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Estado de Minas Entrevista/Pedro Englert

"O cliente não admite mais conservadorismo", diz empresário

Para empresário, grandes empresas que só pensam em metas têm muito a aprender com startups


21/01/2019 06:00 - atualizado 21/01/2019 08:46

(foto: Divulgação)

São Paulo – Ex-sócio da XP e ex-CEO do portal Infomoney, Pedro Englert partiu para um período sabático em 2016 e a convite do amigo Marcelo Maissonave foi conhecer de perto o que estava sendo feito no Vale do Silício, na Califórnia.

“Ele disse ‘pega um avião e vem pra cá’. Tomei um choque com tudo que vi”, relembra. Logo depois, Englert voltou ao Brasil decidido a mergulhar no ambiente da inovação e, mais do que isso, investir em educação.

Assim, se juntou a outros cinco sócios e passou a ser o CEO da StartSe, especializada em educação continuada voltada em especial à grandes corporações interessadas em aprender e estreitar o relacionamento com startups. Os empreendedores também buscam  cursos e um ambiente de relacionamento para negócios e investimentos.

Em três anos, a StartSe saiu de um faturamento de R$ 2,5 milhões para R$ 36 milhões. Além da sede em São Paulo, tem escritórios no Vale do Silício e em Xangai. Hoje, já fazem parte da carteira de clientes, segundo o CEO, 34 das 50 maiores empresas do Brasil, como Gerdau, Tigre, Suzano, Branco o Brasil e Bradesco.

Neste ano, a projeção é dobrar a receita. Além disso, Englert terá outro desafio. “Nosso grande sonho é provocar novos começos nas empresas e nas pessoas. Para isso, queremos impactar 1 milhão de pessoas nos próximos três anos, até 2021, e fazer com que elas desejem recomeçar, tenham uma vida mais bacana e se tornem mais competitivas”.

As grandes empresas têm se aproximado mais do ambiente das startups?

Existe um movimento muito grande nesse sentido. As empresas estão maduras o suficiente para entender que estão em uma nova dinâmica de inovação. Por outro lado, não existe ainda a clareza de como isso deve ser feito. Há várias iniciativas nessa direção, mas, infelizmente, um número pequeno de companhias sabe o que está fazendo. A maioria vai pela onda da manada, não pelo objetivo de inovar. O propósito delas está certo, o de querer se atualizar, mas elas adotam ações que não vão levar a esse propósito.

Por que há esse conflito?
Isso acontece porque é um mercado novo lá fora e aqui. O Brasil está vindo na carona, não estamos atrasados. Já a China e o Vale do Silício estão na vanguarda. A relação é nova, baseada em teste e experimentação, só que todo o modelo de gestão de investimento em educação foi cunhado no século passado, a partir de um mercado estático, pouco dinâmico e onde clientes tinham pouco poder de decisão. Vivemos em um mercado pouco dinâmico, baseado em resultados previsíveis, diferentemente do que vem se ganhando espaço nos últimos anos.

"A preocupação de um startup não é lançar um produto sensacional, mas praticar, corrigir e evoluir"

Pedro Englert



Mas como as empresas devem se comportar diante dessa velocidade nas inovações?
As empresas que pretendem seguir inovando devem antes entender qual é novo modelo de gestão. Olha tudo que aconteceu nos últimos anos. As empresas de teletáxi (ou rádio-chamada) vinham bem, aí chegou a 99 e acabou com tudo. Esse é um exemplo de como a tecnologia vem, cresce rápido e o meu negócio morre. Como prever isso? É preciso olhar de perto os novos movimentos, como o de fontes alternativas ao petróleo e a carne sintética. Como a sua tecnologia está protegida para daqui a 10 anos em relação a essas transformações?

Sem essas transformações as empresas correm risco de serem engolidas?

Quando olhamos para o futuro vemos algo “incerto”, rápido e imprevisível, o que torna o trabalho mais desafiador, principalmente para empresas que ainda insistem em montar um business plan para cinco anos. Esse modelo ineficiente. O grande segredo das startups é que criam as coisas com base em processos diferentes. Em vez de usar cenário de cinco anos e colocar um monte de gente executando, elas definem uma hipótese. Por exemplo, como é possível pedir um táxi usando o smartphone. Não será um produto ou serviço a ser lançado daqui a dois anos. A validação é a mais curta possível, o entendimento sobre o negócio, certo ou errado, é mais rápido e simples e isso diminui muito o risco e o custo de lançamento e de distribuição. À medida que coloca a hipótese do neg ócio na rua, já é preciso tentar validar se é positiva ou negativa. Se errar nessa fase, vira um aprendizado, corrige a hipótese e coloca na rua de novo. A preocupação de uma startup não é lançar um produto sensacional, mas praticar, corrigir e evoluir.

Isso facilita o acesso para quem quer ter uma startup?
Facilita sim, porque não é preciso fazer um monte de investimentos com um risco enorme. Portanto, por ser muito mais barato, mais pessoas podem fazer isso. Hoje temos, por exemplo, cerca de 400 fintechs tentando colocar algum produto financeiro no mercado. Há dois, três anos, não tínhamos mais do que três bancos tentando entrar nesse mercado. A diferença é gigante e acontece de forma muito mais acelerada. Por isso o mundo das startups é tão atrativo, porque elas estão promovendo inovação por meio de investimentos baixos e com muita rapidez. A sua base é olhar para a dor do cliente, onde está o problema de um determinado mercado.

