Cena do filme 'Os inconfidentes'

O longa "Os inconfidentes" (1972), filmado pelo carioca Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) em Ouro Preto, integra a mostra, que vai até o feriado de 7 de setembro

Divulgação

A década de 1950 marca o início de uma grande mudança no cinema nacional, cujos reflexos são sentidos até a atualidade. "As polêmicas da época formaram o que se percebe hoje como um movimento plural de estilos e ideias que produziu aqui a convergência entre a ‘política dos autores’ por oposição ao clássico e mais plenamente industrial”, analisou o teórico Ismail Xavier em "Cinema brasileiro moderno" (Paz e Terra, 2006). 

O Cinema Novo e, posteriormente, o Cinema Marginal, são as principais correntes que marcaram o processo de renovação da produção brasileira. Minas Gerais está dentro deste pacote - primeiramente com sua pulsão crítica e, em um momento posterior, com a realização de filmes, tanto curtas quanto longas-metragens.

Com início nesta sexta (1/9), no Cine Humberto Mauro, a mostra Travessias vai destacar o cinema mineiro moderno, por meio de filmes da década de 1960 até a atualidade, e um mini-curso. Com sessões gratuitas até a próxima quinta-feira (7/9), o programa tem curadoria dos professores e pesquisadores Luís Flores e Mateus Araújo. 

Para fazer o recorte da produção mineira, a dupla valeu-se da influência rosiana. Os filmes foram selecionados segundo quatro eixos. "Estórias" traz filmes criados a partir da obra de João Guimarães Rosa e Murilo Rubião. "Vertentes" reúne produções de cineastas importantes dentro de Minas Gerais.

“Atravessamentos” perfaz dois caminhos: reúne obras tanto de mineiros que filmaram em outros estados quanto de cineastas que não são daqui e rodaram seus projetos em Minas. Por fim, "Picadas" reúne obras contemporâneas, que atualizam a produção audiovisual do estado.

Cena do filme 'No coração do mundo'

"No coração do mundo" (2019), longa de Gabriel e Maurílio Martins, terá sessão comentada pelos diretores, amanhã

Filmes de Plástico/Divulgação

Trocas

"A divisão dos programas foi uma tentativa de não ficar limitado ao território de Minas Gerais, de valorizar também o lugar como uma zona de trocas. A maneira entrecruzada era também o que acontecia no cinema nacional como um todo", comenta Luís Flores. 

Desta forma, o programa "Estórias", por exemplo, reúne o filme mais antigo da mostra, o clássico "A hora e a vez de Augusto Matraga" (1965), adaptação do paulista Roberto Santos para a novela de Guimarães Rosa, quanto "Quintal" (2015), do mineiro André Novais Oliveira, da produtora Filmes de Plástico - o curta foi inspirado no realismo fantástico de Rubião.

"Atravessamentos" vai exibir filmes seminais da produção mineira. Um deles é "A vida provisória" (1968), de Maurício Gomes Leite, que foi rodado entre BH, Rio de Janeiro e Brasília. O programa também vai mostrar filmes muito importantes de realizadores cariocas. 

"A casa assassinada" (1971) é o segundo longa da trilogia que Paulo César Saraceni  dedicou à obra do escritor mineiro Lúcio Cardoso (os demais, "Porto das caixas" (1962) e "O viajante" (1998), não estão na mostra). Outro clássico da produção nacional, "Os inconfidentes" (1972), levou Joaquim Pedro de Andrade a filmar em Ouro Preto.

A mostra destaca ainda a obra de nomes históricos muito importantes para a produção mineira, como Neville d'Almeida (o curta "O bem-aventurado", de 1966, e o longa "Mangue bangue", de 1971), Geraldo Veloso (o longa "Perdidos e malditos", de 1970, e o curta "Toda a memória das Minas", de 1978) e Rosa Antuña ("Rosa Rosae", 1968).

Rosa foi a primeira mulher a dirigir um filme em Minas. Outra precursora que a mostra destaca é Adélia Sampaio, a primeira mulher negra a assinar um longa no Brasil (no caso, "Amor maldito", de 1984). Serão exibidos três curtas dela: "Denúncia vazia" (1979), "Adulto não brinca" (1980) e "O mundo de dentro" (2012).

