transgêneros

Grupo está preocupado com a possibilidade do atendimento a estes jovens ser suspenso


29/12/2020 18:17 - atualizado 29/12/2020 19:00

O ambulatório do HIJPII que as quartas-feiras faz atendimento de adolescentes transexuais(foto: Reprodução Secretaria de Saúde de Minas Gerais)
O ambulatório do HIJPII que as quartas-feiras faz atendimento de adolescentes transexuais (foto: Reprodução Secretaria de Saúde de Minas Gerais)
Um abaixo-assinado que circula nas redes sociais alerta para a suspensão do atendimento de adolescentes transgêneros no Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII), da Rede Fhemig (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais). 

O Ambulatório de Saúde do Adolescente do Hospital atende desde o mês de maio deste ano, às quartas-feiras, das 13h30 às 18h, jovens que pertencem a este grupo de pessoas excluídas socialmente. A unidade conta com uma equipe multiprofissional para acolhê-los

Contudo, de acordo com o abaixo-assinado, “na última semana, os profissionais do ambulatório foram notificados por um dos usuários que a página https://fhemig.mg.gov.br/sala-de-imprensa/noticias-sala-imprensa/1904-hijpii-abre-ambulatorio-destinado-ao-atendimento-de-adolescentes-trans não se encontrava mais acessível, o que representa um risco para os avanços na promoção de saúde igualitária para essa população”. 
 
 
Ainda segundo o texto, “estamos sofrendo ataques de forma velada pela parcela conservadora que compõem o campo da área da saúde, correndo o risco de não serem mais ofertadas consultas a partir do ano de 2021 para essa população que durante séculos foi marginalizada e teve seus direitos negados”.

O documento foi criado por Ianca Fernandes Vieira da Silva, aluna do 9° período de Psicologia na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Ela faz parte do Centro Acadêmico de Psicologia Valenir Machado (CaPsiVam) e é diretora da Liga Acadêmica de Psicanálise (LAPSI). Além dela, Isabela Silva Oliveira, também estudante do 9° período de Psicologia, membro da diretoria da LAPSI e outros alunos da liga estão à frente da iniciativa.  

A liga é um grupo formado por cerca de 20 alunos, com aulas mensais para discutir temas e projetos de extensão de impacto social.

“A gente recebeu esse ano, o convite do ambulatório para fazer uma parceria de extensão, para podermos atender no ambulatório. Só que devido à pandemia e algumas questões burocráticas para colocar o projeto em funcionamento, isso foi ficando um pouco adiado. Agora no final do ano acabamos tendo pouca adesão e decidimos deixar para o início do próximo ano, acreditando que o grupo teria um pouco mais de sentido”, diz Ianca. 

Ela conta que na manhã desta terça-feira (29/12) recebeu a notícia de que o link da Fhemig que estava vinculado ao Ambulatório de Saúde do Adolescente Trans tinha saído do ar. “No momento que a gente recebeu essa notícia, ficamos muito preocupados. É uma parceria a que nós nos dedicamos bastante, para escrever o projeto. Participamos de aulas do Núcleo do ambulatório, com aulas mensais, discutindo várias questões que perpassam a vida dos adolescentes trans. Era algo que a gente estava acreditando muito”. 

A estudante explica que quando ficou sabendo do problema com o link, ela e outros membros da liga decidiram que precisavam tomar alguma atitude. “Enquanto cidadãos e profissionais que vão atuar nesse sistema, a gente não pode ver isso e não fazer nada. Decidimos fazer o abaixo-assinado para poder falar com as pessoas sobre o que estava acontecendo e chamar atenção para isso, que pode vir a ser mais um desmonte”. 

Segundo ela, os membros da liga estavam felizes com essa nova parceria no ambulatório. “A gente estava contente de ter conseguido algo que é tão importante e uma temática que às vezes é silenciada”. 

Atenção para situação das pessoas trans

O objetivo do abaixo-assinado é chamar atenção das pessoas para a situação de vulnerabilidade desses adolescentes trans. “Já estamos vendo tantos desmontes na área da saúde mental. Não me surpreenderia deles tentarem acabar com uma iniciativa importante, levando em conta toda a questão social. A população trans sempre esteve marginalizada, eles nunca tiveram oportunidades. É a população que mais morre no nosso país”. 

