cineasta Carlos Alberto Prates Correia

Carlos Alberto Prates Correia era natural de Montes Claros, no Norte de Minas, mas veio cedo para BH. Apaixonado por cinema, reuniu amigos e montou o Centro Mineiro de Cinema Experimental (Cemice)

Acervo Estado de Minas- 8/1/1977


O cineasta Carlos Alberto Prates Correia morreu na noite de sábado (27/5), aos 82 anos, no Rio de Janeiro. Natural de Montes Claros, no Norte de Minas, ele foi um dos principais nomes do cinema brasileiro – e, sobretudo, mineiro – das últimas décadas. Entre seus filmes de maior projeção, estão “Cabaré mineiro” (1980) e “Noites do sertão” (1984), com Débora Bloch e Tony Ramos no elenco. A causa da morte não foi divulgada. Sem entrar em detalhes, Maria Tereza Correia, sobrinha do diretor, disse que ele já estava internado há cerca de 40 dias e que nas últimas 24 horas teve várias intercorrências.
 
Prates Correia nasceu em Montes Claros, mas mudou cedo para Belo Horizonte. Na capital mineira, trabalhou inicialmente como crítico de cinema no extinto jornal Diário de Minas, entre a década de 1950 e 1960. A carreira no cinema só começou em 1965, quando auxiliou o diretor Joaquim Pedro de Andrade no filme “O padre e a moça”, estrelado por Paulo José, que também estreava no cinema.
 
Animado com o universo cinematográfico, ainda na década de 1960, Prates Correia reuniu alguns amigos e montou o Centro Mineiro de Cinema Experimental (Cemice), em Belo Horizonte. Foi com esse grupo, aliás, que ele produziu “O milagre de Lourdes” (1965), sobre um padre corrupto que, para fugir dos fiéis enfurecidos com sua má conduta, se esconde em um dos bordéis da famigerada Rua Guaicurus – local até hoje conhecido pelo grande número de prostíbulos no Centro da capital.
 
Em 1966, o cineasta se mudou para o Rio de Janeiro, local onde a produção cinematográfica vivia maior efervescência. De lá, dirigiu o episódio “Guilherme”, do filme “Os marginais” (1966), de Moisés Kendler, onde repetiu a dobradinha com Paulo José.

MACUNAÍMA Em 1969, voltou a trabalhar com o diretor Joaquim Pedro de Andrade e o ator Paulo José no clássico “Macunaíma”, no qual foi assistente de direção.
 
A censura do governo militar bem que tentou boicotar o longa – o órgão oficial impôs 15 cortes no filme, a maioria referente a nus, a palavrões e ao texto “Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são” –, no entanto, a versão cinematográfica do romance de Mário de Andrade saiu do Festival de Brasília de 1969 premiado nas categorias melhor ator (Grande Otelo), melhor ator coadjuvante (Jardel Filho), melhor argumento (Joaquim Pedro), melhor roteiro (Joaquim Pedro), melhor diálogo (Joaquim Pedro), melhor cenografia (Anísio Medeiros) e melhor figurino (Anísio Medeiros).
 
Embora não tivesse sido laureado nominalmente no evento, a experiência que Prates Correia adquiriu ao rodar “Macunaíma” foi importante para o trabalho crítico e autoral que viria a desenvolver posteriormente.
O primeiro filme precisamente dele já foi no ano seguinte, em 1970. Ambientado em Sabará, “Crioulo doido” acompanha Florisberto (papel de Jorge Coutinho em um dos primeiros filmes brasileiros tendo um negro como protagonista), um alfaiate de origem humilde que sonha em ascender socialmente. Tentando alcançar esse objetivo, Felisberto acaba por se envolver em negócios escusos, como agiotagem e jogo do bicho.
Ainda que questionáveis, as empreitadas dão certo e Felisberto vira um grande fazendeiro. Contudo, no meio do caminho, ele encontra a interesseira Sebastiana (papel de Selma Caronezzi), que tenta surfar na prosperidade do rapaz para também ascender socialmente.
 
Quando a trama parece se limitar a mostrar o modus operandi de um alpinista social da década de 1970, uma reviravolta se dá com a circulação de um boato sobre um fim do mundo iminente.
 
A notícia catastrófica deixa Felisberto transtornado e, para desespero de Sebastiana, muda completamente os planos do alfaiate para o destino da própria riqueza.
 
Depois do lançamento de “Crioulo doido”, Prates Correia trabalhou como produtor em “Os inconfidentes” (1972) e “Guerra conjugal” (1974), ambos de Joaquim Pedro; e “Vai trabalhar, vagabundo” (1973), de Hugo Carvana. Também firmou parceria com Cacá Diegues nos longas “Quando o carnaval chegar” (1972) e “Joana Francesa” (1975).

ABUSOS Só depois de todos esses projetos, Prates Correia produziu seu segundo longa, “Perdida” (1976). No filme, Estela (Maria Sílvia) é uma pobre empregada doméstica na cidade mineira de Rio Verde. Por não ser natural do município e não ter nenhum parente lá, Estela aguenta calada os abusos dos patrões por medo de ser mandada embora. Chega a um ponto, entretanto, que ela decide dar um basta nessa relação abusiva com os chefes e vai embora de Rio Verde.
 
