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Estado de Minas

Lei proíbe uso de sacolas, mas o consumidor desconhece iniciativas sustentáveis na moda


postado em 29/05/2011 10:19 / atualizado em 29/05/2011 10:25

O glossário de fabricantes e consumidores de moda antenados nas demandas do mundo contemporâneo vem ganhando termos novos: couro bio, algodão orgânico, malha PET, tingimento natural e outros. Creia, eles indicam uma revolução iminente na indústria fashion. Isso porque o fazer sustentável – termo que abarca desde o uso de matérias-primas de fonte renovável até o consumo de produtos certificados –, não é apenas mais uma questão de estilo. Segundo especialistas, atitudes que envolvem a preservação do meio ambiente estão na ordem do dia e já determinam se um item será aceito no mercado. Por aqui, algumas iniciativas chamam a atenção e demonstram que criadores brasileiros estão, sim, dispostos a fazer história. Conhecê-las é o primeiro passo para uma mudança de hábitos, inclusive de consumo.

Debates à parte, o basta às sacolas plásticas derivadas de petróleo no comércio belo-horizontino, fruto da Lei 9.529/2008, não tem apenas mudado o cenário nos caixas de supermercados e outros estabelecimentos. A própria roda fashion correu atrás da oportunidade de negócio, criando modelos de ecobags assinadas e cheias de estilo. Para além da embalagem, o frisson em torno do episódio revela um momento de mudanças nos processos de fabricação de bens e produtos, o que também envolve a indústria da moda e confecção. “Hoje, produtos sem esse viés não conseguem competir no mercado externo. Países da Europa e EUA já exigem a comprovação desse comportamento, pedem certificações e impõem barreiras técnicas para a importação. A indústria têxtil brasileira está começando a adaptar suas fábricas a esse novo conceito”, afirma Sylvio Napoli, gerente de capacitação tecnológica da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).

E ele não cita apenas iniciativas em torno da produção de algodão orgânico. As fábricas brasileiras têm investido em outras fibras naturais como sizal, cânhamo, juta, rami, linho e por aí vai, geralmente produzidas no Norte e Nordeste. Há, ainda, fibras não naturais que passam por processos de reciclagem. Exemplos são produtos à base de poliéster reutilizado: malha, linha, tecidos planos. “O Brasil já tem indústria preparada para aproveitar essa matéria-prima. Não de forma extensiva, mas percebe-se o despertar de confecções nesse sentido.”

Caminho sem volta

Na visão do especialista, a busca por sustentabilidade na produção fashion é um caminho sem volta. Muito já tem sido feito, mas a falta de informação ainda é comum. “Nosso desafio passa por transformar o que ainda é um nicho em algo com escala de produção. Exemplo vem da lei dos resíduos sólidos, que obriga empresas a darem destino aos resíduos, o que inclui as confecções. O negócio é criar mais condições para aproveitar tais resíduos.” Exemplo vem da DTA. A grife, mineira da gema, descobriu um bom uso para as sobras do jeans, cedidas para organizações não governamentais (ONGs) que produzem bolsas, necessaires, pastas para computadores portáteis e outros. Parte da produção é recomprada pela empresa, que aproveita o material em campanhas institucionais.

Num futuro próximo, o comportamento do consumidor também será posto em cheque. “Fazemos parte do mundo. Mais dia, menos dia, a opção pelo consumo sustentável será uma ação natural. Nesse sentido, nossa participação é ainda muito tímida. Ao contrário dos mercados japonês, europeu e norte-americano, ainda temos muito o que aprender.” Para tanto, alguns critérios são básicos. Empresas que fazem uso racional da água e da energia, evitam produtos químicos e valorizam a mão de obra local estão buscando processos de produção sustentáveis. Nesse sentido, selos de certificação ambiental nas embalagens dos produtos revelam para o consumidor quem é quem.” E nas passarelas? Sylvio acredita que pouco a pouco nossos criadores estão aderindo à onda sustentável. “Ele são elemento multiplicador importante, formadores de opinião. Quando abraçarem a causa vão difundi-la. E não levando em conta apenas o aspecto econômico, mas também o filosófico.”

Estilo consciente Dá-lhe iniciativas pioneiras, e o meio ambiente agradece. A grife Osklen, por exemplo, não só usa matéria-prima sustentável nas coleções – vide tênis de tilapia e salmão, sapatos e bolsas de pirarucu, joias em pupunha, ecobags em lonas de ecojuta, palha de seda, e outros –, como também incentiva a pesquisa e a produção de alternativas para o mercado fashion. “Temos uma longa relação com causas socioambientais. Desde o ano 2000 nos associamos ao movimento e-brigade e participamos do projeto e-fabrics, que identifica tecidos e materiais desenvolvidos a partir de critérios socioambientais em parceria com empresas, instituições e centros de pesquisa brasileiros”, cita Oskar Metsavath, estilista e idealizador da marca.

Sim, esses produtos ainda são mais caros que os “tradicionais”. No entanto, muitos consumidores já estão dispostos a pagar a diferença que embute custos diversos, inclusive de pesquisas. “Entendemos ser possível criar um real desejo de consumo responsável, assim como dar foco a importantes iniciativas socioambientais. Além do mais, poder escolher e comprar peças de design que tenham características sustentáveis faz parte de um novo luxo. É um lifestyle consciente, e não um lifestyle ecochato”, aposta Metsavath.