Cineastas com obra extensa e em plena atividade terão filmes mais antigos no programa, caso de Helvécio Ratton ("Uma onda no ar", de 2002) e Rafael Conde ("O ex-mágico da Taberna Minhota", de 1996, curta adaptado de obra de Rubião). E há também os novos, caso da turma de Contagem, como Affonso Uchôa (com "Sete anos em maio", de 2019) e Gabriel e Maurílio Martins, da Filmes de Plástico (com "No coração do mundo", de 2019, que terá sessão comentada pela própria dupla no dia da abertura da mostra).

Mesmo em sua abrangência, a mostra não traz um nome referencial para o cinema de Minas: Carlos Alberto Prates Correia, morto em maio, aos 82 anos. "Na minha opinião, ele é o cineasta mais importante do cinema mineiro moderno", comenta Luís Flores sobre o diretor de "Cabaré mineiro" (1980) e "Noites do sertão" (1984). No entanto, diz o curador, ele não conseguiu negociar nenhuma obra para exibição. "Fica para o desejo de uma segunda edição da mostra."

Flores também vai ministrar, no sábado (2/9) e no domingo (3/9), mini-curso sobre o cinema mineiro moderno. Um marco foi a criação do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), fundado em 1951 por um grupo de cinéfilos, Jacques do Prado Brandão, Raimundo Fernandes, Fritz Teixeira de Salles, Carlos Denis, Guy de Almeida, Newton Silva e Cyro Siqueira, que editou, a partir de 1954, a "Revista de cinema", então a principal publicação crítica do país.

Esta reunião gerou também o Centro Mineiro de Cinema Experimental, de onde surgiram os primeiros filmes. "O curso quer explorar a tradição do cinema e da crítica. Havia um nível elevado de inventividade, qualidade estética alta e diversidade na forma de fazer cinema", afirma Flores. 

Completando a programação, muitas sessões comentadas. Uma delas, destaca o curador, será realizada no feriado de 7 de Setembro. Após a sessão das 16h, que vai exibir "Congados" (curta do Padre Massote, de 1975-1976) e "A rainha Nzinga chegou" (longa de Júnia Torres e Isabel Casimira, de 2019), a própria Isabel, rainha conga da guarda de Moçambique Treze de Maio, e Antônio Casimiro, capitão da guarda, vão conversar com o público sobre cinema e cultura popular.

Cena do filme  'A hora e a vez de Augusto Matraga'

"A hora e a vez de Augusto Matraga" (1965), do paulista Roberto Santos (1928-1987), baseado na obra de João Guimarães Rosa, é o filme mais antigo da mostra

Difilm/Divulgação


Programação

Confira as sessões deste fim de semana

»  Sexta (1/9)
• 17h30 - "Mauro, Humberto" (David Neves, 1975) 
• 18h30 - "Mutum" (Sandra Kogut, 2007) 
• 20h30 - "No coração do mundo" (Gabriel e Maurílio Martins, 2019) Sessão comentada pelos diretores 

»  Sábado (2/9) 
• 14h - Curso "Cinema mineiro moderno" - Com Luís Flores, curador da mostra
• 17h - "A hora e a vez de Augusto Matraga" (Roberto Santos, 1965) 
• 19h - "Aboio" (Marília Rocha, 2005) Sessão seguida da palestra "As minas das Minas", com a pesquisadora Carla Maia 
• 21h30 - Três curtas de Adélia Sampaio: "O mundo de dentro" (2012); "Adulto não brinca" (1980) e "Denúncia vazia" (1979), e "República" (Grace Passô, 2020)

»  Domingo (3/9)
• 14h - Curso "Cinema mineiro moderno" - Com Luís Flores, curador da mostra
• 17h - "Uma onda no ar" 
(Helvécio Ratton, 2002)   
• 19h - "Sete anos em maio" 
(Affonso Uchôa, 2019) 
• 20h - "A vida provisória" (Maurício Gomes Leite, 1968) Sessão comentada pelo pesquisador Ewerton Belico 

“TRAVESSIAS”
A mostra vai desta sexta (1/9) a quinta (7/9), no Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Entrada franca. Os ingressos devem ser retirados uma hora antes de cada sessão. O curso "Cinema mineiro moderno" será ministrado no sábado (2/9) e no domingo (3/9), das 14h às 17h. As inscrições, gratuitas, deverão ser feitas por meio de link disponível no perfil da mostra no Instagram (@travessias2023).