Para a estudante, pessoas trans devem ter direito a um atendimento de qualidade. “Muitas vezes os profissionais não estão preparados, não conseguem lidar com a demanda. Dentro do ambulatório era uma oportunidade deles terem um atendimento multiprofissional. Além do atendimento clínico, com profissionais preparados, precisamos ofertar um atendimento de qualidade.” 

Ela acredita que o grande problema desse projeto é a população que ele atende. “A tentativa de silenciamento é realmente por uma parte do conselho e da Assembleia que é muito conservadora e que não acredita que essas temáticas devam ser discutidas. Isso é acesso à informação de qualidade para que o adolescente consiga decidir de fato que caminho ele quer tomar, sem esse olhar preconceituoso. A gente não pode fazer essas escolhas pelo outro. Para mim é realmente um boicote por preconceito”, finaliza.  

Gláucia Mara Caetano Ferreira é mãe de um adolescente de 15 anos atendido no ambulatório e conta como é o atendimento.

“É um serviço novo e tem uns 4 meses que nós estamos indo lá. No dia da consulta passamos a tarde inteira lá. Tem consulta com endocrinologista, com pediatra, com psiquiatra, assistente social, terapeuta, psicóloga. É uma equipe grande. O profissional conversa com o adolescente sozinho, conversa comigo sozinha e depois com os dois. O atendimento é muito bom lá”. 

Segundo ela, na última consulta feita no dia 23 de dezembro, o clima no local estava um pouco tenso. Durante o atendimento, um dos profissionais contou ao jovem sobre a incerteza da continuidade do tratamento. “Ninguém me falou diretamente, mas vi algumas pessoas comentando. No grupo de mães também estavam dando informações e mandando o abaixo-assinado”, diz. 

Sobre a possibilidade do ambulatório não atender mais aos adolescentes trans, a partir do ano que vem, Gláucia é categórica. 

“É bem ruim. Não temos mais a quem recorrer. Os profissionais do projeto são preparados para lidar com esse tipo de situação. O endocrinologista está preparado para lidar com a situação de terapia hormonal, mudanças no corpo. Não é a mesma coisa de ir a um endocrinologista comum. O mesmo com o psiquiatra que tem toda uma abordagem voltada para essas questões”. 

Para ela, sem o atendimento os jovens vão ficar sem rumo. “Muitos adolescentes vão sozinhos porque nem a família os apoia. Eles têm um porto seguro ali. São tratados pelo nome social e a equipe toda tem um carinho muito grande por eles. O que vai ser deles?”, questiona.   

Mães pela Liberdade 

Gláucia faz parte também do movimento Mães pela Liberdade. É um coletivo de pais e mães da população lgbtqia+, que luta pelo direito de cidadania de suas filhas, filhos e filhes. É um movimento que acolhe famílias para que o diálogo e afeto sejam fortalecidos. 

O objetivo é desconstruir o preconceito e a intolerância que mata sonhos, projetos e corpos,  levando informação e resgatando a dignidade da população lgbtqia . 

De acordo com o Boletim 2/2020 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil apresenta, pela segunda vez consecutiva, um aumento no número de assassinatos de pessoas trans em relação a 2019, sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. 

Funcionamento normal

Em nota, a Fhemig informa que o Hospital Infantil João Paulo II possui o Ambulatório do Adolescente – serviço que conta com equipe multiprofissional especializada para a assistência a essa faixa etária e que, inclusive, está apto a realizar abordagem clínica de pacientes com demanda transgênero.

Para que seja criado um ambulatório especializado no atendimento a adolescentes trans, é necessária a habilitação do serviço pelo Ministério da Saúde e, até o momento, não há portaria que determine critérios para a habilitação de um serviço voltado exclusivamente para esse paciente.

A Fhemig se mantém atenta às novas políticas públicas que possam definir uma habilitação no futuro e reafirma que o serviço realizado no Ambulatório do Adolescente, no Hospital Infantil João Paulo II, segue funcionando normalmente.
 
* Estagiária sob supervisão da subeditora Ellen Cristie. 


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