Enfim, uma pergunta que não quer calar: o consumo de peças feitas com matéria-prima sustentável faz mesmo diferença na preservação do meio ambiente? A resposta do fundador da Osk-len é positiva. E justificada. Ele cita que inúmeras comunidades dependem da propagação dos projetos sustentáveis para garantir ou aumentar a renda. Exemplo vem do látex natural da Amazônia. O projeto desenvolvido pela Universidade de Brasília com apoio do Ibama contribui para o aumento de renda dos seringueiros, beneficiando 460 famílias da região Norte, que também são instruídas a preservar a floresta.

A Osklen usa também o couro de peixe, todos altamente consumidos como gênero alimentício, capturados de forma consciente e com respeito às leis ambientais. “Além de ajudar no aumento de renda dos pescadores, as peles antes descartadas não geram mais poluição biológica. E são sucesso: os tênis fabricados com esse material já caíram no gosto do consumidor brasileiro e da imprensa internacional”, garante.

Luxo no lixo

Outras alternativas sustentáveis vêm da reciclagem ou do reaproveitamento de sobras. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, iniciativa da organização não governamental Instituto Ipê, no projeto Recicla Cerrado, foi aproveitada pela estilista Fabiana Milazzo. Trata-se do uso de paetês feitos com garrafa PET e da confecção de peças cuja composição traz percentuais da fibra do material. “Me inspirei na teoria de Lavoisier, segundo a qual ‘na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’. Meu foco principal foi a capacidade de transformação da matéria-prima, transformar lixo em tecido, rendas, detalhes.”

Na coleção, a sustentabilidade deu origem a moletons dupla face, retalhos foram aproveitados em desenhos aplicados e os paetês de PET conferiram diferencial a corseletes, vestidos e outras peças. “A abordagem sustentável contemplou 20% da coleção e espero que no futuro seja uma marca registrada da grife. E isso porque ainda existem poucos fornecedores no país, temos dificuldades para encontrar matéria-prima. No entanto, há dois anos minha ideia não seria viável, o que mostra evolução e boa vontade.” Fabiana, no entanto, é crítica. “O importante é a roupa ser bonita, com acabamento legal. Se ainda é ecologicamente correta, ganha valor agregado. Só não adianta fazer a peça mais sustentável do mundo sem design e qualidade.” Antônio Pedro da Costa Neto, coordenador do projeto Recicla Cerrado, concorda. “Criando peças bonitas, mostramos que o público pode patrocinar projetos sustentáveis por meio do consumo, o que é um meio para sairmos do assistencialismo no tocante à preservação ambiental.”

Por falar em paetês, a Moltec Brasil, com sede em Belo Horizonte e participação na Premiére Vision, na França, reaproveita restos de PVC para a fabricação artesanal da matéria-prima fashion. A coloração das peças também é artesanal. Com média de produção de 150 quilos por mês, Meire Figueiredo Almeida fornece para grifes de peso no cenário nacional como Ronaldo Fraga, Animale, Glória Coelho e Sta. Ephigênia, que criou uma saia no material para a atual coleção outono/inverno. “O PVC é derivado do petróleo, mas encontrei no reaproveitamento de restos uma forma de também contribuir para a sustenbtabilidade.” Fã desse tipo de iniciativa, ela aposta na criatividade como fio condutor para outras descobertas. “Há muitos meios ainda para serem explorados.”

Processos sustentáveis O tingimento natural é outra etapa da produção fashion que pode respeitar a sustentabilidade. Eber Lopes Ferreira, fundador da Etno-botânica, que o diga. Na empresa, pigmentos naturais (extraídos de fontes renováveis) e orgânicos (cultivados) são utilizados para colorir de um tudo. Mesmo os detergentes são produzidos a partir de óleos vegetais, biodegradáveis. O processo inclui ainda pigmentos de origem mineral que não contém metais pesados, mordentes (substância que faz com que um corante se fixe na fibra) e fixadores (resina de origem vegetal, como a de jatobá e pinus) naturais, serigrafia feita a parti do látex extraídos de seringueiras. Verdadeiro Dom Quixote da causa, ele acredita que o tingimento natural já poderia estar difundido no país, mas não existe interesse por parte da indústria química.

“Na Biblioteca da USP não existe sequer um livro sobre corantes naturais. A informação foi sequestrada e não existe interesse no resgate e na difusão dessas técnicas, porque a indústria química não quer que exista esse retorno. É o negócio deles. E, infelizmente, o interesse econômico muitas vezes manda mais”, lamenta.

No entanto, Eber reconhece um esforço no sentido oposto, em prol da sustentabilidade. “A própria Abit vem divulgando iniciativas nesse sentido. Existem tentativas de informar, mas é fato que quem está nessa o faz por ideal. Às vezes, o retorno financeiro nem é o esperado. Mas sei que de alguma forma estou contribuindo para a melhoria do planeta. Minha consciência está limpa, tranquila.”

O uso de matéria-prima sustentável, como já falado, não basta. A estilista Gilda Midani é quem explica: “Para uma marca levantar essa bandeira precisa garantir a sustentabilidade em toda a cadeia de produção. E hoje em dia o perigo de deformação desse sentido é enorme, virou mais comoditie de marketing do que uma tomada de consciência.” Na fábrica da grife, 30% da malha é orgânica, feita de modal e liocel originais de restos de eucalipto e celulose. Matéria-prima importada. As peças de cor também têm tingimento natural. Ainda assim, ela não gosta de ser reconhecida como grife sustentável. “O Brasil precisa ser mais articulado nesse sentido, esbarramos em inúmeras dificuldades. E somos imediatistas. Ainda achamos graça na Daslu: falta-nos consciência e cultura para trocar o sentido de bunda de fora e coisa dourada para conforto, consciência e respeito pelo outro.”


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