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Estado de Minas LITERATURA

Livro sobre ciclo da mineração em MG, 'A mãe do ouro' mescla fato e ficção

Casal Willian e Gláucia Vale mergulha nas origens da exploração do ouro, no século 18, unindo pesquisas à mitologia


23/02/2021 04:00 - atualizado 23/02/2021 07:30

Santuário do Caraça, em Catas Altas, na Região Central de Minas, é onde se passa grande parte da trama: mãe do ouro seria representação da natureza(foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS - 17/2/20)
Santuário do Caraça, em Catas Altas, na Região Central de Minas, é onde se passa grande parte da trama: mãe do ouro seria representação da natureza (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS - 17/2/20)
As minas das Gerais são fecundas, unindo séculos impregnados de histórias da terra, memórias d'além-mar, nas águas que banham Europa e África, e surpresas a cada olhar sobre montanhas de ouro e minério de ferro. Se é necessário um mergulho nas profundezas para fazer descobertas sobre nossas origens, melhor ainda alçar voo nas asas da imaginação, misturar magia aos registros documentais e obter uma versão bem particular de cultura, beleza, civilização.

Após décadas de viagens, pesquisas, olhos e ouvidos atentos, o casal de escritores mineiros Willian Vale e Gláucia Vale lança o livro “A Mãe do Ouro” (editora Giostri), certo de que joga luz sobre o passado para chegar ao presente no tom certo da emoção.

A história começa no século 18 e chega ao 21 tendo a mineração de ouro como fio condutor, sem perder o sabor da fantasia, como nas aparições da lendária Mãe do Ouro, que se confunde, muitas vezes, com a natureza. Nesse cenário, está presente a força que moldou o ser mineiro.

"Somos resultante de interações e misturas de muitos povos que aqui chegaram ao longo do tempo, forjando um rico e diversificado caldeirão de diferentes relatos, mitos e lendas. Dois desses povos foram decisivos para definir o pluralismo de nossa personalidade: os portugueses e as etnias africanas. Cada qual trouxe consigo sua cultura, seus costumes e crenças e uma maneira diferenciada de enxergar o mundo e a vida", explica Gláucia.

No romance, dois personagens principais, seus descendentes e obras, conduzem a trama, com diferentes janelas de percepções do mundo.

Com a palavra, Willian: "De um lado, dentro de uma tradição de oralidade e magia, está o herói africano Kehinde, que no século 18 trabalhava como aprendiz em uma oficina de metalurgia na cidade de Oyo, sede do império dos iorubás, na África. Capturado, rebatizado como Benedito, é trazido como escravo para a região das minas de ouro. Do outro, como herdeiro da uma história parcialmente escrita e que se propõe objetiva, o fidalgo português Lourenço, foragido da repressão pombalina, que aporta numa cidade da Bahia, antes de se dirigir ao sertão. Aos dois personagens vão se associando muitos outros".

Já no século 19, há um contraponto entre Pedro, o escravo que compra a alforria para virar operário, e Eduardo, um idealista engenheiro de minas, enquanto no século 20 surge Ignácio, que, provocado pela Mãe do Ouro, vai buscar suas origens, ao mesmo tempo em que se dedica à pesquisa de um tesouro perdido. Não será surpresa – e aqui não há spoiler – se o leitor, frase a frase, for vislumbrando as ameaças que transformaram, no século 21, empreendimentos minerários das Gerais em tragédias socioambientais que ainda assombram o mundo.

Múltiplas formas 


Para os autores, Minas é uma terra ainda hoje povoada por seres mágicos. "Invocamos em nosso livro a Mãe do Ouro, um ser mágico que se revela com ubiquidade, aqui e ali ao longo de toda a narrativa, assumindo diferentes formas, inclusive a de uma serpente ou de uma dama revestida de terra e ouro, capaz de recorrer a diferentes estratagemas para garantir a integridade dos seus territórios, com seus tesouros e mistérios,localizados sobretudo em extratos mais profundos. Nesse caso, o ouro representa poderoso arquétipo ancestral, encontrado em diferentes culturas e lugares do mundo", destaca Gláucia.

As páginas fazem o leitor viajar por tempos, espaços, e certamente ao fim do livro baterá uma vontade louca de (re)visitar o Santuário do Caraça, em Catas Altas, na Região Central de Minas, onde se passa grande parte da história. Aqui vai a dica: o Caraça está aberto, embora funcionando com agendamento para hospedagem, dentro das normas sanitárias impostas pela pandemia do novo coronavírus.

Os caminhos do ouro escritos a quatro mãos


Os autores escreveram sobre lugares que lhes são familiares. No Brasil, conhecem todos; no exterior, boa parte: na África e em Portugal, estiveram em função de trabalhos. Quando começaram a escrever o romance, revelam, fizeram questão de fazer ou refazer alguns dos percursos narrados no livro, visitando e explorando antigas minas de ouro. Percorreram alguns dos trajetos dos personagens, saindo de Ouro Preto, antiga Vila Rica, em direção a Diamantina e ao Rio Jequitinhonha. No Caraça, que dizem adorar, trilharam muitos caminhos, assim como os existentes em direção à Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto.