No caminho, Estela conhece e se apaixona pelo caminhoneiro Júlio César (Alvaro Freire). Eles até engatam um romance passageiro, no entanto, quando já se sente farto da moça, Júlio a deixa num prostíbulo de beira de estrada, onde ela começa a atender sob o nome de Janete, mas sempre na expectativa de que o caminhoneiro volte e, tal qual o bom e velho Odair José, tire-a daquele lugar.
 
Não é bem isso que acontece. Cansada de esperar e levar uma vida que nunca pensou para si, Estela abandona a prostituição e vai trabalhar como operária numa fábrica de uma cidadezinha perto. Quando as coisas já estão se ajeitando na vida da moça, Júlio reaparece, reacendendo nela todo o antigo amor.
 
O caminhoneiro, no entanto, ao contrário do que pensava Estela, não fica satisfeito com a nova profissão da moça, exigindo que ela volte a trabalhar como prostituta.
 
"O Carlos Alberto tinha uma importância muito grande no cinema brasileiro. O trabalho dele era muito autoral”, afirma Maria Tereza Correia, a sobrinha do diretor. “Ele foi uma pessoa que sempre valorizou o cinema mineiro, desde o começo, quando participou do Centro Mineiro de Cinema Experimental. Sempre trazia para os filmes elementos de Minas Gerais ou então gravava no estado”, diz.

GUIMARÃES ROSA A mineiridade que Prates Correia levou para suas produções talvez esteja presente de forma mais evidente em “Cabaré mineiro” (1980). Estrelado por Nelson Dantas, o filme acompanha as andanças de um sertanejo pelo interior do norte de Minas.
 
Ao longo da caminhada, ele encontra mulheres marcantes e elementos típicos da região, como a culinária à base de pequi, danças tradicionais, a literatura de Guimarães Rosa e, claro, o famigerado cafezinho mineiro, servido com pão, broa e pão de queijo.
 
O filme ganhou os principais prêmios do Festival de Gramado de 1981, entre eles os de melhor filme, melhor direção, melhor fotografia, melhor ator (Nelson Dantas), melhor trilha sonora (Tavinho Moura) e melhor atriz coadjuvante (Tânia Alves).
 
Já em 1984, Prates Correia rodou “Noites do sertão”. Baseado no conto “Buriti”, de Guimarães Rosa, publicado no livro “Corpo de baile”, o filme começa se passando na Belo Horizonte de 1950. Lalinha (Cristina Aché) é abandonada pelo marido. As notícias que se tem é que ele fugiu com outra mulher.
 
Desquitada, conforme Lalinha é chamada pejorativamente, a moça vai para a fazenda Buriti Bom com as duas cunhadas (uma delas é vivida por Débora Bloch) e o sogro viúvo. Lá, ela se enreda numa trama amorosa – com o personagem de Tony Ramos, diga-se – que acaba se tornando perversa.

MILTON NASCIMENTO O filme guarda algumas curiosidades. Tavinho Moura, por exemplo, responsável pela trilha sonora, faz uma ponta interpretando um violeiro. Milton Nascimento, por sua vez, dá vida ao Chefe Zequiel. E o cineasta Helvécio Ratton é quem assina a produção-executiva.
 
“O Prates era um cineasta além de muito talentoso, com uma grande ligação com a cultura mineira. Ele sabia dirigir muito bem e tinha essa ligação profunda com Minas Gerais”, diz Ratton, lamentando a morte do colega.
 
No final dos anos 1980, Prates Correia rodou “Minas-Texas” (1989), que acompanhava a relação romântica tumultuada entre a jovem Januária (Andréa Beltrão) e o peão de rodeio Roy Pereira (José Dumont). O elenco conta ainda com Tony Ramos, Elke Maravilha, Tavinho Moura e Saulo Laranjeira.

HIATO Depois de um hiato de quase 30 anos, Prates Correia gravou seu último filme em 2007. No documentário “Castelar e Nelson Dantas no país dos generais”, ele traz depoimentos de cinéfilos e realizadores mineiros de sua própria geração no intuito de fazer um recorte do cinema local entre as décadas de 1960 a 1980.
 
O cineasta deixa a companheira, Margarida, e o filho, João. O corpo do diretor foi cremado nesse domingo (28/5), no Rio de Janeiro, em cerimônia restrita à família.


NA TELONA

Alguns filmes de Carlos Alberto Prates Correia
Nelson Dantas, Tamara Texman e Louise Cardoso no filme 'Cabaré mineiro'

Nelson Dantas, Tamara Texman e Louise Cardoso em "Cabaré mineiro" (1980)

Embrafilme/Divulgação

Louise Cardoso,Nelson Dantas e Tamara Texman em “Cabaré mineiro"  (1980)
Alvaro Freire e Maria Silvia no filme 'Perdida'

Alvaro Freire e Maria Silvia em "Perdida" (1976)

Embrafilme/Divulgação

Maria Silvia e 
Alvaro Freire  em “Perdida" (1976)
Capa do filme 'Minas-Texas'

Capa do filme "Minas-Texas" (1989)

Embrafilme/Divulgação

Capa do filme "Minas-Texas" (1989)