Para as empresas, essa aproximação de startups é algo necessário para o futuro do negócio ou é possível criar esse ambiente inovador apenas com investimentos feitos internamente?
As empresas têm de ajustar sua cultura, sua cabeça. A dinâmica e as práticas são diferentes. Por mais inteligência que a empresa tenha, sempre vai ter mais do lado de fora. Por isso, é importante estar preparado para buscar fora, se apoiar. Algumas coisas fazem fora, algumas internaliza. Ao se aproximar de startups, as empresas conseguem melhorias interessantes no processo, tornam a operação mais rápida, trazem novas linhas de receita e trocam informação com base em uma nova cultura. Os executivos vão aprendendo e se abrindo. Para a startup também é importante porque ela ganha com aprendizado e com o acesso a capital.

As startups levam vantagem nessa corrida pela inovação?
Levam sim. Quando crescem, as empresas procuram mais se proteger do que tomar risco, ficam muito presas a atingir metas e isso cria uma cultura conservadora. O cliente não admite mais esse conservadorismo. Por isso tem de criar uma cultura de contexto, para o mesmo pensamento, e enxergar a mesma coisa. Quanto mais se esforçar. O risco e o erro fazem parte do processo, que se quiser entrar em mercado que não conhece vai errar, vai ficar obsoleto, parado no tempo. Dentro das empresas tem gente muito boa, conservadora e tomador de risco.

Esse comportamento conservador das empresas pode refletir nos seus profissionais?

Diante da falta de um ambiente inovador e do apoio da empresa, o profissional sai em busca de uma oportunidade para empreender. As empresas correm o risco de ficar só com o funcionário que tem um ímpeto menor de evolução. Nesse contexto, a única certeza que temos hoje é que o arriscado é ficar parado, porque pode ser atropelado pelos que estão chegando ao mercado. Muitas empresas ficam engessadas por exigências de compliance que não a deixa agir e não premia quem quer se arriscar. Sem essa mudança, elas ficarão obsoletas. Algumas empresas já entenderam que incorporar inovação dá resultado, como o Magazine Luiza. A ação subiu 20 vezes em boa parte porque o Fred Trajano, CEO, entendeu essa dinâmica, foi para o Vale do Silício ver o que está acontecendo, entendeu o momento e foi jogar o jogo. É um exemplo de que dá para fazer, seja criando uma startup dentro de casa ou se aproximando dessas empresas criadas a partir de conceitos inovadores.

Por que as universidades não atuam tão fortemente no ambiente de inovação?
As universidades perderam esse papel, porque a educação passou a ser muito mais em cima de prática com o passar do tempo. Por isso, quem quiser aprender que vá para o Vale do Silício, para a China, para Israel ou participe de eventos por aqui, porque é a chance de aprender em cima das práticas construídas. Teorizar quando se trata de inovação, que é algo tão dinâmico, acaba resultando em perda de tempo. Hoje, pouco importa como o cara estudou, porque se ele ao longo do tempo não se atualizou de forma intensa já ficou para trás. Mais importante do que a universidade é como ele se desenvolve, quão aberta mantém sua cabeça para entender esse mundo, seja em viagens a polos de inovação no exterior ou visitas os centros de inovação aqui, como InovaBra e o Cubo.

Ainda há muitas amarras burocráticas para o ambiente de inovação?
Existe regulação excessiva, é fato. Mas temos de nos preparar para isso. Algumas entendem a regra do jogo e procuram alternativas para fazer de uma forma diferente em vez de enxergar aquela burocracia como uma barreira. Isso jamais poderá ser usado como uma desculpa dada por quem não quer agir. Foi a partir da busca de alternativas que surgiram casos como o da XP e do Uber, que testaram a inovação no limite da regulação. Esse movimento leva o governo a se ajustar a essa inovação e criar regras.

O empreendedorismo por necessidade predomina no Brasil. A inovação também pode se mover pela necessidade ou isso é ruim quando se pensa na criação de uma startup?
Isso como ponto de partida é bom porque aumenta o número de potenciais empreendedores. O problema é se não estiver preparado, porque o empreendedor pode buscar caminhos que não dão certo. Hoje o Brasil vive um problema ao incentivar a inclusão de jovens no mercado de trabalho com o foco em mão de obra a partir de um conceito muito tradicional. Não se olha, por exemplo, para a necessidade de capacitação de profissionais que entendam de tecnologia, que é um mercado com grande oportunidade e com falta de profissionais. Quando vê a tecnologia tomando o lugar dos braços do homem. A tecnologia vem tomando conta do que é feito pelos braços do homem, por isso não dá para insistir em uma formação antiquada de formação profissional. A concorrência vem e todos os lados e é global, basta um software e um profissional do outro lado do mundo passa a trabalhar também no Brasil, à distância. A concorrência pelo mercado de trabalho é global. Se o Brasil não entender isso, será ultrapassado por todo mundo. Não precisa ir longe. Olhe os aplicativos do seu celular. A maioria é de fora, como Netflix, Google, Facebook, Uber. Esse é um problema seriíssimo. Se não mudar a forma de ver a inovação, o Brasil vai ser só exportador de grão e os serviços serão providos apenas por empresas estrangeiras.

Quem é Pedro Englert

Formado em Administração de Empresas com ênfase em finanças pela UFRGS, o empresário tem pós-graduação em varejo e serviços pela Universidade de São Paulo e pela Singularity University. Foi sócio da XP Investimentos por 10 anos, onde comandou a área comercial e foi CEO do portal InfoMoney. No início de 2016, se associou ao time do StartSe e é CEO da empresa. É sócio de cinco fintechs: Warren, FitBank, Monkey Inc, Bee Tech e ID e de uma startup do setor de varejo, a Yuool. Faz parte do conselho da Junior Achievment Brasil e da Associação Brasileira de Fintechs.


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