Declarando-se mineiros ancorados em profundas raízes locais, que viveram metade da vida adulta fora de Minas, Willian e Gláucia fazem uma descrição detalhada das origens dos mineiros e mineiras. E ela permeia os pensamentos de Ignácio, o velho engenheiro de minas. “Mineiro fora primeiramente o mameluco paulista e o ameríndio carijó que faiscaram nos veeiros da vertente oriental da Serra do Espinhaço, ao redor de Vila Rica e Mariana, onde eram mais generalizadas, mais 'gerais' as minas.” 

“Mineiro fora o português minhoto, o dono da lavra, mineiro o proprietário da mina de ouro, mineiro aquele que dominava o ofício de minerar, o faiscador e o garimpeiro. Mineiro o negro da mina, os escravos, que não foram chamados de mineiros. Mineiro aquele que, exauridos os aluviões, buscara o ouro no milho, no café, no leite e no gado das várzeas e cerrados (...) Mineiro é o brasileiro acoitado, misturado e parido no Brasil profundo. Mineiro seus filhos e netos que cresceram e construíram a terra das Minas para o bem e para o mal.”   

Para Willian e Gláucia, escrever uma obra de ficção a quatro mãos não foi um bicho de sete cabeças. Os dois tinham alguma experiência de escrever, juntos, textos e artigos de interesse científico. "Temos também muitas obras solo publicadas, inclusive um último livro de poesia, “Cantos da terra”, reunindo alguns poemas premiados. Mas quando decidimos entrar juntos na aventura literária foi muito mais desafiador. Por vezes, as dificuldades pareciam intransponíveis, cada qual puxando para um lado. Então, a gente parava, discutia, chegava mesmo a brigar, mas depois passava e retornava o curso, em uma via que nos parecia bem melhor", conta Gláucia. 

Gláucia e Willian Vale aliaram pesquisa à livre inventividade para desenvolver a obra: cenários foram revisitados pelos autores(foto: CRISTINA LAURIA/DIVULGAÇÃO)
Gláucia e Willian Vale aliaram pesquisa à livre inventividade para desenvolver a obra: cenários foram revisitados pelos autores (foto: CRISTINA LAURIA/DIVULGAÇÃO)
 

Três perguntas para...
Gláucia e Willian Vale
escritores

1 - Como surgiu a ideia de escrever o livro? Foram muitos anos de pesquisa?
Willian – Há muito, acalentávamos a ideia de escrever sobre Minas Gerais. Finalmente, há cerca de uns cinco anos, quando decidimos iniciar nossa obra ficcional, juntamos todo esse material, composto por muitas anotações pessoais, muitos livros – antigos e novos –, artigos e teses de doutorado, mapas antigos, pinturas e gravuras da época e começamos a escrever um romance, em que eventos históricos são livremente tratados, se misturando à ficção. Ao mesmo tempo, à medida que a narrativa evoluía, procuramos revisitar e explorar alguns dos lugares que estávamos mencionando.

2 - A história da família Távora, de Portugal, está muito presente no livro. Para vocês, autores, o irmão Lourenço, iniciador da obra do atual Santuário do Caraça, era realmente Lourenço Távora? Existe algum documento fazendo essa conexão?
Gláucia –  A origem do irmão Lourenço permanece uma incógnita. Alguns documentos, bem mais recentes, do acervo da biblioteca do Caraça, acalentam a hipótese que ele teria sido um dos descendentes da família dos Távoras que conseguira escapar do furor do Marquês de Pombal. Mas são apenas especulações, entre outras tantas, nenhuma delas explorada, tanto quanto a gente saiba, de maneira mais exaustiva ou conclusiva.

3 - Quem é, afinal, a Mãe do Ouro? 
Gláucia – Em Minas Gerais, no coração do Brasil, nas regiões de exploração do minério, mãe do ouro foi um ser ao mesmo tempo temido e respeitado por nossos ancestrais; e agora praticamente desconhecido. No mundo contemporâneo, entendemos que ela pode certamente ser associada à noção de um ser protetor da natureza e de seu equilíbrio. De certa maneira, como comentado por um dos leitores do livro, a obra seria um libelo contra a depredação da natureza e a exploração do homem pelo homem, ontem e hoje em graus abusivos. 

(foto: Reprodução)
(foto: Reprodução)
 

“A mãe do ouro”

(Editora Giostri) Autores: Gláucia Vale e Willian Vale
214 páginas
R$ 62
Onde encontrar: giostrieditora.com.br
em Belo Horizonte: 


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